Capítulo 10

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Depois do enorme espetáculo de ontem Jude chega atrasada as aulas do dia seguinte. Sua irmã Tayrn, está sentada ao meu lado como uma tentativa desesperada de se encaixar e conseguir aprovação. Nicasia chega um pouco mais tarde com um olhar frustrado. Locke e Valerian não aparecem.

Uma nova professora, dá aulas, uma cavaleira chamada Dulcamara, está falando sobre regras de herança, provavelmente por causa da coroação iminente.

— Quando há menos de dois descendentes, um para usar a coroa e outro para colocá-la no governante, a Grande Coroa e seu poder se desfazem. Toda Elfhame fica livre de seus juramentos. E depois, quem sabe? Talvez um novo governante faça uma nova coroa. Talvez vocês voltem a guerrear contra as Cortes menores de Seelie e Unseelie. Talvez vocês se juntem aos nossos estandartes no sudoeste.

O sorriso deixa claro qual dessas opções ela prefere.

Jude levanta a mão. Dulcamara assente na direção dela.

— E se alguém tentar pegar a coroa? — Olho para ela com curiosidade do porquê ela está fazendo aquela pergunta, mas ela só abaixa o olhar.

— Pergunta interessante —diz Dulcamara. — A lenda diz que a coroa não permite que ela seja colocada na cabeça de ninguém que não seja herdeiro de Mab, mas a linhagem de Mab é muito ampla. Se um par de descendentes tentar pegar a coroa, até pode acontecer. Mas a parte mais perigosa do golpe seria a seguinte: a coroa carrega uma maldição em que, caso a pessoa que a use seja assassinada, o responsável pelo ato também morre.

Me lembro do que Balekin me disse algumas semanas atrás, que ele será coroado Rei. Não sei como pretende fazê-lo já que é evidente que o Grande Rei escolherá Dain. Me pergunto se meu irmão mais velho pretende desafiar as lendas e matar Dain antes ou depois da coroação.

No fim das aulas Nicassia me acompanha até Hollow Hall. Apesar de nunca poder perdoa-la, ainda gosto de sua companhia, mesmo que seja irritante quando depois que os guardas me informam do que parece um mal entendido com duas serviçais, e mais tarde eu confesse a ela que eu costumo ajudar alguns dos mortais de Hollow Hall, ela me acusa de estar nutrindo empatia por eles, é verdade, mas eu digo que quero irritar Balekin. O assunto morre depressa e naquela tarde eu quase esqueço que em algumas noites um dos meus irmãos inevitavelmente se tornará o novo grande Rei de Elfhame.

***

Quando acordo no dia seguinte, sinto falta do meu exemplar de Alice no país das maravilhas, mesmo tendo certeza de não o ter tirado de seu habitual lugar na estante dos meus aposentos. Não tenho tempo de procurá-lo, pois tenho de receber o alfaiate, um elfo com quase vinte centímetros a menos que eu com a pele de um tom pálido de amarelo e cabelos pretos como as penas de um corvo, junto dele uma enorme mala de couro castanho com minhas vestes para a coroação e os dias de festa.

Ouço os guardas murmurando que os lordes, damas e senhores que governam cortes distantes estão chegando para fazer suas homenagens ao novo Grande Rei. Cortes Noturnas e Cortes Brilhantes, Cortes Livres e Cortes Selvagens. Os súditos donGrande Rei e as cortes com as quais há tréguas, ainda que frágeis. Até a Corte Submarina da mãe de Nicasia vai participar. Muitos vão declarar que aceitam fielmente a avaliação do novo Grande Rei em troca de sua sabedoria e proteção. Vão declarar defendê-lo e vingá-lo se necessário. Depois, todos demonstrarão seu respeito comemorando loucamente.

Um mês de danças, banquetes, bebidas, charadas e duelos.

E depois tudo seria diferente. Dain provavelmente seria rei e Elfhame nunca mais seria a mesma. Se eu pudesse escolher coroar um dos meus irmãos, escolheria Rhyia. Eu gostava dela, de todos ela é a mais legal comigo e foi ela que me presenteou com o livro mortal sobre a menina Alice. Me disse que um pouco de absurdo não me faria mal. Agora me sinto como a garota caindo na toca do coelho enquanto me encaro no espelho e a realidade da coroação finalmente me atinge.

