A grande batalha que durou 4 anos fora vencida. As tropas retornavam, e apesar de exaustas, comemoravam. Porém em meio a demasiados sorrisos, havia alguém que custava a se animar, o general. Os homens tentavam encorajá-lo a beber, afinal, não se é todo dia que se vence uma guerra, mas algo em seus pensamentos parecia incomodá-lo. Reunidos no acampamento, ele se afasta dos demais, seguindo uma trilha na floresta. Felizmente, ou infelizmente, os outros estavam bêbados demais para notar sua ausência.
Caminhando por entre os majestosos troncos de carvalho escuro, afastando-se da baderna, e alcançando um local de silêncio angustiante. O general parecia ansioso, com seus nervos a flor da pele, assustando-se com pássaros que voaram de repente ali perto. Logo algo fora do comum é avistado, escondido detrás das árvores, uma catedral. Aparentemente abandonada, com as vidraças quebradas, e a enorme porta dupla de madeira, com uma delas torta, e, consequentemente, emperrada.
Com um certo esforço, o homem abre o lugar, o ranger da porta ecoa pelo ambiente. E no interior, se revela uma igreja clássica, com os bancos de madeira e um tapete vermelho os separando. O grande diferencial era a estátua de um anjo da morte em tamanho real no altar, uma figura esquelética, com asas e carregando uma foice. O general ajoelha-se em um dos acentos e agradece.
— Oh poderosa divindade, aquele que caiu dos céus em prol da humanidade, tua ajuda nos trouxe a vitória. Venho perante a tua presença pagar minha dívida eterna.
— Vejo que és um homem de palavra, isso é realmente maravilhoso. — responde um sussurro rouco atrás do general. — Então, onde estão as almas que me prometeu?
— Eles estão em um acampamento aqui perto, peço que tenha piedade e espere que durmam, eu batizei a bebida, então não demorará.
O som de uma lâmina arrastando-se no chão puxa a atenção do general. Vinha de uma garota encapuzada, que saía de trás da estátua, e aproximava-se lentamente com seus olhos penetrantes fixados no homem.
— Piedade? O que alguém que vendeu as almas de seus companheiros sabe sobre piedade?
— Quem é você?! — ele questionava assustado, quase caindo para trás, e apoiando a mão sobre a espada em sua cintura.
— Não há necessidade disso. — diz a voz sussurrante. — a garota é uma enviada minha, será a responsável pela execução de sua dívida.
O homem deixa um suspiro escapar, mas sua ansiedade não lhe permite relaxar por completo, e nem mesmo a moça, que agora estava frente a frente com ele, o encarando com aqueles olhos frios.— Você acredita ter feito isso por seu povo, certo?
— É claro que sim! Se eu não fizesse isso seríamos massacrados e feitos de escravos.
— Mas você não os deu o direito de escolha. — respondia a garota de forma calma.
— Todos estariam dispostos a fazer o mesmo sacrifício! São homens leais! — o general parecia irritado. — Vocês estão aqui para me ajudar, não? Já vão receber seu pagamento, parem de me atormentar.
— Se não eu, certamente sua consciência o fará, a menos que seja uma espécie de monstro, mas não acho que seja o caso. — ela suspira. — Mas tem razão, não vim aqui pra isso. Tenho apenas mais um questionamento. Você diz que todos tomariam a mesma decisão, diria que a sua voz é a voz do povo?
— Ora pois, já disse que sim mulher!
— Neste caso, você poderia ser considerado o representante deles, não é? — ela o encara de forma maliciosa.
— Sim? — a certeza do homem tornara-se dúvida por um instante, afinal, a onde aquela garota quer chegar com tudo isso? Infelizmente, para ele, ela o faria pagar com a língua.
— Perfeito então. — a menina crava sua espada no estômago do general.
— O que? Espera, esse não era o acordo. — ele cospe sangue, tentando se afastar.
— Ofereceste as almas daqueles que lutaram por ti, mas se diz o representante deles, logo, nada mais justo, do que colher a sua no lugar, não acha?
Antes que ele pudesse dizer mais algo, sua alma fora consumida pela lâmina óssea. Klaus, a criatura esquelética que sussurrava nas sombras, revela-se com o olhar desapontado para Alice. A garota joga o cadáver do homem, sem alma, no chão. Satisfeita, guarda sua arma e arruma suas coisas para a viajem.
— Acredita mesmo que essa sua atitude é o suficiente pra burlar os termos do contrato que foi feito? — Questiona Klaus.
— Ele mesmo disse que era a voz do povo, você não viu?
— O acordo foi o povo, e não seu representante. A alma deste homem nem sequer tem algum valor maior daqueles que estão acampados. O sacrifício dele serviu apenas para aliviar teu senso de justiça. Mas não importa, eu mesmo irei.
Ele da as costas saindo da igreja. Em um primeiro momento, Alice cogitou tentar convencê-lo, mas logo mudou de ideia, não havia como impedi-lo. A única coisa que lhe restara, era orar pelas almas que estavam prestes a serem devoradas. A guerreira então, pegou suas coisas, e partiu em direção do acampamento pouco depois de seu mentor, visando esperar que ele termine.
No caminho, era possível ouvir os gritos daqueles que tentavam se salvar em vão. A garota, apesar de presenciar isso a anos, agora era uma participante ativa, devorando almas junto de seu guardião. Isso a fazia se culpar pelas vidas inocentes perdidas, a única coisa que lhe restara, era tentar amenizar o sofrimento de alguma forma. Seja pondo seus corpos para dormir e torcer que não sintam nada, seja tentando convencer Klaus a escolher alvos que ao menos mereçam seu destino. Apesar de tudo, nesse caso em específico, ela lamenta que estes soldados tivessem um general tão porco a ponto de trocá-los por glória.
Durante seus pensamentos que não paravam, Alice ouve o som de passos correndo na floresta, vindos do acampamento, era um sobrevivente. Deixa-lo fugir é uma opção, o coitado não merece tal destino, porém toda ação traz consequências, e ela sabia disso. A dupla já era procurada por todo o império, e agora que estão tão distantes, deixar se espalhar os boatos de que estavam lá traria problemas.
— Socorro! Um monstro! Alguém me ajuda! — emergiu o soldado por entre as árvores, seus olhos encharcados de lágrimas e metade de seu corpo incinerado.
— Pobre alma, está em pânico, mas eu lhe trarei a paz. — diz Alice, com sua voz suave e melancólica, enquanto nocauteia o homem, que corria desenfreadamente em sua direção, com um golpe em seu pescoço. Ele cai, e ela pressiona suas bochechas com o polegar e o indicador, e de dentro da boca sai uma esfera esverdeada, sua alma, que a garota engole com pesar.
Logo Alice chega ao acampamento, onde o silêncio reina, e Klaus a aguardava, o trabalho havia terminado. Ela trás o cadáver do homem que matou, para que enterrassem, não só ele, mas como todos ali. Atitude que, apesar das divergências de visões, o feiticeiro concordou em ajuda-la, antes de partir mais uma vez.
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As Crônicas de Alice e Klaus: Coração e Ossos
FantasíaAlice, uma jovem que busca vingança pela morte de seus pais, mas seu alvo é um feiticeiro antigo e cruel, o qual lhe oferece um acordo difícil de recusar. Ele concederá a ela o direito de um duelo sobre as circunstâncias dela, em troca, ela deverá a...