A conversa

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Abro a porta para o deixar entrar.

Inalo o ar profundamente, como se a qualquer momento ele fosse ficar escasso.

O que é que ele estava a fazer aqui ?

"Não perguntes o que faço aqui, nem eu sei" - Midorima é rápido a responder, como se lesse os meus pensamentos.

Inalo, expiro. Não sei se estava realmente preparada para me reencontrar com ele.

"É realmente verdade que estás a jogar basquete?" - Ele diz enquanto me atira o patinho para as mãos.

Apanho-o com facilidade e olho para o patinho de borracha super fofo. Adoro patos.

"Sim, é" - Decido responder sem muitas cerimónias. -"Mas que eu saiba isso não te diz respeito" - Entro na defensiva. Tentei procurá-lo depois de tudo, e nunca me deu uma chance. Passado tanto tempo, decide voltar ? O que se passou afinal ?

Olho para ele cruzando os braços e inclinando o corpo para um lado num sinal interrogatório.

Ele bufa e revira os olhos, senta-se no sofá sendo seguido pelo meu olhar pesado.

Retira os óculos, e é aqui que eu sei que a conversa vai ficar séria.

"Desculpa Ari, sei que não agi bem contigo." - Sei que aquelas palavras são um peso para Midorima, ele acha que tem sempre razão e nunca quer admitir os erros.

Um pedido de desculpas é quase como uma declaração de guerra interna para com ele mesmo.

Mas não dou parte fraca.

"Desculpa ? Desculpas, Mi? Considerava-te o meu melhor amigo, um irmão, e por um pequeno desentendimento entre o vosso grupinho de basquete sou esquecida ? Não, desculpas não vão ser o suficiente" - Declaro, como se um peso saísse do meu peito.

Ele baixa a cabeça e volta a colocar os óculos.

Um suspiro é ouvido e parece que ele tenta ganhar forças para continuar a conversa.

"Eu tentei, Ari." - sai da boca dele como um suspiro. - "Eu tentei, mas tudo o que me ligava a ti, fazia me lembrar deles" - Ele suspira mais uma vez - "Achas que queria me afastar de ti ? Ou achas que me aproximei de ti, só porque sim? Sabes perfeitamente que isso não combina comigo" - Ele parece cansado depois de o dizer.

Fico inundada nas minhas próprias reflexões. Midorima olha para mim com expectativa, à espera de uma resposta.

Apesar do carinho especial que tenho por ele, não sei se desculpas conseguem fazer com que o tempo volte. Não consigo imaginar.

"Não sei se as coisas conseguem voltar ao que eram." - Acabo por declarar, ciente da minha decisão.

Não é que não o perdoe, só acho que é impossível que aquela amizade volte a ser a mesma depois de tanto tempo separados.

"Imaginei que dissesse isso" - Ele ajeita os óculos e levanta-se, para minha surpresa a sua expressão é de como se já tivesse calculado todo aquele percurso.

"Hm?" - É a única coisa que escapa dos meus lábios enquanto o encaro, agora, tendo que levantar o queixo para conseguir olha-lo nos olhos.

"Sim, imaginei que dissesses isso" - Ele repete a frase anterior. Coloca a mão num dos meus ombros e diz - "Sei que te magoei, e sei que não me ias perdoar assim tão facilmente. No final, és igualzinha a ele Ari" - Ele diz referindo-se ao meu irmão.

Tinha uma tendência a dize-lo cada vez que nos desentendíamos. Nunca soube se era um elogio ou um um insulto, visto que ele e o meu irmão tem uma relação um tanto quanto esquisita.

Talvez fosse apenas uma constatação, no final das contas, eu e Aomine tínhamos várias parecenças.

Fico estupefacta à espera de respostas, mas a que ele me dá é vaga.

"Vou fazer com que as coisas voltem ao normal. E não falo da geração milagrosa. Falo de nós. Voltaremos a ser melhores amigos Ari." - ele declara. Dá duas batidinhas no meu ombro e segue para a porta.

Ao mesmo tempo em que ele saía, Aomine chegava a casa com o uniforme da escola desabotoado e a gravata mal posta. Típico.

Midorima encara-o com um pouco de desdém e Aomine parece estar a ver uma alucinação.

"Até ao próximo jogo, espero que já tenhas consciência da derrota" - Midorima declara e vai embora.

Olho para o meu irmão que ainda está pálido, provavelmente por achar que viu um fantasma.

"Ele... ele... vivo ?"  - Mine aponta para a porta, para ele e para o sítio onde Midorima estava há segundos atrás.

Rio-me do desespero do meu irmão e respondo.

"Sim, era o Midorima, e estava vivo, bem à tua frente"- Rio mais um pouco e ele parece voltar à normalidade.

Ri dele próprio e pergunta-me.

"O que fazia ele aqui ? Há muito tempo que não via o Midorima a sair aqui de casa, pensei que estavam chateados" - Ele espera por uma resposta.

"Nunca nos chateamos, mas ele deixou de me responder e procurar. Apareceu aqui em casa hoje e eu fiquei tão assustada quanto tu. Diz que vai reatar a nossa amizade" - eu digo e ele parece entender.

"Sou sincero mana. Sabes bem da forma que eu e ele convivemos. Não é que não goste do Midorima, pelo contrário, mas somos rivais natos e não conseguimos esconder, temos maneiras diferentes de pensar até na forma que jogamos" - Ele explica, e a minha felicidade aumenta gradualmente.

Há quanto tempo não tinha uma conversa assim com o meu irmão ? As coisas estariam mesmo a se acertar ?

Abano a cabeça para continuar a prestar atenção ao que me diz.

"Mas, és a irmã que ele sempre sonhou ter." - Aomine parece dizer com sinceridade.

Midorima é filho único de uma família rica. Quando ainda era pequeno a mãe teve uma segunda gravidez. Gerava uma menina, e ele seria promovido a irmão mais velho.
No entanto, houveram complicações no parto que fizeram com que a irmãzinha do Mi não sobrevivesse.
Aquela família ainda hoje é dotada de uma tristeza. É como se fosse incompleta.
Aomine sempre disse que Midorima me via como aquela menina, numa forma crescida, e agora repete as mesmas palavras.

"Ele tem um carinho especial por ti, és a única com quem ele é o verdadeiro Midorima e todos nós sabíamos e sabemos disso." - o meu irmão suspira e passa a mão na nuca. - "tenta ter um pouco de paciência com ele, sei que nunca faria nada propositadamente para te magoar"

Os meus olhinhos brilham a olhar para ele como se me tivessem oferecido a lotaria ali mesmo. Por momentos, vislumbrei o passado a correr pela minha casa.

O meu irmão parece aperceber-se da minha felicidade e, ao mesmo tempo, da maneira que estava a agir.

Ele coça a cabeça e ganha um ar desesperado.

"Mas não é que eu me importe, a vida é tua" - Ele dá de ombros e corre disfarçadamente para o quarto.

Fico na sala com um sorrisinho.

Afinal o destino lembrava-se de mim.

Aomine sisterOnde histórias criam vida. Descubra agora