Capítulo 4 - A lista dos Escolhidos

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A escola ficou calma durante uns dias. Foram cerca de cinco, na verdade. Nos primeiros, as redes sociais crepitavam com as palavras do Eleito, no seu vídeo. Uns por curiosidade, outros por medo ou até repulsa. Alguns até com medo que as suas ações fossem expostas. Com sorte, descobrir-se-ia que em vez de uma bolsa de marca tinham comprado uma falsificação. Fosse como fosse, nunca passava tempo na escola suficiente para me aperceber como é que aqueles pirralhos estavam a lidar com a sua primeira crise de vida. Mas, ainda assim, não conseguia tirar aqueles X vermelhos do meu pensamento.

O estúdio ainda estava com as luzes desligadas, a altura perfeita para dançar sem que nenhum dos outros miúdos e miúdas do meu curso me julgassem. O chão ainda estava húmido e notavam-se manchas de panos nos espelhos, sinal que tinham sido limpos. Com aquele espaço só para mim, comecei a mexer-me, simplesmente. A minha rotina diária de aquecimento e de exercícios técnicos não seriam suficientes para me distrair.

Comecei a dançar a seco, então. Sem música, sem qualquer tipo de intenção técnica ou qualquer coisa do género. Simplesmente, dancei. Swings, piruetas, slides, saltos Tudo o que o meu corpo pedia, eu realizava. Por momentos, estava em silêncio, em paz outra vez. Uma terrível e entediante, mas desejosa paz. Estava com a cabeça livre, pronta para voar ao som do silêncio que me rodeava. Esperava que pudesse limpar o assunto do Escolhido da cabeça, mas, de facto, não durou muito até que ele voltasse.

As luzes ligaram-se e dei por mais alguém no estúdio. A turma começava a chegar com os seus sacos desportivos e com os seus egos enormes. Os rapazes vinham todos com o peito enorme, cheios de confiança. Costumam andar em bando, mas detestavam-se. Os riquinhos tinham a mania de exibir-se uns para os outros. Uma mania para determinar quem era o macho alfa. Autênticas cobras, prontas a envenenarem-se uns aos outros. Já as raparigas, com as suas sapatilhas nas mãos, costumavam ser mais afáveis. Não que fossem o cúmulo da simpatia, mas sempre eram menos egóicas. Pelo menos, não tinham o machismo tóxico que os rapazes exaltavam. Eram fúteis, sempre preocupadas com as aparências, mas não eram tão tóxicas. Julie era uma das poucas com quem tinha travado uma relação. Além de ser o único bailarino mestiço, também não possuía nenhum tipo de riqueza. E Julie era a única que genuinamente não se importava com isso.

A professora de contemporâneo chegou e todos se ajeitaram para começarmos a aula.

- Formem pares. Hoje vamos trabalhar em duos.

Olhei para Julie, no seu canto a aquecer perto das barras de Ballet. Ela arqueou as costas e lançou um olhar de confirmação para mim. A aula começou e pude esquecer o hacker durante mais um pouco.

*

Tocou para a hora do almoço. A aula de inglês estava tão entediante que a professora não deu com a fuga dos alunos da sua sala. Estranhamente, o pátio da escola estava quase deserto à hora do almoço. Os auxiliares limpavam as paredes dos corredores durante os intervalos e quando estávamos nas aulas. Conseguiam-se ver que os X vermelhos e as asas brancas nas paredes e nos cacifos tinham sido esfregados. Um rasto de vermelho e branco, como marcas de algo prestes a acontecer.

Noah e Laura haviam de se encontrar comigo no refeitório dentro de algum tempo. Só tínhamos uma aula em comum - português. Eles vinham da ala este da escola. Laura do pavilhão de Artes, Noah do pavilhão de Línguas e Humanidades. Eles entraram e eu chamei-os para a minha mesa de sempre, com uma janela que dava para ver o pátio por completo. Eles sentaram-se, pousando o seu tabuleiro de almoço.

- É estranho não estar ninguém no pátio. - Disse Noah.

- Tiraste-me as palavras da boca. - Concordei. - Conseguiram reunir a tal informação que precisavam?

Noah sorriu, tirando o seu computador da mochila.

- Bem, estava à espera de nos encontrarmos num local mais privado, mas como alguém está tão curioso revelo já o que consegui.

Controle DeleteWhere stories live. Discover now