O Devorador de Almas

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O guerreiro, ensanguentado, adentra a taverna com a cabeça decapitada da criatura em mãos. Todos os olhares se voltam para ele, que manca até o balcão, pondo o seu troféu sobre a bancada.
A enorme cabeça reptiliana surpreende o taverneiro, que derruba a caneca que limpava no chão. Seus olhos arregalados encarando o guerreiro, que fazia força para respirar, não acreditavam.
— Então sobreviveu, isso é realmente incrível!
— Eu disse que não seria um problema, agora, se não se importa, eu gostaria da recompensa. — responde o guerreiro com pausas para recuperar o fôlego entre cada frase.
— Claro! Você terá sua recompensa, mas antes se não se importar, poderia me contar como conseguiu tal feito? Ninguém que tivesse ido enfrentar o devorador de almas, voltou para contar a história.
O Guerreiro revira os olhos cansados, pede um chopp, que lhe é servido imediatamente, e começa a contar sobre sua caçada.
— Primeiro que encontrá-lo não foi tão difícil, a criatura deixa rastros bem evidentes para trás. Fui viajando pelos vilarejos onde corriam histórias de desaparecimentos na floresta, logo percebi um padrão, era sempre em regiões pantanosas. Isso facilitou muito minha busca, porém mesmo assim, ninguém ao menos havia o visto, eu não tinha uma pista de aparência, nada! Era sempre um caminho sem saída. Até que notei algo que duvidava ser coincidência, em cada vilarejo eram 7 pessoas desaparecidas ao longo de uma semana, então eu finalmente podia ficar um passo à frente.
— Perspicaz, mas não seria mais fácil seguir os rastros dos vagantes? Ou não chegou a encontrá-los? — questiona o taverneiro. O guerreiro da uma golada em seu chopp antes de continuar.
— Ah eu os vi sim, humanos que vagam pela floresta sem alma, cascas vazias, mas dizem que só pode vê-los até 24 horas após o ataque, então não era tão simples assim. Voltando, cheguei a um vilarejo, na beira de um pântano, onde apenas 5 pessoas haviam sumido, parecia ser o lugar certo. Fiquei de guarda, esperando o cair da noite. Todos no vilarejo haviam dormido, era eu e os grilos sob a luz do luar, até que ouço um grito vindo do manguezal. Corri com minha espada em mãos por entre as árvores, o grito para, eu caminho com cautela, até perceber um vulto me observando nos arbustos. “Te peguei!” Gritei desferindo um golpe de espada, errei o alvo, e que bom que errei. Era uma menininha, ela disse que seus pais foram atacados por um lagarto gigante, e depois ficaram estranhos, com os olhos brancos e sussurrando coisas sem sentido. Eu o havia encontrado, pedi que a garota me indicasse o caminho, e assim ela o fez. Caminhando por entre as árvores me deparo com um casal, cambaleando enquanto andam para o fundo de um lago, que refletia a luz da lua. Dois vagantes, o monstro certamente estava por perto, dito e feito, enquanto me aproximava do casal, uma mão escamosa agarrou meu pé e me puxou para debaixo da água. Rapidamente decepei o que me arrastava, minha adrenalina estava a mil, o momento que tanto desejei havia chegado. Diante de mim emerge uma criatura reptiliana de aproximadamente 2 metros de altura, seus olhos vermelhos, cheios de sede sangue, e em suas costas, amarrado como uma mochila, um pequeno caixão infantil. Sem dar chance ao azar, tratei de ataca-lo com minha espada, fazendo um corte no peito da criatura, que grita de dor. Ela tenta reagir me mordendo, mas ganho distância evitando o ataque, cheguei a me questionar se realmente esse era o devorador de almas, estava fácil demais.
— O que deu errado? — o taverneiro se inclina para frente, genuinamente interessado na história. Quando o guerreiro se deu conta, estava rodeado e todos ali prestavam atenção. Ele da um suspiro acompanhado de mais uma golada.
