O interior do Ford Focus grafite que Massimo dirigia cheirava a couro e carro novo. Ele fechou a porta depois de ela entrar, deu a volta, e se acomodou ao volante. Apertou o botão de ignição, e o motor ronronou imperceptível enquanto ele digitava o endereço de destino na tela do GPS. Manu reconheceu na hora e olhou pra ele espantada.
- O Sawada não abre de domingo!
Massimo virou de lado e lhe lançou um olhar mais italiano do que nunca.
- Quem sabe?... - disse, depois engatou a primeira e acelerou suavemente.
- Mas... - Manu pensou em dizer que as pessoas tinham de reservar lugar com meses de antecedência para jantar no Sawada, mas achou que não faria sentido. Às vezes simplesmente esquecia de que estava num encontro com Massimo Pastore, o senhor rei do universo. Quem sabe, pensou...
Uma chuva fina caía sobre São Paulo e eles viajaram em silêncio, relembrando os minutos de amor que haviam acabado de dividir. A cidade estava vazia e mais bonita do que de costume, as luzes realçadas pelas gotas de chuva nos vidros.
O Sawada ficava numa pequena viela da Liberdade e Massimo estacionou bem em frente à portinha de madeira com vidros quadrados foscos, encimada por bandeirolas azuis. As poças da rua refletiam as tradicionais luminárias vermelhas do bairro japonês. Massimo tocou a campainha, a porta logo se abriu e Manu quase caiu pra trás de susto.
Ninguém menos do que Jun Sawada em pessoa estava abrindo a porta pra eles! O maior sushiman do Brasil, um dos mais respeitados do mundo! Ele não apenas tinha concordado em recebê-los num dia em que o restaurante estava fechado mas também fizera questão de abrir pessoalmente a porta.
Massimo se curvou respondendo o cumprimento do velho oriental e Manu fez o mesmo, mas sua vontade era de abraçar e beijar aquele homem tão sábio, com seu jeito tranquilo e tímido, típico dos japoneses.
O restaurante tinha apenas quatro mesas e dez bancos no balcão, somando vinte e seis lugares. Era decorado de forma minimalista, com poucos quadros de pinturas orientais nas paredes e móveis de madeira clara e bambu. Os únicos pratos eram os sashimis e os sushis.
Somente duas pessoas trabalhavam no pequeno restaurante: o chef, Jun Sawada, e sua esposa, uma japonesa brava que quase não falava português. Mas tudo valia à pena para provar a arte culinária do mestre. Para muitos, não havia nenhum outro lugar fora de Tóquio em que se comesse um sushi como aquele.
Eles se sentaram num canto do balcão e Manu reparou que Massimo apoiou uma sacola preta, sem nada escrito, no banco ao lado dele. Ficou bem curiosa para saber o que era, mas, como ele não havia comentado nada, achou melhor ficar em silêncio também.
Jun trouxe toalhas quentes para limparem as mãos, depois dois copos de saquê gelado. Nada daqueles quadradinhos de plástico, uma invenção dos restaurantes brasileiros. Ali, tudo era feito como no Japão. E o saquê foi servido em copinhos delicados.
- Jun, meu caro amigo, vamos ver se você continua sendo o melhor cozinheiro do mundo - Massimo exclamou enquanto tirava uma caixa de madeira ricamente marchetada de dentro da sacola preta.
- Aqui está a compensação pela noite magnífica que você irá nos proporcionar - disse colocando o volume sobre o balcão.
Jun sorriu fazendo os olhinhos puxados desaparecerem num mar de rugas. Puxou a caixa para si, abriu, ergueu a garrafa e a observou com ar de admiração.
Puta que pariu!, pensou Manu. Era um Vecchio Pastore 1995. Uma garrafa daquela, além de ser impossível de se encontrar fora da Itália, custava dez vezes mais do que um jantar para dois no Sawada. Um jantar que, diga-se de passagem, não era nada barato. O velho japonês admirou a garrafa por mais algum tempo, fez uma mesura caprichada, guardou-a embaixo do balcão e se pôs a trabalhar.
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Fogo Alto
RomanceE se fosse possível reunir sexo, comida e literatura em um único lugar?