ARES
Me inclinei no banco a observando enquanto dormia. Sua cabeça tombava para o meu lado, seus cabelos ainda um pouco húmidos emolduravam seu rosto alvo como a neve, a marca vermelha em sua bochecha estava fraca mas ainda estava ali então tentei não pensar muito nisso para não me irritar mais. Observei a sombra que seus longos cílios projetavam em suas bochechas, o belo artesanato que eram suas sardas marrons salpicando seu belo rosto, os lábios macios, rosados e cheios perfeitamente arquiados estavam congelados em um pequeno bico que eu queria desesperadamente remover com uma sugada da minha boca. Seu nariz pequeno meio arredondado no finalzinho parecia me desafiar a fazer com ela as coisas mais safadas já inventadas. Ela tinha um rosto pequeno e arredondado como só uma adolescente poderia ter, não tinha uma beleza arrebatadora, do tipo que tirava seu fôlego como Afrodite mas, a elegância sutil de seus traços formava uma harmonia no conjunto que a tornava encantadora...
Porra!
Encantadora?
Não lembro de alguma vez ter achado uma mulher encantadora, ou ter pensado que isso era um tesão. Baixei meus olhos para seu corpo que graças a Deus estava coberto, e seria tudo uma maravilha se a visão dela vestida com minha jaqueta não despertasse a porra de uma fera em mim, ou uma sensação de queimadura em meu peito.
- Eu preciso ficar longe de você... Murmuro me endireitando de uma vez em meu lugar e colocando o carro em movimento.Hora de levar a "mascote" da família em casa.
- Chegamos, - digo assim que estaciono meu carro na garagem de casa. Não obtenho resposta dela que continua fingindo estar dormindo.
- Desça do meu carro. Ela finalmente abre os olhos e me encara piscando, um pouco surpresa, percebi que ela havia acordado poucos minutos depois de eu colocar o carro em movimento mas fingiu que dormia, gostei que ela tenha feito isso. Ela se arruma no banco e retira o sinto de segurança - muito obrigada pela carona, senhor. Se não fosse pelo senhor eu acho que ainda estaria lá fora, tentando chegar em casa...
- e doente. A interrompi, ela me olhou confusa.
- Agora, entre e tome um banho quente, talvez ainda de tempo de evitar o resfriado. Ela me olha chocada, seus olhos cor de mel me fitando atónicos em um segundo e brilhantes no seguinte. Ela abriu o sorriso mais lindo que já vi, e nesse momento foi como se eu visse o único ser capaz de ofuscar o esplendor solar.
- É claro senhor... eu vou me cuidar, vou tomar um banho e comer uma canja, só para garantir... Obrigada por se preocupar.
Minha expressão se fechou e só assenti antes de sair do carro, ela fez o mesmo agarrada a seus livros destruídos.
Olho ao redor ao sentir algo diferente no ar, uma mudança na organização talvez... Ou um acréscimo às costumeiras viaturas que sempre estão ali. Meus olhos se prendem ao veículo clássico em um azul cromado e brilhante. O Impala parado a duas baias de mim parece me cumprimentar com todo o esplendor que um soco de realidade deve ter.- O velho está aqui, resmungo. Ela segue meu olhar e solta um suspiro,
- padrinho está aqui?!
Porra. Dou a ela meu olhar mais frio e sigo em direção a saída, oiço seus passos atrás de mim.
- Mas era para ele chegar no sábado, no dia da festa! Dite deve estar surtando, e acho que eu vou ficar uma pilha de nervos mais cedo ou mais tarde também...
- Cala a boca! Digo irritado com seu falatório incessante, ela solta um arquejo assustada com minha interrupção abrupta mas ainda a oiço murmurar:
- Ela vai me enlouquecer.
Caminho em direção a casa, sendo seguido por ela, minha mente já está rodando imaginando todo o inferno que será esse tempo de estadia do velho... As visitas que ele fará a ala dos empregados, caralho! Eu preciso beber, muito.
Entro em casa pronto para me separar da mulher que vem atrás de mim mas quando chego ao saguão de entrada percebo que talvez não esteja com tanta sorte assim, ou quem sabe seja a este tipo de azar que o soldado no inferno se referiu ao me alertar sobre roubar dos mortos.
- Olha só quem chegou, o filho pródigo!
