Capítulo 1 - Do Caos nasce a Criação... ou Destruição

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É engraçado como toda a tua vida está planeada para ti, mesmo sem o teu consentimento. A partir do momento em que nasces, todo um rumo é desenhado numa lápide de pedra e tu tens de segui-lo. Ou, pelo menos, levam-te a fazê-lo. Escolhem a roupa ideal para ti, a escola perfeita, a tua comida; que tipo de reações são certas ou erradas e quais é que podes ter; o tom de voz adequado que deves utilizar; quem deves obedecer, o que podes ou não dizer Escolhem a personagem que querem que tu sejas. E é isso que tens de ser. Pintam um quadro com as suas cores, com os seus lápis e os seus desejos. Depois entregam-to, na ilusão de que tu tens de corresponder às suas espectativas. Marcam os seus tramas nas palavras que te dirigem, porque te querem bem e tens que engolir com tudo, apenas porque é o que tu deves fazer.

Pois bem Fuck it isso tudo. Não deves nada a ninguém.

Chamo-me Dante. E de onde eu venho, nada mais importa do que seres quem tu deves ser, pelo teu bem, pelo teu sucesso e pelas pessoas à tua volta. Na dança, não há espaços para o que queres. Há apenas espaço para o que se precisa. E o que a comunidade precisa é de gente que se encaixe no sistema. Que não o questione. Que não o altere. Que não o quebre. Porque isso não é o certo. Porque isso faria alguém um ser indomável

E tudo era simples.

Até ele aparecer.

Tudo começou ontem à noite, no Baile de Outono. A escola estava a recomeçar e tudo apontava para que este ano fosse mais um ano aborrecido. Mais um ano em que ninguém se ia lembrar de nada e as coisas na secundária iam ficar exatamente como são sempre: perfeitamente entediantes. Mas quando a meia-noite caiu e a Rainha e o Rei do baile foram anunciados, em vez de coroas nas suas cabeças, apareceram minhocas na comida, centopeias nas bebidas e uma praga de ratos e bombas de mau cheiro pelo pavilhão a adento. E, para abrilhantar a noite, o Eleito surgiu. Uma bomba de surpresas, que fez o baile tremer.

Mas antes de vos contar tudo o que se passou tenho de começar pelo início, certo?

A escola começou no final do verão.

Todos se preparavam para mais um épico ano na secundária de High Town. Os que entraram para o décimo ano vinham com as ilusões de que aqueles iam ser os melhores anos das suas vidas. Notavam-se bem de que cursos eram.

Os de ciências vinham aprumados, prontos em bando, em direção ao edifício das disciplinas específicas do seu curso, como química ou biologia. Os de línguas ou não paravam de falar de como tinham ido para o curso para fugir à matemática ou não paravam de defendê-lo discutindo com outros miúdos a validade e dificuldade do seu curso. O que eu compreendo perfeitamente. Afinal, nunca tive cabeça para história. Os de economia seguiam os de ciência e faziam de tudo para se enturmar. Depois vinham os das artes, que todos julgavam alternos ou algum tipo de miúdos sem futuro nenhum. Como se as artes não fossem tão importantes como saber ler ou fazer contas Depois os de desporto, turismo, hotelaria Enfim: um bando de miúdos, um monte de cursos, um monte de potenciais problemas.

Sou de um curso completamente diferente. Estou em secundário, em dança. Maior parte do meu tempo é passado à frente de um espelho, no chão ou com as mãos numa barra. Por norma, teria aulas apenas em conservatório. Mas decidi não o fazer. Optei por um regime de aulas em articulado. O meu ensino é diferente. Tenho as disciplinas obrigatórias nesta espelunca e depois vou para outro sítio de miúdos ricos que nunca se tiveram de preocupar com nada na sua vida, além da contagem das piruetas que tem de dar. Uma articulação entre esta secundária e o conservatório.

Este ano, calhei numa turma de ciências. O curso supostamente mais difícil de todos. Um mito que é tão verdade como a paz mundial. Mal sabem estes tótós que um curso artístico especializado, de línguas ou de artes é tão complexo como o deles. Ninguém sabe porque não vou às outras disciplinas. Ou isso, ou não querem saber. Por mim, tudo bem. Sou o único desta escola nestas condições. Todos os outros miúdos do meu conservatório optaram pelo regime integrado. Um regime que lhes permite que tenham as disciplinas obrigatórias - português, educação física, inglês e filosofia - no conservatório. No seu ninho de cegonhas impretigadas.

Controle DeleteWhere stories live. Discover now