3º capítulo: O que meu horóscopo diz

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A noite chega lentamente, meu dia de folga foi o de sempre, fiz o serviço da casa, limpei meu quarto, cuidei um pouco de mim, reguei os cinco vasinhos de planta que ficam na área da frente, quando fui colocar o lixo para fora, fiquei observando o casal de velhinhos que moram na casa da frente, acho-os tão fofinhos, um cuidando do outro, chamam-se Mauro e Deise, ás vezes vou visitá-los. Acho que esse momento foi o mais extraordinário do meu dia, no restante não teve nada de tão especial,

Geralmente, eu passo o dia quase todo sozinha, minha mãe tem uma escola de dança, ela sai para trabalhar às nove horas da manhã e só volta à noitinha, então aproveito para fazer coisas estúpidas como: cantar junto com a música que estou ouvindo, dançar desajeitadamente, fazer maquiagens extravagantes, caretas frente ao espelho, passar horas no celular falando com o Henrique, rir assistindo vídeos idiotas no celular e conversar comigo mesma.

 Já são mais de seis e meia da noite, eu estou debaixo do chuveiro, olho em minha volta, a minha frente está o vidro transparente enfumaçado com o vapor da água quente, a pequena janelinha que fica no alto da parede está fechada, aumentado a intensidade do vapor dentro do pequeno ambiente, o que me faz lembrar de uma cena de terror de um filme que assisti com minha mãe, faço o sinal da cruz e começo a cantarolar uma música cristã.

Meu banho está durando mais que o habitual, passo longos minutos saboreando a água morna caindo sobre meu corpo, levanto o pescoço, meu rosto fica exposto ao jato de água, abro um pouco a boca e sem querer, bebo uma pequena porção do líquido cristalino e morno, cuspo o restante que está na minha boca no azulejo branco da parede, eu acho divertido ficar muito tempo no banho, são momentos obtusos, despretensiosos, convencionais.

Quando finalmente, termino meu banho, pego a toalha rosa no porta-toalhas e me enrolo nela, abro o vidro do boxe e vou para a parte da frente, ali ficam o vaso, a pia e o balcão com produtos de higiene pessoal, ao lado do balcão, um pequeno armário, onde ficam guardados sabonetes, papel higiênico e shampoo. Meu banheiro segue a linha clean do meu quarto, todo branco e amarelo bebê. Enxugo meus pés no tapete em forma de rosa na porta e saio.

Agora estou no meu quarto, recostada na cabeceira da cama, a toalha ainda está enrolada no meu corpo, meu cabelo continua enfiado dentro de uma touca de plástico, que usei para molhá-lo na hora do banho, agilmente, eu deslizo meu dedo pela tela do celular, estou em busca de modelos de arranjos de flores, eu trabalho em uma floricultura e minha patroa havia me pedido para procurar fotos de novos modelos de buquê de flores, só fui lembrar desse pedido após sair do banho. Alguns ramalhetes são bem exóticos, outros mais parecidos com os que estou acostumada a fazer, salvo as imagens mais interessantes na galeria do celular, após essa difícil tarefa, levanto da cama, e vou até o guarda-roupa procurar algo para vestir. Neste momento minha mãe entra no meu quarto, ela ainda está com a roupa do trabalho, a calça legging preta e a camiseta cinza larga, o cabelo está amarrado em um rabo de cavalo, num suspiro cansado, ela se joga na minha cama. Eu pego uma camiseta branca e um shorts florido para vestir.

— O jantar está pronto, fiz purê de batata-doce, salada com grão-de-bico e frango grelhado.

Enquanto me visto, falo num tom sarcástico.

— Grão-de-bico deve ser ótimo.

Ela se levanta, caminha até a janela, enfia as mãos por entre as cortinas e a fecha, depois, vira-se para mim e pergunta:

— Por que você sempre esquece de fechar a janela?

