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LATIDOS E ORGASMO
Uma semana se passou e Qing tinha voltado para Nova York.
Eu já sentia muita falta dela. A única razão pela qual eu não tinha ido visitá-la era que agora Chao morava lá com SuShe.
Embora fosse extremamente improvável que eu o encontrasse, ainda não estava preparado para visitar o território deles.
O Artista Nervosinho e eu não nos encontramos desde o incidente quando Qing estava aqui. Apesar de não o ter visto por ali, seus cachorros me acordavam quase todas as manhãs latindo como se fossem explodir. Como eu trabalhava no programa vespertino no Centro da Juventude, minhas manhãs eram livres. Era comum eu ter dificuldade para dormir à noite e precisar das manhãs para recuperar as horas de sono.
Estava pensando seriamente em quando chegaria o momento em que eu não aguentaria mais os latidos. Se um cachorro não estava latindo, o outro estava. Na maioria das vezes, era um coro de latidos em uníssono. Eu não me importava com o quanto ele era intimidador e lindo. Precisava falar com o vizinho.
Terça-feira de manhã, me arrastei para fora da cama e vesti um moletom. Me arrumei um pouco antes de ir bater à porta dele.
Ele a abriu vestindo uma camiseta branca e justa. O cabelo estava desgrenhado.
— Posso ajudar?
— Preciso falar com você sobre os cachorros.
— Quê? Sem cestinha de muffins?
— Não rolou. Desculpa. Não tenho energia para cozinhar, já que não consigo dormir por causa dos latidos incessantes dos seus animais.
— Não tem nada que eu possa fazer. Já tentei de tudo. Eles não calam a boca.
— E aí, o que os outros devem fazer, então?
— Não sei. Descolar protetores de ouvido?
— Sério. Deve ter alguma coisa que você possa fazer.
— Além de pôr uma focinheira neles, o que não vou fazer, não, não tem. De qualquer forma, está ouvindo os latidos agora?
Por algum motivo, eles tinham parado.
— Não. Mas é raro eles ficarem quietos assim de manhã, e você sabe disso.
— Olha, se quiser reclamar com o síndico, fica à vontade. Eu não posso impedir. Mas não tem nada que eu já não tenha tentado para fazer os cachorros pararem de latir. Eles têm vontade própria.
— Bom, então é isso que vou ter que fazer. Obrigado por me obrigar a recorrer a isso. Muito obrigado por nada.
Eu me afastei e ouvi a batida da porta pouco depois.
Quase no mesmo instante em que entrei no meu apartamento, os latidos recomeçaram.
Deitado na cama, eu sabia que só havia uma coisa que poderia fazer para relaxar o suficiente e dormir, mesmo com os latidos. Apesar de não querer recorrer a eles, peguei meus fones de ouvido com redução de ruído e os coloquei nas orelhas para diminuir um pouco o barulho. Mesmo sem música, eles ajudavam. Mas eu dormia de lado. Os fones só resolviam quando eu estava deitado de costas. E eu só deitava nessa posição quando me masturbava. E por que de repente eu estava pensando no Artista Nervosinho? Infelizmente, pensar em me tocar trouxe imediatamente imagens indesejadas dele. Eu não queria pensar nele desse jeito. Ele era um idiota e não merecia ser objeto da minha vontade. Mas ele cheirava muito bem, uma mistura de especiarias, almíscar e homem. Não dá para controlar o que fantasiamos. O fato de ele ser grosso e inacessível o tornava ainda mais elegível como objeto dos meus pensamentos proibidos. Aprendi na aula de psicologia na faculdade: a supressão geralmente leva à obsessão. Se você disser a si mesmo para não pensar em alguma coisa, vai pensar nela ainda mais.
Deslizei as mãos para dentro da cueca e comecei a massagear meu pênis. Deus, eu nem sabia o nome dele. Isso era doentio, mas nesse momento não tinha importância.
Pensei nele em cima de mim, entrando em mim, me fodendo com raiva. O tempo todo, a sugestão dos latidos continuava ao fundo enquanto eu balançava para a frente e para trás, me levando a um dos clímax mais arrasadores que eu já tinha experimentado.
