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O JOGO DA PAQUERA
O vapor invadiu a cozinha quando Wangji tirou as duas pizzas do forno. Não deu para não admirar a curva daquela bunda quando ele se abaixou.
Cravando os dentes no lábio inferior, eu disse:
— Isso parece muito bom.
— Espere até provar.
Aposto.
Segura essa sua cabeça, Wuxian .
Pigarreei.
— Muito confiante em suas habilidades culinárias, hein?
— Pizza é como sexo. É difícil dar errado.
Rindo, eu disse em voz baixa:
— Eu realmente não lembro.
— Tanto tempo assim?
O calor se espalhou por minhas bochechas.
— Eu nem percebi que tinha dito isso em voz alta.
Ele apontou as orelhas.
— Audição supersônica, lembra?
— É isso aí.
— Então faz tempo?
— Bom, um ano, desde o meu rompimento. Não fiquei com ninguém depois dele. E só tive dois homens na minha vida.
— Ao mesmo tempo, imagino?
— Não. — Peguei o guardanapo ao meu lado, amassei e joguei nele. — Aquilo era só um livro, Wangji!
— Não quer mesmo ser vendado enquanto leva um pau na bunda e outro na boca?
— Não, não quero.
— Estou só brincando com você. Se todo mundo levasse a sério as coisas que fantasia para pegar no tranco, eu seria uma trepada bem doente.
— Não quero saber. — Balancei a cabeça e suspirei.
— Por que o suspiro? — ele perguntou ao colocar um prato de pizza na minha frente.
— Você sabe muito sobre mim, Wangji .
— Por acidente, sim.
— Ainda assim. — Eu soprei a pizza e pus um pedaço na boca. — Você me deve essa. Eu quero saber umas sujeiras suas. Conta alguma coisa que eu não sei.
— Seu aluguel vai aumentar em janeiro.
Eu estava com a boca cheia.
— Você está falando sério?
— Na verdade, estou. Os impostos sobre propriedade aumentaram muito. Não tenho escolha, vou ter que aumentar cinquenta dólares para todo mundo.
— Que merda. Mas não era esse tipo de informação que eu queria. Talvez a gente possa negociar. — O jeito como falei deu a impressão de que eu estava dando em cima dele. Não era nada disso.
Deus, eu esperava que isso não pegasse mal.
Ele riu e soprou a pizza.
— Sabe o que você é,Wei Wuxian ? Você é como pizza. Gostoso... mas faz mal para mim em grandes quantidades.
Tentei mudar de assunto, mas a única coisa que consegui falar foi:
— Você acha que sou maluco, não é?
— Não. Eu sei que você não é realmente louca. Quando liguei para o Centro da Juventude para confirmar seu emprego, não conseguia desligar. Eles não paravam de falar sobre como você é maravilhoso com as crianças de lá. Percebi que você era uma boa pessoa. Mesmo quando estava torrando meu saco por causa dos cachorros, nunca pensei que fosse uma pessoa ruim.
— Eu não sabia que tinha ligado para o meu trabalho.
— Eu confirmo as referências de todo mundo que vem alugar um apartamento aqui. Eu não quero o estresse de ter que lidar com um despejo. Mas até pessoas legais às vezes aproveitam.
— Não pagam o aluguel, por exemplo?
— Sim... mas uma coisa é não poder pagar. O que me irrita é quando atrasam o pagamento e acabaram de comprar um carro novo, ou saem todas as noites para comer. Essa é uma das vantagens de morar no prédio onde você aluga. Eu vejo tudo que acontece. Se você já me viu perdendo a cabeça com alguém aqui, foi só porque me irritaram dizendo que não podiam pagar o aluguel quando estavam dirigindo um carro melhor do que o meu.
— Eu achava que era só grosseria. Tirei conclusões sobre você antes de saber certas coisas. Espero que me perdoe.
— Ah, não, eu gostava muito de ser chamado de Artista Nervosinho.
Eu quase perguntei como ele sabia disso, mas percebi que seria uma pergunta idiota. Os olhos dele estavam cravados em mim mais uma vez. Tive que desviar o olhar.
Eu desconfiava que Wangji era um homem de muitas camadas. Queria descascá-las devagar. Fazia muito tempo que eu não queria saber tudo sobre alguém. Era assustador o
Quanto ele sabia sobre mim, no entanto.
— Você acha que sou patético? — perguntei de repente.
— Por quê?
— Depois de todas as coisas que ouviu...
— Não. Não mesmo. Tem todo o direito de ficar chateado com o que seu ex fez com você. O cara dizia que te amava. Ele te fez acreditar em certas coisas. Fez promessas que não cumpriu. Isso não se faz com ninguém.
— Você nunca disse a Yu Bin que o amava?
— Não. Nunca. E também nunca prometi nada a ele. Não faço promessas que não posso cumprir. Essa é a diferença entre mim e ele. O problema é que você está deixando os erros dele refletirem em você. Você não fez nada de errado, só foi um namorado amoroso. Ele não te merecia.
Meu coração de repente parecia pesado.
