Gastava muito mais a ponta do lápis escrevendo uma espécie de diário, onde descrevia os ambientes em que estava, as pessoas ao seu redor, o cheiro e como se sentia, do que anotando qualquer ideia que surgia em sua mente, até porque não surgia nenhuma. Era frustrante pensar demais e, mesmo assim, não planejar nada de extraordinário.
Talvez tivesse realmente transformado seu bloco de notas em um diário, e percebeu isso quando escreveu que, às vezes, sentia falta da Austrália. Ignorando todos os comentários maldosos de sua mãe, sentia falta da comida que somente ela sabia fazer, sentia falta de passar o tempo na biblioteca perto de sua casa e de gastar uma boa grana na loja de discos que ficava logo ao lado.
E ele sentia falta, não apenas uma saudade, porque estava se sentindo vazio, e aquelas coisas eram as partes que lhe faltavam para preencher aquele buraco que ameaçava engoli-lo. Sua nova casa era quieta e solitária, dando espaço para os pensamentos adentrarem como uma goteira imparável. Ele não compreendia como podia se sentir sob uma chuvarada, mesmo estando sob um teto, onde havia uma lareira para as noites frias e deprimentes.
Talvez lhe faltasse amor, embora tivesse um pouco; amor por aquilo que se dedicava a fazer. Jake era apaixonado por ler e escrever, sentia que podia explorar cem universos ao abrir um livro e viver cem vidas ao escrever uma história. Era uma válvula de escape. Ele podia escrever algo interessante, já que nada assim lhe acontecia na realidade.
Ele escreveu sobre o quão enjoativo era o cheiro do bar Full Moon, o quão escandalosos aqueles velhos eram, o quão péssima era a iluminação do local e o quão bem o guitarrista tocava. Havia um parágrafo inteiro apenas para contar isso, por mais que ninguém em algum momento fosse ler. Descreveu até mesmo como ele estava vestido, a forma que ele falava e se movimentava.
Foi muito tempo desperdiçado pensando em coisas que não lhe levaram a nada. Nada além de uma decepção consigo mesmo, e uma decepção maior ainda de sua mãe, embora ela estivesse longe demais para descobrir que ele estava indo pelo caminho em que ela disse que ele iria: o do fracasso. Jake quis acreditar que a decisão que ele tomou foi a correta.
— Querido Deus — sussurrou de olhos fechados ao juntar as mãos com força —, faça de mim um escritor famoso. Faça meu futuro próspero.
Ao abrir os olhos, lembrou-se do convite feito por Heeseung e da forma inusitada que descobriu seu nome, se perguntando se ele estava falando sério quando o chamou para aparecer naquela noite. Não tinha certeza se podia confiar naquele estranho que era o seu oposto. Talvez estivesse apenas brincando ou tentando aumentar seu ego.
Passear pela cidade não lhe impediu de contar os minutos até a chegada da noite, mas dificultou sua tentativa de se concentrar nos cenários que podiam lhe servir de inspiração. Ou não. Tudo era desprovido de cor e de vontade de viver. As poucas movimentações inspiradoras e alegres vinham de crianças, geralmente em grupos, que corriam e brincavam, assim como devia ser.
Jake se perguntou o que elas gostariam de ser quando crescessem. Será que havia alguma criança que gostaria de se dedicar à arte, como a escrita? Será que ela conseguiria ser bem-sucedida ou viveria na miséria como ele? Será que seus pais o apoiariam, diferente dos seus? Eram diversos questionamentos não respondidos.
Admirava o seu eu mais jovem e gostaria de encontrá-lo para lhe dizer o que ele sempre quis ouvir. Algum encorajamento como "atravesse as dificuldades da vida e siga seu sonho", por mais clichê que soasse. Aquilo seria capaz de mudar muita coisa para o pequeno Jake, que era um garotinho muito criativo.
Só percebeu que havia entrado em uma espécie de transe quando algo atingiu seu pé. Era a bola de vôlei de um grupo de garotos que jogava no quintal de uma casa simpática. Eles ficaram o encarando como se esperassem o australiano devolver a bola, e foi o que ele fez.
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cartas e acordes • heejake
أدب الهواةEnquanto Jake martelava a cabeça para adquirir inspirações para seu livro, Heeseung tocava guitarra em um bar insalubre em troca de dinheiro. Mesmo após diversos sinais do problema em que estaria se metendo, o escritor gostou do guitarrista muito ma...