Depois consegui dormir por uma hora.
O sol do meio da manhã entrava pela janela. Abri os olhos meio atordoado e notei que o latido havia parado. Os animais deviam ter saído para passear.
Faltavam algumas horas para eu ir trabalhar, então decidi procurar o número de telefone do proprietário do prédio.
Havia um escritório da administração no edifício, mas a mulher que trabalhava lá era bem relapsa. Desconfiei de que ela não levaria a sério minha queixa sobre os latidos e achei melhor ir procurar diretamente quem tinha o poder de resolução. Eu só tinha mantido contato com a mulher da imobiliária que cuidava do aluguel e nunca tinha falado com o síndico.
Uma busca na internet me deu o nome L.W. , LLC. Havia um número de telefone para contato, mas a ligação caiu em uma caixa de correio de voz com uma saudação automática. Eu queria falar com alguém, então desliguei sem deixar recado. Percebi que o endereço listado ficava no primeiro andar desse prédio. Decidido a ir até lá.
Bati à porta, respirei fundo e esperei. Quando a porta se abriu, quase caí ao vê-lo.
O Artista Nervosinho estava ali parado, sem camisa e com aquela maldita touca de novo. Meu coração disparou. Seu peito esculpido estava coberto de suor e juro que fiquei com a boca cheia d’água.
— Posso ajudar?
A mesma pergunta que ele havia feito ao abrir a porta do apartamento. Isso parecia um déjà-vu, um episódio de Além da imaginação,  ou um pesadelo em que, independentemente de que porta eu abrisse, ele estaria lá.
— O que está fazendo aqui?
— Isto aqui é meu.
— Não. Seu apartamento é vizinho ao meu.
— Isso. Aquele é o meu apartamento. Aqui é o meu estúdio e academia.
— Este endereço é do síndico.
Um sorriso irônico surgiu no rosto dele. De repente, eu me senti a pessoa mais burra do mundo quando entendi tudo: ele era o síndico. Foi por isso que o idiota me incentivou a fazer uma reclamação formal.
— Você é L.W. ...
— Isso. E você é Wei Wuxian. Excelente histórico de crédito, ótimas referências... reclama de tudo o tempo todo.
— Bom, isso explica muita coisa... por exemplo, não encarar as consequências por descaracterizar a propriedade e ser um babaca com os vizinhos.
— Eu dificilmente compararia minha arte criativa com uma descaracterização de propriedade. Você não deu uma olhada no bairro? É uma meca da arte. Meu mural não é o único, longe disso. E você está exagerando com relação aos cachorros. E aí, quem é babaca nessa situação? Discutível.
Atrás dele, dava para ver várias telas pintadas com spray, um banco de supino e outros aparelhos de musculação.
— Onde os cachorros estão agora?
— Cochilando.
— Cães cochilam?
— Sim, eles cochilam. Estão recuperando o sono perdido.
Porque sua chatice os manteve acordados hoje de manhã.
Ele abriu um sorriso. Isso me fez perceber quanto estava se divertindo com essa conversa.
— Esse L é de  lunático?
Ele não respondeu imediatamente e nos encaramos por alguns instantes antes de ele dizer:
— O L é de  Lan.
Lan.
Claro que ele também tinha que ter nome de gostoso.
— Lan... como daquele Dorama The Untamed? Combina.
Olhei em volta. — Por que fornece esse endereço para os inquilinos?
— Ah, não sei. Talvez eu não queira gente maluca que me compara a um personagem aparecendo na minha casa a qualquer hora.
Não consegui segurar o riso. Essa causa era perdida.
— Tudo bem. Bom, é óbvio que essa conversa não vai servir para nada, então curta seu treino.
Naquela tarde, membros da Sinfônica de São Francisco fizeram uma visita ao Centro da Juventude. Eles fizeram um pequeno espetáculo só para nós. Ver o sorriso no rosto das crianças enquanto brincavam com os instrumentos sofisticados serviu para me lembrar de quanto eu amava o meu trabalho.