— Obrigado por dizer isso.
— Mas você precisa seguir em frente.
É claro que eu sabia que precisava superar os meus problemas com Chao. Era mais fácil falar do que fazer.
— Acho que não sei como.
— Pare de se concentrar nisso. Pare de dar poder a isso. Você precisa de distrações para sair dessa. Tem que sair. Entrar no jogo da paquera.
— É exatamente a isso que me refiro quando digo que não sei fazer essas coisas. Eu nunca paquerei.
Wangji me olhou incrédulo.
— Como isso é possível?
— Eu tinha terminado com meu namorado do ensino médio havia alguns meses quando Chao foi trabalhar no Centro da Juventude. Chao e eu nos tornamos amigos e depois isso acabou se transformando em algo mais. Fui de um relacionamento sério para outro. Literalmente, nunca paquerei. Eu nem sei como as pessoas paqueram hoje em dia.
Você vai a bares? O que faz para conhecer pessoas?
— O que eu faço... ou o que a maioria das pessoas faz?
Porque eu só preciso... existir. Homens e mulheres correm atrás de mim.
— Sério?
— Estou brincando. Mais ou menos. — Ele piscou. — Alguém como você? Acho que deve paquerar on-line. Mas só encontre pessoas em lugares públicos. Caso contrário, é muito arriscado.
— Eu nem saberia por onde começar.
— Vai levar uns dez minutos. Você só precisa de uma foto para criar um perfil. — De repente, ele se levantou.
— Aonde você vai?
— Pegar meu notebook. Vamos fazer isso agora.
Eu esperava que meu rosto não demonstrasse a decepção.
Odiava me sentir assim, mas estava chateado por Wangji me leiloar assim tão depressa. Basicamente, isso fechava a porta para qualquer possível interesse em mim antes mesmo de a porta abrir, eu acho.
— O que você é... meu cafetão?
— Não, mas você parece não ter noção, acho que precisa de ajuda. Estou me oferecendo para te ajudar a começar. A menos que não queira a minha ajuda.
Bom, se ele não estava interessado em mim, melhor deixá-lo me ajudar.
— Acho que não tenho nada a perder.
— Tudo bem, então. — Ele acessou o site e foi digitando enquanto falava. — Seu nome de usuário é WWuxian e sua senha é fire3... já que você gosta de ménage à trois.
— Muito obrigado. Vai ser fácil de lembrar.
Babaca.
Ele continuou inserindo informações.
— Nome... Wuxian . Idade... — Wangji olhou para mim.
— Vinte e cinco.
— Altura?
— Um metro e setenta e três.
— Peso?
— Eles perguntam isso?
— Perguntam, mas você não precisa informar.
— Pula... por questão de princípio.
— Número da cueca?
— Eles perguntam isso?
— Não.
— Babaca. — Sorri.
Wangji continuou inserindo meus dados.
— Cabelo...preto. Olhos... azuis. Ah, agora são as perguntas sobre personalidade. Hobbies e interesses?
— Ler...
— Claro. Ler sobre ménage! — Depois de digitar, ele tocou nas teclas para apagar a última parte. — Muito bem. Ler. Algo mais?
— Trabalhar com crianças, fazer caminhadas e viajar.
Continuamos respondendo às perguntas enquanto eu tentava não parecer chata. A última pergunta era a mais superficial.
— Como você se classificaria em uma escala de um a dez para capacidade de atrair fisicamente?
— Não consigo me classificar.
— Dez — ele respondeu rapidamente.
— Dez?
— Sim.
— Está brincando?
— Não, não estou. Mas é o seguinte: mesmo que não se considere um dez, você ainda deve colocar dez porque isso transmite confiança. Confiança é sexy. Mas, no seu caso, você é realmente dez. É mais que bonito.
— Obrigado. — Eu me derreti.
— Você tem sorte por ser atraente. Ajuda a equilibrar a loucura. — Ele piscou.
— Obrigado. — Dei risada, depois pigarreei. — Qual é a próxima?
— Seu perfil está pronto. Só precisamos carregar uma foto.
Tem alguma no celular que queira usar?
Dei uma olhada nas fotos e, para minha surpresa, não tinha nenhuma boa e só minha nos últimos seis meses. Todas as fotos decentes em que eu aparecia sorrindo ou eram com Chao.
— Gosto dessa, mas tem ele também — falei e entreguei o telefone.
— Esse é ele?
— Sim.
— Hum. — Ele coçou o queixo enquanto examinava a foto e disse: — Você podia ter arrumado coisa melhor. De qualquer maneira, dá para cortar.
— Você consegue?
— Sim, é fácil. — Wangji começou a mexer na foto.
— Pronto. Viu? — Ele virou o telefone para mim. — Não dá nem para perceber que ele esteve aí, exceto por aquele pedaço de preto. Parece um suéter em cima do seu ombro.
Senti uma estranha satisfação ao ver Chao reduzido a uma mera peça de roupa.
— E agora?
— Agora você tem que entender como usar. Posso criar uma conta, se quiser, e podemos fingir uma conexão para você ver como funciona.
