4 - Curando a Alma

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Wei Wuxian olhou para o lado. Por mais que seu avô FengXing e seu pai ChangZe o amassem, ele nunca superou o fato de ter crescido em meio a crianças homofóbicas, o que fez os dois se mudar com o menino para casa onde ele vivia hoje. Onde ninguém sabia sobre ele, mas mesmo assim o humilhavam por seu porte físico e aparência. Ele quase sempre era assombrado por palavras que lhe disseram na infância, adolescência e idade adulta.

Tanto os raros relacionamentos amorosos, quanto as amizades que ele teve em sua maioria pareciam muito boas no início e muito nocivas no final. As pessoas eram sempre boas com ele enquanto ele era permissivo, mas bastava falar apenas um não, “Não quero sair hoje”, “Não posso fazer esse desenho de graça”, “Não vou ser seu ghost writer. Não vou escrever por você!”, “Não vou pescar em mau tempo”... Todas frases que faziam quem ouvia mostrar quem realmente eram pra ele e lhe falar mil coisas. Era pior quando pediam a opinião dele e ele falava a verdade. Era preferível deixar as pessoas no escuro. Elas preferem se afogar em mentiras e bajulações, ele aprendeu da pior forma.

Ainda haviam outras questões que ele passou que ainda o magoavam muito e ele precisaria confrontar tudo aquilo de um modo pior que se fosse num consultório de um psicólogo, já que pelo que percebeu, ele iria reviver cada uma dessas coisas.

_Como vai ser?

_As minhas amigas aqui pertencem à um dos rios do meu reino chamado Mentalist. Elas conseguem juntas, acessar memórias. Se você estiver dentro da água, será mais fácil para elas.

Wei Ying desceu pelas pedras e ficou flutuando na água junto às carpas.

_Lan Zhan, tirar as cascas das minhas feridas vai doer muito... Eu nunca fiz isso por mim mesmo, se eu chorar...

_Ninguém saberá. Tem a minha palavra. Em honra a ter me salvo e em honra a confiança que está depositando em mim. Os da sua raça podem não ser confiáveis como você me narrou, assim como tenho os que não são confiáveis em meio aos Jiaorens, mas eu lhe prometo que eu jamais seria como eles. Também tenho minhas feridas não cicatrizadas e sei bem como é.

Wuxian concordou com a cabeça e as carpas o rodearam e a luz azul do lago ficou intensa, ao ponto de quase o cegar e ele se viu adolescente em seu primeiro namoro. Ele tinha quinze anos e o namorado dele tinha dezessete. Os dois estavam no meio de um amasso daqueles na escola, quando o outro começou a pôr a mão em áreas do corpo de Wei Wuxian que o fez o empurrar.

_Lao, não.

_Ah qual é. A gente já está há dois meses juntos.

_Estamos só há dois meses juntos e eu não dou permissão pra você tocar nenhum lugar do meu corpo que não seja a minha cintura!

Wei Wuxian foi puxado por Lao pelos cabelos, erro dele, já que Wei Ying passou o braço dele pelo do outro e o trouxe para si, lhe dando uma cabeçada no nariz e um chute abaixo da linha da cintura. Wei o pegou numa chave de braço, o deixando vermelho pelo golpe e o arrastou para a coordenação da escola onde estudava, Lao se sufocando, sem saber sair do golpe que alguém tão baixinho estava lhe dando e quando Wuxian o soltou, chorando e tremendo, apontou para ele e disse:

_Ele foi desrespeitoso comigo e queria me obrigar a sabe-se lá o quê! A minha sorte é que meu pai sempre fez questão que eu aprendesse a lutar!

_Senhor Xu Lao, isso é...

_Mentira diretor! Ele quem me bateu de graça. Olhe as marcas nos meus pulsos e pescoço. Esse maluco iria me matar!

_Vejo que sua versão faz mais sentido. Wei Ying, suspensão.

_O QUÊ!?

Ele viu Lao rir e a imagem de desfez. Estava agora diante de uma amiga com a mão estendida para ela.

_Devolva meus rascunhos!

_Não! Eu também trabalhei nisso!

_Você só fez dez por cento do esforço! Eu quem escrevi a maior parte do manuscrito e quem desenhei o esboço de todas as artes do livro. Eu não quero mais trabalhar com você! Você é problemática demais!

_E eu não quero que nada seja publicado se meu nome não puder estar Wei Ying...

A cena mudou de novo, ele estava chorando e limpando a moto dele. Seu pai havia falecido no dia anterior e Wen Chao e o grupinho dele o enrolou numa rede de pesca e ficaram rindo.

_Camarão Pitico, quero ver quem vai te dar trabalho por aqui agora que papai se foi. Vai ter que trabalhar consertando tralha.

Ele era muito bom em consertar motores, tão bom que a moto que ele tinha havia comprado a carcaça num ferro velho e montado ela toda.

Ele fechou os olhos e as palavras ficaram girando na cabeça dele:

“Idiota, estranho, psicótico, sociopata, imediatista, falso, louco, bipolar, agressivo, descontrolado, mentiroso, causador de intrigas...”

_CALEM A BOCA!!!! – ele berrou segurando os cabelos – ME DEIXEM EM PAZ! EU NÃO SOU O QUE VOCÊS ME PINTAM! EU NÃO SOU ESSE MONSTRO! E SE ALGUM DIA EU FUI, FORAM VOCÊS MESMOS QUEM ME CRIARAM!

Wei Wuxian percebeu que estava chorando, as mãos nos próprios cabelos, as carpas ainda a sua volta e Lan Zhan de olhos fechados diante dele com a mão sobre o seu peito que subia e descia em um puro ataque de ansiedade.

Ele olhou o Jiaoren diante de si e sentiu a outra mão dele, dedos delicados sobre sua testa e fechou os olhos, sentindo o coração normalizar, os batimentos estabilizar e os pensamentos dele, ainda confusos, irem ficando mais e mais baixos, ainda que as palavras ainda ecoassem em sua mente.

_Deixe ir. Perdoe. Eles não conhecem você. Nunca quiseram conhecer você a fundo enquanto conviveram com você... É preciso ter bons olhos para ver a pessoa que você é na realidade.

Ele começou a chorar aos soluços agora e Lan Zhan o abraçou e Wei Wuxian simplesmente deixou ir, percebendo a água a volta dele ficar verde escura conforme ele ia liberando perdão por cada situação que passou, por cada palavra que ouviu e quando WangJi o soltou, ele simplesmente afundou a cabeça na água, se lavando por completo, deixando naquele lago tudo o que pesava dentro dele, tudo o que não queria mais para si, principalmente, aquelas palavras que entraram como facas na alma dele.

_Está tudo bem agora. Já foi. As carpas levaram o que era ruim...

_E você me curou. Obrigado. Obrigado mesmo.

Lan Zhan esboçou um sorriso e olhou para uma carpa, a maior de todas que veio em direção à ele e voltou seu olhar para Wei Wuxian.

_Essa carpa anciã pediu que eu lhe perguntasse se você aguenta ficar embaixo d’água pois ela precisa te mostrar algo muito importante.

Wei Ying olhou de Lan Zhan para a carpa e fez que sim e simplesmente afundou e sentiu a carpa encostar em sua têmpora e tudo escureceu.

Chorei escrevendo esses dois capítulos? Sim!
Me ajudou a me libertar de muita coisa? Tantas que vocês nem fazem idéia...

Além Mar (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora