Capítulo 2 - Uma surpresa invulgar

0 0 0
                                    

Demorei a decidir o que vestir. Essa sensação era completamente nova. Sou um bailarino. Normalmente sei o que vestir, para me adaptar a qualquer tipo de dança. Isso é fácil. Roupa simples, se o foco é o movimento. Roupa esvoaçante se o foco é a emoção. Mas o que é que podia vestir para um baile que de súbito se tornou tão interessante? Não que estivesse curioso com a oferta de Noah e em passar uma noite com ele. Não, nada disso Afinal, ele tinha sido bem requisitado e tinha recusado todos os convites, porque achava melhor ir comigo. Não, não estava ansioso por ir com ele E depois, não sabia que grupo de dança iria atuar. Este ia ser o ponto mais alto da noite. Achava eu

Ele chegou a horas, como tinha dito. Não tive que esperar muito tempo. Optei pela decisão de roupa mais racional. Uma camisa discreta e umas calças de fato. Ágeis e livres, mas suficientemente arranjadas para poderem estar dentro do dress code do baile. E, claro, não podia faltar o meu gorro escarlate.

Quando ele chegou na sua mota, tive que limpar os óculos para ver se estava a ver bem. Sabia que ele conduzia, mas uma mota? Não sabia que era o estilo dele, mas sabia que era bem o meu estilo. Aproximei-me dele e saí do alpendre da minha casa. Ele tirou o capacete e atirou-me outro.

- Então? Pronto para arrasar na pista de dança? - O seu cabelo estava arranjado como nunca tinha visto antes. Mesmo tirando o capacete, nenhum fio saiu do sítio. Mesmo sem falarmos de nada, o seu fato carmim meio que combinava com a minha roupa. Especialmente com o meu gorro.

Cheguei perto dele, soltando um sorriso suficientemente simpático para que não notasse o meu medo. Não era a primeira vez que montava numa mota, mas era a primeira vez que deixava alguém guiar. Eu estava habituado a guiar sempre. A deter o controlo do próprio guiador. Ver alguém nessa situação fazia-me o estômago borbulhar.

- Deixo a dança para os bailarinos que não dançam no escuro do seu quarto. - Atirei, enquanto punha o capacete. - Pronto para escreveres o melhor artigo da tua pequena vida como repórter?

- Pequena? - Indagou, enquanto me via montar atrás de si. - Faço entrevistas desde dos quatro. Pergunta aos meus pai A quem quer seja. - Corrigiu, colocando o capacete. - Se quiseres agarra-te a mim. Tem só cuidado com a câmera.

Tentei protestar, mas não ia valer muito. Não tinha mais nenhum lugar em que me agarrar. E cair de uma mota em movimento não estava nos meus planos. Sei como aterrar de uma queda sem partir nada. Desde criança que o chão é a minha segunda casa. Como bailarino, dominar quedas faz parte do meu dia. Mas são só certos tipos de queda. Não me pareceu que me podia safar de uma queda de mota.

- Como preferires. - Disse.

Agarrei-me ao seu quadril e fomos em direção à escola.

Já não andava de mota fazia quase cinco anos. Esfreguei o meu joelho, em honra da minha última memória. Por momentos, era o meu pai que a dirigia. Mas desci à terra, quando comecei a ouvir a música ruidosa que se aproximava do pavilhão. Noah estacionou a mota. Vários olhares cairam sobre nós. Ele não se preocupou, mas eu sim. Sabia que as pessoas estavam curiosas para saber quem se escondia por debaixo do capacete que tinha na cabeça. De súbito, desejei mesmo ser um fantasma. Mas essa atenção rapidamente se esfumou, quando viram que era eu. Não éramos um par. Todos pensavam que eu era um caso de caridade. Conseguia vê-lo nos seus olhares condescentes. Olhares que me irritaram profundamente.

- Vamos? - Perguntou, enquanto me fez sinal para o edifício principal. - Tenho de ir arrumar os capacetes no cacifo e buscar mais cartões de memória para a máquina. Acompanhas-me?

Não precisei de dizer que sim.

Sabia qual era o corredor onde estava o seu cacifo. Pavilhão principal, corredor ao lado da diretoria, último cacifo a contar da direita, com vista direta para os laboratórios de química, no edifício das ciências. Ele arrumou os capacetes, preparando a sua máquina.

Controle DeleteWhere stories live. Discover now