— Vamos lá então. A criatura falou comigo. — todos arregalaram os olhos. — Ele disse, "você é bom, sua alma certamente será um deleite”, neste momento eu tinha certeza de que estava no lugar certo. A coisa ergueu os braços, e almas saíram de dentro do lago, indo até sua boca, seus cortes se curaram e sua mão se regenerou. Ele me encarou, eu ergui a espada, mas dessa vez, minhas pernas tremeram por um segundo, o que deu abertura para ele, que investiu em minha direção, suas garras destruíram o peitoral da minha armadura. Mas eu não podia deixar barato, agarrei o braço dele e o decepei, dessa vez ele não gritou. Seus olhos encontraram os meus, e de repente, eu estava de joelhos, meu corpo paralisado, era magia, do pior tipo, a criatura não só era inteligente, como também era uma espécie de bruxo. Ele se aproxima de mim e toca em minha testa com seu indicador, eu senti minha vida se esvaindo, ele estava consumindo minha alma. Tudo começou a ficar turvo, minhas forças estavam indo embora, eu me perguntava se aquele era mesmo o meu fim, até enxergar meu próprio reflexo na água, e junto dele, a calda do monstro. Reunindo um pouco de força, cravo a espada na calda dele, que cancela o feitiço de paralisia, sem pensar duas vezes, me levanto com a ponta da lâmina no estômago do devorador, ele segurou a espada tentando evitar, mas no quesito de força física eu vencia. A criatura cospe sangue, “você não ia devorar minha alma? Cadê? Quero ver fazer!”, eu dizia enquanto ele engasgava, eu rodei a lâmina em seus estômago antes de tira-la e em um movimento rápido o decapito.
Todos na taverna batem palmas.
— Um brinde ao grande herói que matou o devorador de almas, urra! Urra! Urra! — todos gritavam com as canecas erguidas.
— É, realmente de tirar o fôlego, aqui está sua recompensa. — o taverneiro o entrega um saco cheio de moedas de ouro. O guerreiro as guarda e se levanta movendo os braços pedindo que se atentem.
— E quem disse que a história acaba aqui? — diz ele com um sorriso de canto de boca. — Quando o corpo do lagarto caiu no lago eu suspirei de alívio, mas o receio logo tomou conta, um som de pancadas vinha do pequeno caixão infantil, me aproximei cuidadosamente, me questionava se o miserável carregava humanos vivos ali dentro, e rapazes, eu queria ter razão, mas esse não foi o caso. A porta do caixão quebra bruscamente e seis braços esqueléticos saem de dentro dele, eles se apoiaram no chão empurrando o corpo para fora. De dentro do caixão, saem três esqueletos tão grandes quanto o lagarto, encobertos por um manto negro, seus dentes fixos, fazia parecer que ele estava dando um sorriso macabro, e acredito que de fato estava. “Você me obrigou a revelar minha verdadeira forma, devo admitir, tem determinação, será delicioso.”, eles diziam enquanto caminhavam a passos lentos em minha direção. Seus olhos vazios enxergaram o fundo de minha alma e a amedrontaram, meu corpo tremia, suor gélido escorria de minha testa. “Vou te mostrar a minha determinação monstro!”, gritei para ele erguendo a espada, “Não me chame assim, meu nome é Klaus, e se desistir agora, serei rápido e piedoso”. A ousadia da criatura era tamanha que o ódio tomou o lugar do medo, avancei sem piedade em sua direção, mas quando minha espada atravessou um deles, ele se desfez em fumaça, repeti o movimento no segundo, o mesmo aconteceu. A risada medonha ecoou em minha mente, “suas chances acabaram nobre guerreiro”. Sua mão óssea segurava minha cabeça, tentei golpeá-lo, mas a espada parou em seu braço. A pressão de seu aperto esmagava meu crânio, o sangue começou a escorrer de meus olhos, minha alma, mais uma vez sendo drenada. Eu me debatia tentando sair, ele me regeu e quanto mais pressionava minha cabeça menos consciência eu tinha, até finalmente ele estourar meu crânio em sua mão.
Um silêncio tomou conta da taverna por um tempo, até que o taverneiro resolve quebrar o gelo.
— Que tipo de piada é essa? Você está aqui diante de nós, do que está falando? Crânio estourado? — sua voz gaguejava, ao ver a cabeça reptiliana se desfazendo em fumaça, e o rosto do cavaleiro derretendo, dando lugar ao crânio demoníaco de Klaus.

As Crônicas de Alice e Klaus: Coração e OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora