II. O efeito Lee Heeseung

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Dormir foi uma tarefa difícil, especialmente quando trovões estrondosos ecoavam por todos os cantos, tornando o escuro menos amedrontador, apenas um mero detalhe com o qual Jake podia lidar.

Porém, sua cabeça estava ainda mais barulhenta, recordando-se dos sussurros que costumava ouvir em sua antiga casa, onde seus pais compartilhavam segredos que não queriam que ele descobrisse. Mas Jake sabia muito bem do que estavam falando.

Seus pais não possuíam um relacionamento conturbado, apesar de seu pai apenas concordar com tudo que sua mãe dizia, como um personagem secundário que existia justamente para isso. Ele genuinamente apoiava o sonho do filho, mas não dizia em voz alta, nem rebatia as opiniões maldosas da mulher, até porque o sonho de Jake dependia dele, e não do que ela queria.

No início, ele se culpava por não ser do jeito que ela gostaria que ele fosse. Por não ser excepcionalmente bom em cálculos ou querer estudar algo que lhe rendesse dinheiro, como Direito ou Medicina. Conforme foi crescendo, ele percebeu que não estava errado em não cumprir os desejos alheios, que eram diferentes dos seus.

Naquela noite, Jake sonhou com sua mãe. Estava mais para um pesadelo, onde ele voltou a ser um menino de doze anos, que silenciosamente se esgueirava pelos cômodos da casa para ouvir o que seus pais cochichavam.

— Não acredito que está do lado dele! — ela rangia os dentes — Não vê que isso não lhe dará um futuro? Será um completo vexame!

— O seu avô era um escritor, Jessica! — ele sempre a lembrava — Por que repudia tanto isso?

— Eu não quero que nosso filho se torne um fracassado.

Não precisava bater em seu rosto, pois aquelas palavras ditas indiretamente lhe agrediam na mente, deixando hematomas incuráveis. Por mais que fosse um sonho, diálogos similares aconteciam de verdade, assombrando Jake até os dias atuais.

Choveu a noite inteira, e o céu permaneceu cinzento e feio pela manhã. Não importava o quanto gostasse de frio, dias chuvosos jamais iriam lhe proporcionar algum conforto. Sequer sentiu vontade de sair de casa, então se sentou na cadeira de madeira e apoiou o bloco-diário sobre a escrivaninha, rodopiando o lápis entre os dedos enquanto buscava algum pensamento coerente que não lhe entristecesse.

Observou as anotações sobre as músicas tocadas por Heeseung e começou a cantarolá-las baixinho, chacoalhando levemente a perna. As palavras ditas por ele na noite anterior ainda rodeavam sua cabeça, não somente aquelas pervertidas, mas também a penúltima frase que ele soltou antes que Jake fosse embora. Você é um poeta.

Talvez fosse apenas da boca para fora, pois não sabia o quanto ele leu do bloco-diário. Talvez estivesse apenas tentando cativá-lo. Eram muitas possibilidades.

Lembrou-se do restante da garrafa que levou para casa como uma espécie de presente. Jake quis beber, mas não o fez. Assustava-o perceber que estava bebendo muito mais do que realmente deveria nos últimos dias, e temia ficar como certos parentes, mesmo os mais distantes.

A última coisa que ele gostaria era ser como alguém de sua família, com exceção de seu bisavô, que foi um escritor importante em sua época. Relatos diziam que ele era uma pessoa muito gentil e habilidosa com as palavras, e ele almejava alcançar esse nível de reconhecimento algum dia.

Os dias estavam tornando-se tão repetitivos que chegavam a ser entediantes como uma maldição, onde Jake estava condenado a tentar, tentar e tentar, e nada conseguir. Seu único traço de personalidade era ser um aspirante a escritor falido, parecendo que sua vida estava sendo totalmente dedicada a isso e nada mais.

Talvez sua paixão estivesse sendo sua ruína, pois dedicar tanta atenção a isso estava o fazendo perder detalhes e momentos importantes, começando por sua família. Apesar de achar incrível viver diversas vidas sem de fato vivê-las, acima de tudo, queria viver a sua.

cartas e acordes • heejakeOnde histórias criam vida. Descubra agora