Não sei o que responder, não é a primeira vez que ela chama minha atenção acerca da janela, neste momento, estou sem argumentos, meus lábios abrem e fecham sem que som algum saia da minha boca, penso por alguns segundos. Por fim, meio que balbucio:

— Bom... Eu ia fechar, é que antes, eu ia...

Ela não espera eu terminar minha resposta, levanta a mão e me interrompe:

 — Outra coisa, o grão-de-bico realmente é uma delícia e é ótimo para a saúde, tem MUUUUUITOS nutrientes! Vitamina C, ferro, vitamina B6, Magnésio, entre outras. Ah, não demore, eu vou tomar um banho rápido e jantaremos juntas.

Ela sai do quarto, eu coço a cabeça, pego meu ursinho que está sentado sobre a cama, o encaro e pergunto:

 — Sério que eu tive que ouvir uma explicação sobre o grão-de-bico? Jogo o bicho de volta a cama. Antes de sair do quarto, retiro a touca de plástico da cabeça e renovo meu rabo de cavalo.

Ao passar pelo corredor, ouço o barulho da minha mãe dentro do seu quarto, deduzo que ela ainda está se trocando, encosto-me na parede próximo à porta, e espero-a. Quando ela sai a porta, eu a surpreendo com um "huu" ela põe a mão sobre o peito, parece que realmente levou um pequeno susto.

— Para com essas brincadeiras, Sam. Ela reclama fingindo estar brava.

Embora minha mãe demonstre estar cansada, durante o jantar, ela me conta um pouco sobre o seu dia, fala sobre as dificuldades de alguns alunos e de duas novas alunas especiais que foram matriculadas, e de como são lindas.

— Vou fazer um intensivo com a Simone, ela é dançarina e psicopedagoga, você sabe, ela trabalha com crianças especiais. Acho que ela não vai cobrar tão caro, sei lá, talvez ela nem cobre nada, afinal somos amigas e trabalhamos na mesma profissão. Divaga minha mãe enquanto come mais uma porção de salada.

— Sei. Murmuro separando os caroços de grão-de-bico para um canto do prato.

— E o seu dia, como foi? Seu pai ligou? Ela pergunta.

— Não, o papai não ligou, mas minha folga foi ótima, conversei um tempão com o Henrique, ele me disse que eu devia fazer jornalismo, o que você acha?

— É uma ideia, acho que você tem desenvoltura. Ela observa meu prato e fala.

 — É para comer o grão-de-bico, certo, mocinha!

— Hunff! Resmungo num som gutural. Ela ri e maneia a cabeça. Nesse momento o celular dela toca. Meu movimento seguinte é automático, assim que ouço o som do celular, olho para ela, que com voz baixa, diz:

— Deve ser seu pai, meu celular está lá no sofá, pegue-o para mim, Sam.

Levanto-me atropelando a cadeira, que cai fazendo barulho, minha mãe reclama do meu jeito estabanado.

Corro até o sofá, pego o celular e desbloqueio a tela, vejo o rosto do meu pai, ele festa fazendo uma chamada de voz. Deslizo meu dedo e atendo.

— Pai! Exclamo sorridente.

 — Eu estou falando com a menina mais linda do bairro Santa Felicidade? A voz grave e forte me emociona, eu estou falando com meu pai, o homem que eu mais admiro no mundo.

— Sim, pai, você está falando comigo, com sua filha. Eu estou morrendo de saudades! Por que você não fez chamada de vídeo? Reclamo.

— Oras, para te deixar com mais saudades. Sua mãe está aí? Ele pergunta.

— Sim, estamos jantando, eu vou passar o telefone para ela.

— Oh, querida, desculpa, estou atrapalhando o jantar de vocês.

— Para, pai, você nunca atrapalha, te amo muiiiito, vou passar o telefone para a mamãe. Beijos, beijos, beijos.

Volto para a mesa e entrego o celular para minha mãe, ela se levanta e caminha em direção a sala, dou uma olhada indiscreta, como sempre, a conversa entre os dois é particular.

O que meu horóscopo dizOnde histórias criam vida. Descubra agora