🍀 Capítulo 04

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QUATRO DIAS ATRÁS

Meus braços estavam cruzados sobre o peito e meu prato de comida na minha frente sequer tinha esvaziado por completo. Tudo por que uma coisa bizarra aconteceu. Ou melhor, coisas bizarras vêm acontecendo.

E não, não estou falando do manequim possuído pelo ritmo ragatanga no depósito atrás das salas. Estou falando de Ricardo Martini.

Desde o acidente com o café e nossa pequena discussão sobre uma entrega — não entregue — de alguns pacotes de folha A4 ele tem me evitado.

Não estou exagerando. Ricardo realmente tem evitado cruzar meu caminho desde aquele dia, como se eu fosse um aparelho emissor de radiação de 750 milisieverts, e ficar perto de mim significaria assumir a skin calvão de cria o mais rápido do que sua mente pudesse acompanhar.

Eu fazia um lanchinho no refeitório quando ele passou com aquela prancheta, a qual semanalmente ele faz uma conferência no trabalho dos instrutores, já que além de ser seu trabalho como Supervisor era meio que o "informante" do Diretor. Ele repassava se havia algo de errado com nosso trabalho ou algo realmente errado que ocorria dentro da escola.

Que coisa, não?

Não foi somente na hora do meu lanche que ele desviou de mim, ele sequer olhou na minha direção. Estou começando a achar realmente que tem algo saindo de mim, mas nada de radiação, apenas fumaça da minha cabeça e veneno dos meus olhos.

— Não fique pensando nisso Angelina, não vale a pena. Não se esqueça de que ele está mais próximo do seu chefe do que você imagina. — Murmurei apertando o olhar.

— Falando sozinha de novo? — Henrique me deu um sorriso, rapidamente minha expressão mudou.

— Um defeito meu, o que posso fazer? — Brinquei, mas meu sorriso foi desaparecendo lentamente.

Precisávamos conversar, precisávamos muito disso.

— Tem algo pra fazer mais tarde? Você podia passar lá em casa e...

— Angelina, desculpe, mas... Não vai dar pra ir hoje.

— Ah...

— Estou um pouco apertado com umas coisas.

— Se for te atrapalhar ir até lá eu posso ir até sua casa. — Eram cerca de dez minutos de carro, não morávamos exageradamente longe um do outro.

— Eu tenho algo importante pra fazer mais tarde. Podemos nos encontrar outro dia, o quê acha?

Eu não quero me encontrar num outro dia. Precisamos conversar hoje. Precisamos de um tempo juntos, eu e você e mais ninguém!

Fiquei tentada a dizer, a gritar, todas aquelas palavras. Há dias que eu estava angustiada e cada vez que ele me dava um "fora" ou não me dava oportunidade para dizer o que meu coração realmente necessitava, eu me sentia pior. Muito pior.

— Tá, o-ok então... Eu posso esperar. — Ele abriu um sorriso. Aquele sorriso que me fez me interessar por ele há meses, o sorriso que ele usou pra flertar comigo e me chamar pra sair, e depois, para me pedir em namoro.

Henrique era educado comigo, gentil, e tinha um belo sorriso, mas por que todas essas coisas têm me deixado melancólica?

Ele se inclina e dá um beijo na minha bochecha antes de sair. O vejo indo embora na minha frente e sinto meu coração apertado.

Quando deu horário peguei minhas coisas. Andei pensativa até meu carro no estacionamento. Me sentei no banco do motorista e bati a porta.

Mandei uma mensagem para Olívia perguntando se ela queria sair comigo, ela me respondeu dizendo que está com uma cólica tão forte que tudo o que ela conseguia querer no momento era a cama dela.

Abaixei a cabeça e a descansei no volante por alguns segundos, sentindo dores nas têmporas. Aquela dor me lembrou de algo importante.

— Ah não... Esqueci do meu café da tarde.

Preguiçosamente liguei o carro, me preparei para fazer uma manobra para conseguir sair de onde havia estacionado, porém eu não contava com o fato de outro carro ir na mesma direção, a caminho da saída enquanto eu dava ré.

Meu corpo sacudiu quando bati no carro.

— Não, não, não! — Tirei o cinto e saí depressa do carro. Meu farol estava meio trincado e a lateral do outro carro levemente amassada.

Mas do que adianta estar "levemente" ou "completamente" amassada? Eu que ia ter que pagar o conserto dos dois automóveis!

Passos vieram na minha direção e me levantei de onde estava agachada, dando de cara com Ricardo.

Esse homem é um imã de azar, não é possível.

Eu estava cansada, chateada e envergonhada. Triste com meu namorado e principalmente comigo mesma por não conseguir ter atitude e controle de nenhuma situação.

— Angelina...

— Olhe me desculpe, sério. Eu não sei quantas vezes eu tive que dizer isso pra você desde o dia em que nos conhecemos, mas me desculpe. Por favor. Eu juro que não foi minha intenção estragar o seu carro. — Ricardo me encarava de um jeito cansado, provavelmente já esperando que alguma tragédia novamente ocorresse. — Eu posso pagar pelo conserto. — Peguei o celular e abri o aplicativo do banco, eu poderia fazer um pix e...

— "Pagar"? Pode mesmo?

— Eu posso, espere só um momento até eu verificar meu saldo...

— Angelina. — Me chamou, tirei os olhos do celular e olhei para ele. Ele apontou com o queixo na direção do próprio carro. — Acha que pode mesmo pagar?

O fato era que: não era só um amassadinho na porta de trás do carro. Era um amassadinho na porta de trás de um Lexus ES, o que significava que o conserto seria cinco vezes mais caro do que eu imaginava.

Abaixei lentamente o telefone.

— Me desculpe. Acho que não posso pagar agora… Talvez eu possa parcelar em... 24 vezes?

Ele deu um longo suspiro.

— Esqueça. Não estou te cobrando. — Ele parecia querer me dizer mais alguma coisa, mas no final das contas ele não disse nada. Coçou os cabelos compridos e se virou de volta para o carro. Ele saiu, liberando a passagem para mim.

O que tinha de errado comigo?

Fui pra casa e me deitei mais cedo do que normalmente me deitava.

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𝐒𝐞𝐧𝐡𝐨𝐫 𝐞 𝐬𝐞𝐧𝐡𝐨𝐫𝐚 𝐚𝐳𝐚𝐫Onde histórias criam vida. Descubra agora