Capítulo 6 - Assassina Hipócrita

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Acordei quando recebi uma mensagem do Noah no telemóvel. As aulas iam começar dentro de três horas e ele já estava acordado. Provavelmente, não devia conseguir dormir depois de tudo o que tinha acontecido naquele dia. Depois de encontrarmos o Eleito, só tivemos tempo de o seguir e perdê-lo. Tivemos que voltar para o campo. Ou isso, ou arriscávamo-nos a ficar de castigo durante mais uma semana. E com a diretora em regimento militar, uma expulsão estava mesmo o virar da esquina. Naquele momento, mal eu sabia que ser expulso era mais uma bênção do que um castigo exemplar

Cheguei à escola antes desta sequer abrir, tal como Noah me tinha pedido. Laura apareceu momentos depois, trazendo Noah no seu carro. Era-me estranho encontrar-me com pessoas que conhecia há pouco mais de duas semanas. A febre do Eleito ainda não tinha acalmado e o simples facto de sabermos que ele andava nos corredores da escola só nos fazia mais alerta. As paredes pintadas com X vermelhos e assas de anjo multiplicavam-se, apesar do esforço da direção para impedir que isso acontecesse. Não sabíamos na altura, mas eram marcas que nos iam acompanhar durante muito tempo

Cumprimentamo-nos com um aceno de cabeça e seguimos com o que nos trazia ali. O Eleito estava a tirar-nos horas de sono, literalmente. E, além de tudo, a lista de nomes que ele libertou ainda me soava nos ouvidos em tensão, como um acorde forte de piano, que nos prepara para começarmos a dançar.

Noah olha para mim e para o meu gorro e sorri discretamente.

Eu tranco a cara, por instinto.

- O que foi?

- Uma cor nova? - Pergunta, na esperança que lhe devolva o sorriso.

Não me demovi com a sua demostração de curiosidade, ou afeto, ou o que quer que seja, Não tinha tão bom humor matinal como eles. Nunca tive razão para tê-lo. Eles acordavam numa cama com lençóis fofos e tinham o frigorífico cheio, quando o abriam. Tudo o que o meu tinha era ar, papéis de dívidas nas portas e, com alguma sorte, comida a ganhar bolor.

- Gosto de cinzento. - Respondi.

- Fica-te bem. - Disse, levantando o queijo. Olhou para as minhas calças de fato de treino, também cinzentas e ergueu a sobrancelha. - Essas também. Exaltam as tuas pernas.

Sem notar, funguei o nariz e desenho um pequeno sorriso, que apaguei instantaneamente. Noah era bom a reparar em pequenos detalhes, algo que tínhamos em comum. Eu por ser bailarino, ele por ser um cusco brilhante. De qualquer das formas, soube-me bem ser visto pela primeira vez. Mas não me deixei iludir. O Noah era assim com toda a gente.

- Se já acabaram de discutir moda, temos assuntos sérios para tratar.

O tom de Laura não me agradou, pelo que cerrei o maxilar. Convivi com muitos tiranos para perceber o que são agressões verbais. Raiva subiu-me pelo corpo acima, e achei que as minhas bochechas começavam a ficar vermelhas. Quando vi lágrimas no canto do seu olho, resfriei a minha ira.

- Não sei o que é que aquele otário do Eleito queria com o meu cacifo, mas ele destruiu as fotos da minha mãe. - Laura olhou para o chão, para evitar olhar para nós ou para as fotos da mãe que trazia numa capa.

A expressão de Noah mudou, e ele tornou-se frio, como se estivesse a decorar tudo o que Laura estava a dizer. Aquela cara que dele irritava-me. Sobretudo porque conseguia sentir a dor da Laura. Sei o que é perder alguém que se ama. Especialmente uma mãe. Aquelas fotografias são a única recordação que ela tem dela. Eu faria tudo pela minha. Tudo. Acredito que a Laura também o faria, se tivesse oportunidade.

Noah interrompe-a, antes que ela possa chorar.

- Sabes o que é que estava a faltar no teu cacifo?

Ela encolheu os ombros e olhou para Noah, frágil.

Controle DeleteWhere stories live. Discover now