Não fomos pra delegacia.
Uma chuva forte caía e além de estar sem guarda-chuva eu tinha vindo de ônibus. Aquele temporal não parecia ter intenção de diminuir com o tempo, muito pelo contrário.
— Eu te dou carona. — Olhei para o lado, Ricardo estava ali com suas chaves nas mãos.
Eu aceitei a carona, afinal demos uma trégua às implicâncias.
— Eu tenho um pote de pringles na mochila. — Fala quando já estamos na estrada.
— Conseguiu ouvir minha barriga de novo?
— Não, eu só me lembrei disso. — Ele tira uma das mãos do volante e aponta para o banco de trás. Abri sua mochila e rapidamente peguei o pote.
— Obrigada. — Dei a ele meu endereço, ele conhecia a rua então não precisava de tanta instrução para chegar até lá.
— A Olivia… — Estranhei ele dizendo o nome dela de repente. — ... ela deu em cima de mim nos dias em que iniciei nesta cidade. Ela passou a me odiar depois que dei um fora nela.
Dei um largo sorriso em satisfação.
— Fico muito feliz em saber que deu um chega pra lá nela. — Ele deu uma risada, a primeira que o ouvir dar. — Precisamos ser pacientes pra saber lidar com pessoas absurdas e suas atitudes mais absurdas ainda.
— Tenho uma dúvida sobre você.
— Sobre mim? — Ele balançou a cabeça.
— Por que decidiu trabalhar na área de Educação ?
— Tenho a impressão que esta é 2° vez que você vem com esse assunto. — Ele deu uma rápida olhada em mim.
— Estou sendo invasivo? Não precisa responder se não quiser. — Ele não estava sendo invasivo, nem sequer chegou perto de ser, mas só pelo fato de ele ter me dado tanta abertura me deixou ainda mais confortável.
— Minha mãe é professora. — O carro parou no sinal vermelho. Ricardo virou o rosto na minha direção, parecendo completamente atento a cada palavra minha. — Apesar de sempre ter tido muito mais facilidade em exatas, eu tinha uma vontade de trabalhar em uma escola por que eu via o quão interessante era o trabalho dela, o relacionamento fofo entre os alunos e ela, vê-los ganhar conhecimento e evoluir... — Os olhos castanhos brilharam para mim, mas aquele contato logo se quebra quando o sinal verde aparece.
— Eu não imaginava que seria algo assim.
— Acho que ninguém imaginava. Professores na maioria das vezes passavam raiva, mas poder ensinar e compartilhar conhecimento era gratificante o suficiente para eu não me importar com isso. Há dois anos deixei a antiga escola onde trabalhei como professora de física pro fundamental 2 para fazer o Concurso para trabalhar aqui. E bem... cá estou eu.
— Nunca pensou em voltar a dar aula?
— No início sim. Mas... Eu gosto muito do meu posto de Coordenadora. Acho que posso dizer que nasci pra isso. — Um sorriso torno surgiu em seus lábios. Pigareei, constrangida.
— Mas e você? Por que decidiu trabalhar na área da educação?
Ele enfim estacionou o carro ao chegarmos em frente a minha casa.
Estendi o Pringles e ele recusa.
— Eu comprei pra você.
— Oh…
— Bom... Eu nunca soube ao certo o que queria fazer. Eram tantas possibilidades que fiquei estagnado por um bom tempo sem tomar uma decisão. Minha irmã disse que eu deveria seguir o caminho nossos pais, assim como ela, e cursar Direito.
A família Martini toda atuava na área do Direito? Nunca imaginei isso.
— E por que não quis seguir a tradição da família?
— Eu não sentia que aquilo era pra mim, não conseguia me ver passando o resto da minha vida daquela forma. Então decidi fazer Administração, que me dava mais um leque de oportunidades, depois me formei em Gestão Empresarial. Anos depois fiz o Concurso e passei, indo parar na REP-Mg.
— E aí? Você gostou?
— Muito.— Encarou meus lábios e em seguida seguida desviou o olhar. — Acho que também encontrei meu lugar, assim como você.
Depois disso, silêncio.
Ou melhor, silêncio mais os croc crocs da minha mastigação.
— Sobre aquilo que eu te disse no depósito...
— Você gosta de mim. — Ele me olha. — Como isso foi possível?
— Acredite ou não, do meu ponto de vista é mais difícil não se interessar por você.
— Por que?
— Tudo. O jeito como você trata com todos naquele lugar, como é responsável, seu relacionamento com os alunos. A forma como consegue ser descontraída e ao mesmo tempo tão profissional no trabalho. Além do fato de ser extremamente linda, estranhamente engraçada e ter uma forma de falar adorável. — Minhas bochechas esquentam.
— Meu ex nunca me disse nada parecido…
— Meu sentimentos são verdadeiros.
— Apesar de atrairmos o azar quando nos juntamos? — Ele sorri de um jeito torto.
— Sim. Somos o senhor e a senhora azar dessa cidade.
Encarei o pote de pringles quase vazio no meu colo.
— É muito reconfortante ouvir todas essas coisas Ricardo… Mas eu não sei se estou com a cabeça cem por cento no lugar para te dar uma resposta agora.
— Eu entendo, você não precisa me responder nada. Sei que precisa de um tempo pra se recuperar de todo esse estresse, e tá tudo bem. Só quero que saiba que quando você quiser, Angelina, eu ainda vou estar aqui.
— Esperaria tanto tempo? Acho que até lá você já estará apaixonado por outra pessoa.
— Eu não estarei, acredite em mim. — Dei um sorriso antes de sair do carro.
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𝐒𝐞𝐧𝐡𝐨𝐫 𝐞 𝐬𝐞𝐧𝐡𝐨𝐫𝐚 𝐚𝐳𝐚𝐫
RomanceAngelina e Ricardo não se suportam. Para piorar, cada vez se encontram um desastre diferente acontece. Trabalhando juntos no polo da REP-Mg (Rede de Ensino Profissionalizante de Minas Gerais) de Nova Lima, fica complicado manter a distância, uma vez...