TER 07/02 - 15H28MIN

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Meu pai insistiu que fossemos tomar um banho antes do enterro, então, aqui estou — em casa.

Minha mãe dispôs a mesa com queijo branco, pão caseiro, frutas frescas, café e bolo de limão, como se fosse apenas uma tarde normal, como se a tia Glória não estivesse sentada ao meu lado, muda e empalidecida, sem tocar na comida.

Ela não está melhor do que quando saiu da igreja. Está banhada; sei disso porque veste as roupas de minha mãe. Entretanto, ela não aparenta ter dormido um segundo sequer.

Compadeço-me até o âmago, mas não sei o que dizer. Talvez meu silêncio seja de maior consolo.

Posiciono minha mão direita sobre a mesa a achego à dela. Quando nota a proximidade, Glória envolve minha mãe com a sua própria, apertando-a com força. Suporto, quieto.

Passamos alguns segundos assim, antes que o caos tomasse conta da cozinha com o movimento seguinte da mãe enlutada.

Glória, em um ímpeto, voa sobre a mesa, em direção à grande faca de pão e a toma em mãos, direcionando-a ao pescoço.

Os momentos seguintes passam como um vulto. Vejo meu pai voar por sobre a mesa de vidro, do outro lado, até nossa direção. Minha mãe se levanta em um grito enquanto assiste a mesa cair e se estilhaçar. Sou lançado ao chão junto com a tia Glória, que está debaixo de meu pai, lutando pela posse da faca. Ela não resiste por muito tempo, meu pai vence.

Olho envolta, atordoado, tentando me pôr sentado. Sinto algo queimar na minha perna. Olho para baixo e vejo sangue sob o rasgado que agora existe em minha calça. Meu pai limpa cacos de vidro de sua roupa, mas parece ileso. Glória ainda está deitada, jorrando lágrimas como uma represa. Tem a mão no pescoço, nos impedindo de ver a profundidade do corte.

Meu pai estende sua mão para mim e me ajuda a levantar. Quando minha mãe vê que estou bem, corre até sua amiga, arranca sua mão do ferimento e nós podemos ver que o corte não foi tão grave assim, graças ao meu pai.

— Você está bem? — ele pergunta.

— Glória, misericórdia! o que deu em você? — minha mãe inquere. Se ela não estivesse tão abalada, diria que esta pergunta é inapropriada por seu caráter retórico.

— Estou — respondo ao meu pai.

Ele assente e olha em volta, para nós três, calculando qual o melhor caminho a ser seguido.

— Vamos todos ao hospital — ele nos avisa. 






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