Apolo aponta para mim debochado, em sua expressão todo o descontentamento por ter de estar ali, fazendo sala ao velho como todos os outros. O velho sentado numa das poltronas, ladeado por duas de suas filhas, cada uma sentada em um de seus lados. Afrodite parecia nervosa mas ainda assim feliz com a chegada do pai ausente. Atena está apenas bancando a diplomata, com sua expressão fria e seus olhos decididos no sentido do dever. Éris está um pouco afastada, recostada na parede, mexendo no celular. Ela apenas me dá um olhar enfadado e volta sua atenção ao aparelho. Zeus está sentado na poltrona a frente do velho, sendo ladeado por Atlas e Apolo. Quem observasse esse retrato poderia muito bem dizer que observa o momento de tensão inicial muito antes de dois líderes decidirem o que incendiar, os charutos ou seus ternos e passarem logo do ritual de intimidação para o embate final. Morte desvia seus olhos negros e frios de Zeus para mim, nada de calor, só o escrutínio esperado de um predador, procurando pelos pontos fracos no que acredita ser seu jantar. Seu exame minucioso não parece dar em nada até que ele se concentra em algo para lá de mim, seus olhos brilham e é instantâneo, meu pé se move sozinho e eu me vejo agindo como uma barreira entre ele e a garota. Quando percebo o que fiz me sinto desconcertado mas isso dura apenas o tempo de lembrar das regras de sobrevivência:
Nunca demonstre fraqueza, incerteza ou desconcerto na frente do homem que cuspiu no sexto mandamento e ordenou a todos a quem conhecia para esquecerem a porra da lei e pegarem nas granadas porque o planeta estava começando a superlotar. O velho se endireita na poltrona antes de se inclinar para frente, sua mão esquerda apoiada na bengala.
- Ragazza! Venha me cumprimentar. Morte ordena e tenho de apertar meus dedos e travar os dentes uns contra os outros para não fazer qualquer besteira. A garota da um passo para o lado e outro para frente, parando ao meu lado por um segundo, como se estivesse esperando que eu a impedisse de avançar, que eu dicesse alguma coisa... Mas apenas fico ali parado vendo-a se afastar de mim, se aproximar dele, murmurar uma saudação a todos. Ela se virou para o velho e o sorriso tímido que deu a ele fez meu estômago gelar e meu sangue ferver, no fim ouve um choque entre as duas temperaturas e eu apenas me senti entorpecido em uma mistura de fúria e resignação. Ele entregou sua mão a ela que a beijou, em um gesto de insondável respeito.
- Eu não preciso disso - murmuro antes de me virar para as escadas.
- Ares.
O trovão contido naquele simples chamado, sem qualquer inflexão ou reflexão de qualquer que seja seus pensamentos ou sua ideia ao pronunciar meu nome me faz parar. Eu respeito meu Don, fiz um juramento que o respeitaria e seguiria até o paraiso se preciso... porque no inferno, nós já estamos. Zeus prossegue:
- venha, saúde seu pai e depois pode ir tomar um banho antes de me esperar no escritório. Temos assuntos mais importantes para tratar. Diz e por um segundo penso ter escutado algo como zombaria em seu tom, mas meu irmão mais velho é totalmente desprovido de sentimentos, não é culpa dele, um dia ele simplismente deixou de sentir. E apesar de ter sido muitas vezes confundido com alguém sem sentimentos também, sou bem consciente da raiva que me queima quando dou meia volta, me aproximo de onde o velho está e percebo o peso da atenção dos olhos cor de mel em mim. Sem vacilar um só passo ordeno:
- Saia, empregada!
O silêncio já antes incomodo se torna pesado como o planeta nas costas do deus titã Atlas mas um minuto depois oiço um murmúrio tremulo:
- Com licença, seguido de passos. Ignoro os olhares fulminantes de Afrodite e Apolo.
Foda-se!
O velho me estendeu a mão,
- Guerra... Murmurou,
- Morte - rebati pegando sua mão e me inclinando, meus lábios quase não tocam sua pele.
- É bom ver finalmente você, filho... Tive de viajar um pouco antes dos previstos desta vez, não queria perder a oportunidade de ver um de vocês. Diz e varre seus olhos por todos os rapazes e Éris, já que somos nós os que sempre inventam uma desculpa para não estar aqui nos aniversários dele.
- Quanto tempo pretende ficar?
É Éris quem pergunta, o velho responde olhando para mim.
- Não se preocupem, pretendo ir antes que tenham tempo de se aborrecerem com a minha presença.