É uma pena que as vestes tenham de ser desperdiçadas em algo como a coroação de Dain. Porque eu gosto das roupas e luvas pretas de couro. Penas de corvo cobrem a parte de cima do gibão, e as botas têm bicos de metal. Na cabeça, uma coroa de galhos de metal entrelaçado, eu inclino ela levemente para o lado, o que me dá um ar de desafio que me agrada.

O alfaiate parece satisfeito com seu trabalho, remexendo em tecidos de sua bolsa. Um deles, azul-anil, me chama a atenção.

— Essa é uma das vestes para os dias de festa? — Questiono o elfo que me olha com um olhar apavorado, talvez por eu ainda não ter lhe dirigido diretamente a palavra ou por aquela ser apenas sua expressão habitual.

— Não, meu príncipe. — Apesar de sua expressão assustada seu tom de voz é firme e confiante. Ele tirou o restante da peça da mala, estendendo para que eu pudesse apreciar um vestido de baile, ombré, começando branco perto da gola, passando pelo azul mais pálido, até chegar num azul-anil na barra. Acima dela, foi bordado o contorno de árvores exatamente como as enxergo da minha janela no crepúsculo. Ele até mesmo inseriu pontinhos brilhantes de cristal que lembravam as estrelas. O vestido é tão perfeito que, por um momento, olhando para ele, não consigo pensar em nenhum outro vestido usado na grande corte que superasse a beleza desse. — É um vestido que desenhei para vender no—

— Qual o seu preço? — Questiono.

— O quê? — Ele parece mais confuso de sua explicação ser interrompida, do que surpreso pelo meu interesse no vestido.

— O que quer em troca dele e de não menciona-lo ao meu irmão?

O elfo observa o vestido durante alguns momentos e volta a se virar para mim, noto pela primeira vez que seus olhos são da mesma cor da barra do vestido.

— Qual foi o último genuíno desejo do seu coração. — Sorrio com a resposta, porque é um preço baixo pela peça, talvez ele também saiba disso.

— Temos um acordo. — Faço um pausa dramática considerando. — O último genuíno desejo do meu coração foi ver a dama que eu mais desejo em toda a terra, vestida nesse maravilhoso vestido enquanto dançamos durante toda a noite da coroação. E talvez eu possa tirá-lo depois disso.

Não é muito revelador ou comprometedor, mesmo assim o elfo sorri parecendo satisfeito com a resposta e deita o vestido em minha cama.

***

Algumas horas mais tarde quando o alfaiate já havia partido e eu estava sozinho em meu quarto, envio o vestido para a Mansão do grande general Madoc, com um cartão com apenas uma palavra: Jude.

***

Algumas horas antes que eu me arrume para dormir um dos guardas entra no meu quarto anunciando uma visita. Encontro Valerian na porta de Hollow Hall. Ele não aceita entrar. Parece doente, sua pele está em um tom doentio e os olhos estão vidrados.

— Você parece horrível. — Comento.

— É tudo culpa da mortal Duarte. — Responde, sua voz falha e tem um tom estranho.

— O quê? Do que você está falando?

— Depois das aulas. Eu subi na torre e ela estava lá dormindo. Eu arranquei o cordão dela e depois que ela acordou estava segurando uma faca de metal e me esfaqueou.

— Jude te esfaqueou? — Pergunto entendendo de quem era o sangue nas mãos dela na noite antes da festa no labirinto de Locke.

— Como sabia que era ela e não a gêmea? — Eu quase rio com a ideia de Taryn esfaqueando uma fada.

— Não foi muito difícil deduzir.

— E você não vai dizer nada? — Ele elevou o tom em uma linha entre irritação e insanidade no olhar.

— Bem, não é mais do que você merecia. — Respondo com um sorriso cruel. — Adeus, Valerian.

Me virei e voltei para dentro.

Eu não voltei a reencontrar Valerian.

***

Eu espero um sermão de Balekin ou ao menos algum discurso de preparação para a coroação no dia seguinte, mas ele nunca vem, então eu acabo por dormir esperando.

Como o Grande Rei de Elfhame foi uma farsaOnde histórias criam vida. Descubra agora