O recepcionista do hotel Fasano abriu a porta do Ford Focus e fez uma mesura exagerada quando Manu desceu:
- Boa noite, senhorita Carmona.
- Boa... Noite... – como ele sabe o meu nome?
Massimo desceu pelo outro lado, envolveu a cintura de Manu, e o moço do vallet cumprimentou-o com outra mesura.
- Boa noite, senhor Pastore.
- Boa noite, Paulo.
Bom, parece que todo mundo sabe o nome de todo mundo...
O lobby do hotel era amplo, decorado em tons sóbrios, com móveis de madeira e couro marrom. Os dois avançaram lado a lado, um envolvendo a cintura do outro com o braço. E quem olhasse Manu caminhando com seu vestido tubinho preto de uma alça só e seu sapato de couro vermelho, veria uma mulher atraente e confiante. Indiscutivelmente digna de acompanhar o magnata da gastronomia mundial, Massimo Pastore. Uma imagem que era o exato oposto de como ela se sentia por dentro: nervosa, ansiosa e insegura com um gigantesco vazio na boca do estômago.
Enquanto avançavam pelo lobby, era possível escutar ao longe a música aveludada de um piano. Manu lembrou que já havia estado no bar do Fasano, o aconchegante Baretto, e pensou que um drinque viria bem a calhar antes da... bem... antes da primeira tentativa.
- Que tal tomarmos um drinque no Baretto antes? – Massimo perguntou como se fosse capaz de ler pensamentos.
- Um drinque seria ótimo – respondeu Manu, surpresa com a súbita habilidade de telepatia de Massimo, mas feliz por ganhar algum tempo antes de ser posta à prova.
O bar era pequeno, aconchegante e estava quase vazio. O pianista interpretava magistralmente bem um afro-samba de Vinicius de Moraes e Baden Powell. Eles escolheram uma mesa no canto, mais distante do balcão e do piano, e assim que se sentaram nas confortáveis cadeiras de couro, um garçom se aproximou com dois cardápios.
- Você já sabe o que vai querer? – Massimo perguntou.
- Dois martínis – Manu exclamou sorrindo.
- Vodca martini, pode ser? – disse Massimo apoiando a mão sobre a dela e devolvendo os cardápios ao garçom, que se afastou.
Manu olhou pra ele intrigada.
- Eu achei que...
- Então, dry martini é meu drinque preferido, mas algumas pessoas dizem que o gim causa... Causa um certo adormecimento... pode... anestesiar certas partes – exclamou sorrindo e continuou – certas partes íntimas. E nós não queremos nada anestesiado hoje, não é mesmo?
- Não, não queremos – Manu sorriu. Depois pensou um pouco consigo mesma.
- Você fica com partes anestesiadas quando bebe gin? – perguntou se debruçando sobre a mesa, e os dois não riram alto.
- Não, não fico. Até onde eu me lembre – retrucou Massimo em tom de brincadeira.
As bebidas chegaram supreendentemente rápido. Duas lindas taças de cristal, suadas do líquido gelado.
- À primeira tentativa – Massimo brindou.
Manu sorriu e encostou a taça na dele, derrubando um pouco de vodca e vermute na mesa de madeira escura.
Depois deu um gole, colocou o martini de volta sobre a mesa e brincou um pouco com as três azeitonas trespassadas por um longo palito de bambu. Adorava bares que colocavam uma azeitona a mais.
- Escuta – disse com os olhos baixos – eu queria... queria te pedir desculpas. Pelo meu chilique lá no restaurante. Essa é uma questão... hum... É uma questão bastante delicada pra mim.
Massimo se aproximou da mesa e segurou as duas mãos dela.
- Eu... – Manu recolheu novamente as mãos. – Eu não sou uma mulher frígida – completou.
- Isso ficou bem claro pra mim – Massimo retrucou recostando-se na poltrona com o drinque na mão. – Mulheres frígidas não ficam excitadas daquele jeito.
- Não, não ficam. Eu sou... eu sou complicada, Massimo. Eu sou... eu sou como... sou como uma máquina quebrada – disse Manu em voz baixa, com os olhos um pouco úmidos de tristeza. - Um computador que, ao ser iniciado, vai aquecendo até um ponto em que trava e reinicia, entende?
Massimo virou a cabeça de lado, numa expressão de dúvida.
- Hoje você... você acendeu um fogo dentro de mim, Massimo pastore – Manu sussurrou aproximando-se da mesa e encarando-o com os olhos azuis injetados. – E eu não sei como apagar. Eu continuo queimando por dentro. Continuou queimando um fogo que simplesmente não sei como apagar.
Manu respirou fundo e deu mais um gole no martini.
- Então... Algum tempo atrás, quando percebi isso, quando percebi que meu desejo, uma vez aceso, não se apagava, eu não vi outra alternativa a não ser me afastar dele. Me afastar do sexo e, consequentemente, dos homens. Eu sufoquei a minha vontade. Abafei o fogo... Mas você... você me fez voltar atrás. Você me deixou queimando, Massimo Pastore.
Nessa hora o semblante de Manu ficou sério como nunca. Ela ergueu os olhos pra ele, encarou-o de frente e debruçou um pouco sobre a mesa.
- Eu não sei como parar de queimar, Massimo – ela exclamou com os dentes cerrados e uma leve fúria no olhar.
- Eu vou... – Massimo começou a falar mas Manu interrompeu. Agora com o semblante um pouco menos carregado.
- Eu sou uma pessoa feliz, Massimo. De verdade. Sou uma mulher realizada. Eu tiro todo o prazer que preciso do meu trabalho, da minha comida, dos meus amigos e vivo bem assim.
Massimo se aproximou da mesa, e voltou a segurar as mãos de Manu. Ela não fugiu dessa vez.
- Eu gostaria muito de poder te dar mais, de somar um prazer a mais na sua vida, Manuela Carmona.
Ela sorriu, ainda um pouco triste.
- Três tentativas? – ele perguntou com aquele meio sorriso avassalador. Italiano número cinco.
- Três tentativas – ela concordou com os olhos cheios de lágrima.
Massimo voltou a recostar.
- Esse pianista é excelente.
- É mesmo muito bom – concordou Manu.
Eles beberam o restante do drinque em silêncio, admirando a música e pensando sobre tudo o que haviam falado. Quando terminaram, Massimo ergueu a mão e num instante o garçom estava à postos.
- Seria possível termos uma garrafa de champanhe no nosso quarto?... Que tal, Dom Perignon? E... Morangos? – voltou-se para Manu com ar de interrogação.
Ela abriu os braços sorrindo e concordando.
- Morangos e champanhe... Estou me sentindo praticamente a Julia Roberts em Uma Linda Mulher – disse sorrindo com algum nervosismo.
- Só que infinitamente mais bonita – Massimo exclamou exalando poderosas ondas de charme italiano.
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Fogo Alto
RomansaE se fosse possível reunir sexo, comida e literatura em um único lugar?