Enquanto todos estavam atentos aos convidados, notei uma das adolescentes, Ariel Sandoval, escondida em um canto com um celular. Os dispositivos eram contra as regras do Centro, já que este deveria ser um local de aprendizado. Os adolescentes que tinham celular precisavam deixar o aparelho em um recipiente na recepção, onde os pegavam de volta na saída.
— Ariel, tudo bem? Você deveria estar com todo mundo.
Ela balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Desculpa. Sei que não devia estar com o celular, mas preciso dele. E não, não estou bem.
Eu me sentei no chão ao lado dela. O chão estava frio.
— O que aconteceu?
— É o Kai. Estou olhando o Facebook para ver se alguém o marcou em alguma foto.
O namorado dela, Kai, também era frequentador regular e jogava no time de basquete do Centro. Várias meninas gostavam dele. Quando eu descobri que Ariel e Kai estavam namorando, isso me preocupou, não só por causa da idade . Eles tinham quinze anos – mas por causa da popularidade de Kai.
Então, não foi nenhuma surpresa quando ela disse:
— Acho que ele está saindo com outra pessoa.
— Como você sabe?
— Ele não veio para cá depois da escola na semana passada e meu irmão disse que viu o Kai no shopping com uma garota.
Meu coração ficou apertado. Eu queria dizer que ela provavelmente estava certa, mas não sabia se ela estava emocionalmente preparada para ouvir isso.
— Bom, não tire conclusões precipitadas até falar com ele, mas vocês precisam conversar. É melhor saber logo do que ser surpreendida depois. Não vai querer perder tempo com alguém que não é honesto.
Eu sei bem disso.
Mesmo que tecnicamente Chao não tenha me traído fisicamente, ele foi emocionalmente desonesto.
Ariel enxugou os olhos e se virou para mim.
— Posso te perguntar uma coisa?
— É claro.
— O que aconteceu entre você e Chao?
Senti uma pontada no estômago. Não estava esperando que ela tocasse no assunto e essa era uma história muito longa para ser reescrita.
Wen Chao era o conselheiro favorito de todos. Quando ele saiu do Centro, as crianças ficaram arrasadas. Todos por aqui sabiam que éramos namorados; todo mundo torcia muito por nós e acompanhava nossa história.
— Quer saber por que terminamos?
— Sim.
Se eu fosse resumir tudo em uma única frase, só havia uma resposta.
— Ele se apaixonou por outra pessoa.
Ariel parecia confusa.
— Como é possível estar apaixonado por uma pessoa e simplesmente se apaixonar por outra?
Ah, a pergunta do ano.
— Também estou tentando entender, Ariel.
— Eu lembro como ele era com você. Pareciam apaixonados.
— Eu achei que estivéssemos — sussurrei.
— Acha que ele não te amava mesmo... ou só amava mais a outra pessoa?
Era como se essa garota de quinze anos tivesse vasculhado minha alma e escolhido exatamente a pergunta que eu mais fazia a mim mesmo. Queria ser honesto com ela.
— Não sei se existem níveis diferentes de amor, ou se ter me deixado significa que ele nunca me amou. Não entendo se é possível simplesmente deixar de amar alguém. Estou tentando esclarecer essas mesmas dúvidas. Mas o importante é que, se alguém está te traindo, essa pessoa não te ama.
Ela olhou para o nada.
— Sim.
Bati de leve meu ombro no dela e sorri.
— Mas quer a boa notícia? Você ainda é muito jovem e tem tempo de sobra para encontrar o cara certo, se não for o Kai.
Você está em uma idade muito difícil agora, provavelmente a fase mais difícil da sua vida. Você e ele são puro hormônio e estão começando a descobrir quem são.
— E você?
— Eu o quê?
— Encontrou outra pessoa?
— Não. — Fiz uma pausa e olhei para os meus sapatos. — Não sei se vou.
— Por que não?
Como eu poderia acabar com as esperanças dessa menina?
Como poderia admitir em voz alta que não seria capaz de confiar em outro homem de novo? Esse problema era meu e não queria contagiá-la com a minha nuvem sombria de dúvida.
— Sabe de uma coisa? Tudo é possível, Ariel. — Sorri.
Que bom seria se eu acreditasse no que dizia.
....

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