- Quê isso, papi - Apolo debocha
- toma pelo menos um cafezinho. Diz e sua piada é como o copo de água que eu precisava para engolir essa situação, afinal, eu não era o único a detestar as visitas dele. A gargalhada vibrante e estrondosa vem de Atlas que se dobra rindo.
- Porra! Eu nunca rio tanto quanto quando você está aqui, pai.Há tanto escárnio em suas palavras que eu quase estremeço. O velho lança um olhar a Atlas
- Força... Controle seu temperamento. Sabe o que se diz das carruagens vazias, fazem muito barulho. Morte comenta, inabalável, como um pai amoroso que ensina coisas vitais a seus filhos.
- Preciso ir...Entro em meu quarto onde tomo um banho rápido, me visto e me dirijo ao escritório de Zeus. Depois de esperar por quinze minutos realizamos uma reunião em que todos estamos presentes, incluindo as meninas. É claro que essa foi uma manobra para nos livrarmos de Morte mas não era nada anormal minhas irmãs participarem de algumas reuniões, além de todas serem membros do conselho da famiglia. Terminamos a reunião e começamos a nos dispersar, relatando que estratégias teremos de adotar para não matarmos nosso progenitor em um momento de fúria.
Eu estava saindo quando de repente uma mão me parou, olhei para os dedos cheios de anéis que me fizeram voltar ao homem que torturei a poucas horas atrás. Ergui meu olhar para Apolo, levantando uma sombrancelha.
- Vamos conversar.
- Você não me dá ordens, garoto. Apolo revirou os olhos.
- Sempre querendo mijar mais longe...
- sempre! Agora fale, o que foi? Meu irmão aniquila seu sorriso e seus olhos quase tão dourados quanto seus cabelos me encaram sérios e frios.
- Porque Vittoria chegou em casa com você, naquele estado e usando sua jaqueta?
Porra! Ela ficou com minha jaqueta, olho para Apolo e minha expressão deve demonstrar algo de que ele não gosta, ótimo! Eu não estava gostando do interrogatório.
- Não te devo explicações de nada.
- Dela sim, você deve...
- Se eu estiver incluído não, eu não devo.
- Mas que droga! Ares! Pare com essa porra de medir forças comigo e me diga o que quero saber. Sinto sua inquietação e isso me enraivesse para além da conta. Ele também?
- Foda-se você, não vou te dizer merda nenhuma... Talvez eu só a tenha levado para comprar pão na esquina, talvez à minha cama, nunca vai saber por mim. Agora sai da minha frente. Rosnei mas ele não se moveu, em vez disso respirou fundo.
- Eu não quero quebrar sua cara...
- ele começa e não consigo me impedir de sorrir em escárnio.
- Então vou só lembrar você de quem ela é, uma garota doce, inocente e muito nova para você...
- e para você não; debocho recebendo um olhar confuso. Suspiro cansado, não vamos chegar a lugar nenhum com isso, não quero nem pensar no meu irmão com ela, já me basta ter sede do sangue de Morte, não preciso me sentir do mesmo geito com Apolo.
- Olha, Apolo, estou com pressa, vou para a boate foder uma mulher com idade suficiente para beber e chupar paus. Você não precisa se preocupar comigo sugando o precioso e "intocado" mel da garota, ela não faz o meu tipo. Digo e me viro, saindo de perto de Apolo, saindo de casa. Entrei na garagem e me dirigia para a moto quando meu celular apitou no bolso, o puxei para minhas mãos e percebi a mensagem de Vincenzo. Franzi o cenho ao perceber se tratar de um vídeo, apoio-me na moto e aperto o play. Nos primeiros segundos do vídeo não consigo entender do que se trata essa gravação cheia de adolescentes mas quando as cenas começam a se desenrolar a minha frente, um forte apetite por sangue, ossos quebrados e destruição pura me atinge. Deixo a notocicleta para trás e escolho o carro, nunca se sabe quando vamos precisar de um porta-malas espaçoso. Mudo meu rumo e sigo na direção de um cadaver que ainda não sabe o que é, essas pessoas iram pagar por colocarem as mãos nela, eu juro que irão.
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♠ARMAGEDDON♠
ChickLitArmageddon * O deus da guerra tem seu confronto com Vittoria. Ele luta contra seus desejos e utiliza todas suas armas no decorrer dessa batalha, mas sua adversária tem sua própria força, uma força diferente da dele mas nem por isso menos poderosa. ...