Fingir uma conexão. Era bobagem minha pensar que, de alguma forma, já estávamos conectados? — Seria legal. Assim não faço papel de bobo depois.
— Bom, isso ainda pode acontecer.
Observando Wangji enquanto ele criava sua conta, notei que ele sempre lambia o lado da boca quando se concentrava.
Cada vez que ele movia a língua, eu sentia um arrepio.
Definitivamente, não me importaria de lamber aquele lugar para ele.
Ele virou o computador para mim.
— Pronto. Acabei de ativar a sua conta e a minha. A gente pode testar gratuitamente por trinta dias. Depois disso, são quarenta e cinco dólares por mês. Você usa o computador e eu vou usar meu iPad.
Uma notificação apareceu na minha tela.
— Você acabou de me cutucar?
— Não.
— Alguém me cutucou!
— Pode acreditar, você saberia se eu te cutucasse.
— É sério. Alguém acabou de me cutucar.
— Ignora.
— Por quê? Estou vendo agora. O nome dele é Jonathan. E
Não é tão feio.
— Você ativou a conta há segundos. Ele não teve tempo para ler todo seu perfil. Está te cutucando só porque você é bonito. Ele só quer uma coisa... te comer. Fica longe dele. Vou mandar uma solicitação para conversar.
Uma foto de Wangji apareceu na tela. Foi tirada no banheiro dele. Uma selfie muito boa, com a luz brilhando no ângulo certo em seus olhos, dando a impressão de que brilhavam. Ele era lindo.
— Acabei de aceitar o seu pedido.
Wangji: Oi.
Wuxian : Oi.
Wangji: Você é muito bonito.
Wuxian : Você também não é de se jogar fora.
Ele espiou por cima do computador.
— Não retribua o elogio tão depressa. Você já está em vantagem. Não precisa lamber o cara, principalmente alguém que já começa com uma cantada.
Wuxian : Mentira. Você é horrível.
Wangji: Esse chat é meio irritante, não é? Pode me dar seu número de telefone para a gente conversar?
Wuxian : Claro. É 95...
Ele me interrompeu.
— Não dá o número ainda. Ele pode ser um psicopata.
Melhor não dar informações pessoais.
Eu ri.
— Acho que ele é um psicopata.
Wuxian : Desculpa, meu cafetão falou que é cedo para te dar meu número.
Wangji: Talvez a gente possa se encontrar, então? Eu posso ir te buscar.
Wuxian : Na verdade, prefiro te encontrar em algum lugar.
— Bom, garoto. Não caiu na minha armadilha.
Wangji: Claro. O que acha do restaurante no Westerly Hotel?
Wuxian : Acho legal.
Ele abaixou o iPad frustrado.
— Não. Você escolhe o lugar. Você não sabe que motivos ele tem para escolher um hotel. Pode estar pensando em jogar alguma coisa na sua bebida e levar você para um quarto, ou alguma porcaria assim. É sempre você que escolhe.
Wuxian : Pensando bem, prefiro um lugar diferente.
Wangji: É só me dizer onde.
Wuxian : Que tal o Starbucks na Powell Street no centro da cidade?
— Boa. Um café não é muito comprometedor.
Wangji: Ok. Sábado às três?
Wuxian : Combinado.
Wangji: Vou ficar esperando. Te vejo lá, então.
— Ah, foi muito fácil — eu disse.
— Você vai se acostumar. Fique sempre no controle da situação. Você toma as decisões.
— Posso te fazer uma pergunta?
— É importante?
— Provavelmente não.
— O que é?
— Como eu vou saber que o cara não é uma pessoa ruim?
— Você não tem como ter certeza. Use o seu instinto da melhor maneira que puder. E pegue o nome completo. Eu pago um serviço de verificação de antecedentes. Vou fazer a mesma coisa que faço com todos os inquilinos para ter certeza de que qualquer cara com quem você saia seja de verdade.
— Você faria isso por mim?
— Para que servem os amigos?
— Ah... nós somos amigos? — brinquei.
— Sim. Por que não?
E aí estava: a confirmação definitiva de que Wangji não queria nada comigo.
Devolvi o notebook para ele e disse:
— É melhor eu ir para casa. É tarde.
— Ah, espera. Antes de ir... — Ele foi até a cozinha e desligou o forno elétrico da tomada antes de oferecê-lo a mim. — Pega.
— Está me dando o seu forninho?
— Eu não uso muito. Tenho a impressão de que é a única coisa que você usa na cozinha. Acertei?
— Basicamente, sim.
— Então, pega.
Eu peguei.
— Obrigado, eu vou devolver.
— Não precisa. Se eu tiver que assar alguma coisa, vou lá bater na sua porta. Com força.  Caso você esteja com um livro de ménage no banheiro.
Eu revirei os olhos.
— Obrigado novamente pelo jantar.
— Bons sonhos, Wuxian .
Quando voltei ao meu apartamento cheio de fumaça, não conseguia tirar o sorriso do rosto. E também não conseguia deixar de desejar que o encontro de sábado com Wangji fosse de  verdade.

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