Cidade das Almas

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Um silêncio incômodo perdurava enquanto adentravam as vielas da cidade. Alice observa a estrutura das casas que jaziam abandonadas, com sua madeira tomada pelo mofo, algumas paredes já desmoronadas. A dúvida sobre como esse lugar chegou a tal ponto de destruição perdurava em sua mente, mas o semblante de Klaus parecia tão sério, que a menina optou por se manter calada.

Caminhando por alguns minutos, uma nova sensação atormenta a mente de Alice, a de estar sendo observado. Diversas vezes ela se pega olhando para o interior sombrio dos becos. Além disso uma névoa baixa começa a se instaurar, e ar frio sai de sua boca. Enrolando-se em seu manto com um pouco mais de vontade, a garota tenta fugir do frio que tomara conta da estrada.

— Menina... — um sussurro do além parece chamar Alice, que vira-se assustada procurando a origem da voz.

— Não dê atenção. — diz Klaus com sua voz pesada e rouca.

— Alguém me chamou, será que é um sobrevivente? — Alice responde preocupada.

— Não há sobreviventes aqui, apenas ecos de um passado que já não existe mais.

Alice aperta o passo notando que ficaria para trás, enquanto Klaus, o esqueleto encapuzado, seguia firmemente, quase como se a névoa e o frio já fizessem parte de seu ser desde sempre. Quanto mais caminhavam, mais densa era a neblina, chegando ao ponto de não ser possível enxergar um palmo a frente. A garota agarra-se ao manto de seu mentor, temendo se perder.

Ele para de repente tocando o chão com seu cajado, dissipando a névoa. O cenário que se revela é uma espécie de vale, com centenas de túmulos alinhados. Em um primeiro momento, a menina assusta-se, mas logo seu olhar torna-se pesado, junto ao de seu guardião.

— O que causou tanta destruição?

O silêncio de Klaus tornara-se mais do que suficiente para respondê-la.

— Por que? Por que matou eles? Por que destruiu uma cidade inteira?

— Eu estava com raiva. — respondeu ele com melancolia.

— Tantos inocentes, por raiva? O que diabos? Você pensa que é Deus? Que decide quem vive e quem morre baseado no que tá sentindo.

— Veja vagalume, eu destruí tudo isso em um piscar de olhos, foi fácil, centenas de almas deliciosas para consumir, mas... Eu não fui capaz de provar nem mesmo uma, tudo parecia ter sido inútil, até agora.

Alice o ouvia incrédula, ela sabia que Klaus não era bom, mas vez ou outra, queria acreditar que não fosse o monstro que se faz parecer. Parecia que ela havia se enganado, não há salvação para ele.

— Se eu entendi bem, você dizimou uma população inteira pra nada?

— Acontece que para devorar uma alma, preciso que minhas vítimas tenham medo de mim, e nenhuma das almas nesta cidade se encaixavam nesse padrão. Porém contigo pode ser diferente.

— Espera... Você me trouxe aqui pra coletar as almas desses cidadãos por você?

— Exatamente, querendo ou não, sua linhagem é poderosa, e talvez, com os meus ensinamentos, você não dependa do medo. — apesar das palavras “esperançosas”, seu tom era o de quem já havia desistido, e com Alice percebendo isso, seu único pensamento era, “desistido do quê?”.

— Por que? Por que coleta almas incansavelmente? Eu te acompanho a seis anos Klaus, e apesar de fingir prazer, sei que não é isso que realmente sente.

— O motivo não te interessa, agora deixe de questionamentos. Eu lhe trouxe aqui justamente por eles já estarem mortos, não quero ouvir suas lamentações por estar tirando “vidas inocentes”, como chamou. As almas dessas pessoas estão presas aqui a cerca de 600 anos, se sente tanta pena, colete-as, para que possa libertá-las.
Apesar de receosa, ela enxergava sentido em suas palavras. Ir contra Klaus nesse tipo de situação, geralmente acarreta em problemas maiores, e apesar de esconder muita coisa, ele não era um mentiroso. O feiticeiro a posiciona sentada, em frente a uma lápide, alertando-a que eles tentarão persuadi-la, e que não se deixasse levar por sentimentos levianos.

As Crônicas de Alice e Klaus: Coração e OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora