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TRETA DE BÊBADO
As coisas mudaram depois da noite em Santa Cruz.
Wangji  tentava fingir que nada tinha acontecido, mas eu simplesmente não conseguia.
Irritado com a incapacidade de controlar meus sentimentos, decidi que evitá-lo seria melhor do que tentar lidar com a situação. Eu não queria mais que ele testemunhasse minha fraqueza.
Quando ele ligava para me convidar para o café da manhã, eu inventava uma desculpa. Quando ele aparecia, era frio até ele desistir e ir embora.
Os cachorros estavam latindo mais do que nunca. Eu sabia que eles tentavam me fazer aparecer, e doía, porque eu sentia falta deles. E sentia falta dele também. Eu não sabia como ficar perto dele sem sentir a tristeza de sua rejeição.
Continuar a ser seu amigo parecia impossível porque eu tinha certeza de que estava me apaixonando por ele.
Um dia, meu telefone apitou de manhã.
Wangji : Os cachorros sentem sua falta.
Wuxian : Eu sinto falta deles também.
Wangji : Não é justo o que está fazendo com eles. Não pode só vir vê-los por cinco minutos?
Wuxian : Não posso.
Wangji : Não são só eles. Também sinto sua falta.
Wuxian : Desculpa.
A cada dia, a dor ficava pior. Era o mesmo tipo de desespero que a gente sente depois de um rompimento, mas, neste caso, não houve nenhum relacionamento romântico, é claro.
Depois de algumas semanas, eu basicamente cheguei ao fundo do poço.
Era tarde da noite de uma sexta-feira, e eu decidi que ia fazer para mim um coquetel sobre o qual tinha lido em um dos meus romances. O nome era Weeping Orgasm. Os ingredientes eram vodca sabor blueberry, Sprite e frutas vermelhas frescas.
Depois de beber três deles, eu estava basicamente doido.
Sentindo os efeitos da coragem líquida, abri o site de namoro no qual Wangji  me inscrevera quando nos conhecemos e decidi brincar com ele.
Para dar risada, procurei o perfil Wangji  On-line e vi que estava ativo. Isso significava que, embora o teste gratuito tivesse terminado, ele mantinha a assinatura paga. Também significava que, embora preferisse não ter nada comigo, ele estava usando o site para conhecer outras pessoas.
Meu sangue ferveu. Minha cabeça já estava confusa com o álcool, mas agora parecia girar. Ele me rejeitava o tempo todo, mas estava ali atrás de sexo. Eu ia mostrar para ele.
Eu cliquei na opção de enviar uma mensagem e digitei.
Quer trepar?
Meu coração batia acelerado. Ele provavelmente nem veria isso hoje. O pontinho verde que eu veria, se ele estivesse on-line, estava cinza.
Voltei imediatamente para tentar deletar o que eu havia escrito, mas não tinha essa opção para mensagens enviadas.
Olhei com mais atenção para o que eu tinha enviado e percebi que não tinha ido como eu queria. O corretor automático havia mudado a mensagem para:
Quer tretar?
Ótimo. Que maravilha. Além de fazer o papel da bêbado ridículo tentando provar alguma coisa, a mensagem nem faziansentido.
Fechei o notebook me sentindo derrotado e quase desmaiei.
Algum tempo depois, o barulho da batida da porta da frente me fez levantar da cama.
Wangji  andava lentamente em minha direção, enquanto eu recuava me afastando dele.
Meu coração estava acelerado.
— Como entrou aqui?
Wangji  mostrou a chave. Acho que era uma pergunta idiota, já que ele era dono do prédio.
Ele me encurralou contra a parede.
— Você me mandou uma mensagem dizendo para vir trepar com você?
— Tecnicamente, era tretar.
— Tecnicamente, você está bêbado.
— Tecnicamente, você pode estar certo. — Eu ri.
— Você está fedendo a álcool, Wuxian . Acha isso engraçado? Ficar chapado sozinho desse jeito? Falando essas coisas para mim?
— Não, eu não acho.
— Acha que é tudo piada, que pode me dizer essas coisas e que não tem nenhum efeito sobre mim? Estou precisando de toda energia do meu corpo para não aceitar a oferta agora mesmo, te empurrar contra essa parede e te foder muito por ter sido uma cretina nas últimas duas semanas.
— Era o que eu queria.
— Se eu tivesse camisinha e você não estivesse bêbado como está, eu até poderia. E isso me assusta. É esse tipo de descontrole que você provoca em mim.
— Vem.
— Não vou tocar em você nesse estado.
— Não vai tocar em mim, ponto-final — falei com amargura.
— É isso que você pensa? Não tem ideia de quanto estive perto de perder a cabeça, quantas vezes. Não tem a menor ideia.
— É mesmo. Quando?
— Naquele dia em que você apareceu cheirando a bacon, por exemplo. Não pensa que eu não sei no que você está pensando quando olha para mim. Você é transparente, e isso me deixa louco.
— Como assim?
— Eu estava seminu quando abri a porta naquele dia, lembra? Você me comeu com os olhos. Eu queria rasgar a sua camisa mais rápido que os cachorros rasgaram.
— Tem mais?
— Naquela noite em que eu cortei a camiseta do babaca para tirá-la de você. Queria cortar todo o resto e transar com você até acabar com todas as lembranças dele, ali mesmo na bancada da cozinha. Depois queria te vestir com a minha camisa e transar com você de novo. Quer que eu continue, não é?
— Quero.
Deus, ele estava me excitando.
— Quando nos beijamos, pensei que nunca conseguiria parar. Não foi o meu primeiro beijo, mas foi o melhor, Wuxian . O melhor. Eu não queria que acabasse.
Suspirei.
— Sei.
— E o que vou dizer agora... só vou admitir porque você está bêbado e não vai se lembrar disso amanhã.
— O que é?
— Quando você lambeu a ponta daquela porra de corn dog…Eu queria que fosse o meu pau na sua boca. Queria muito. E estou com uma ereção agora só de pensar nos seus lábios em volta do meu pau. Lembra como eu fui procurar um banheiro depois do almoço naquele dia? Eu fui me masturbar porque eu não conseguia parar de pensar em você enfiando o meu pau na boca.
— Uau.
— Então, é isso. Acha que eu não quero você. Isso não poderia estar mais longe da verdade. Estou sempre a um segundo de perder a cabeça.
Não me pergunte o que me fez dizer o que saiu da minha boca em seguida. Vamos dizer que foi culpa do álcool.
— Eu sonho com a marca da sua bunda.
Ele recuou um pouco e arregalou os olhos.
— O quê?
Percebendo o erro que tinha cometido, tentei me salvar.
— Você tem uma bunda incrível.
— Não foi isso que você disse. Como sabe que tenho um sinal de nascença?
— Ah...
— Que porra é essa, Wuxian ?
— Eu vi sua bunda.
— Bom... acho que perdi alguma coisa, porque nunca mostrei minha bunda para você.
— Eu sei.
— Então, como você viu? — Eu não respondi, e ele insistiu: — Wuxian ...
Eu havia me colocado em um beco sem saída, tanto no sentido literal quanto no figurado, e não tinha escolha senão dizer a verdade.
— Tudo bem. Então, você sabe, eu estava cuidando dos cachorros. Drewfus foi para baixo da sua cama. Eu estava tentando tirá-lo. Tinha uma caixa. — Engoli em seco. — Eu... Abri. Só queria saber mais sobre você. Eu errei. Não devia ter bisbilhotado, mas estava curioso. Tinha um disco com a palavra Jamaica na caixa. Nunca nem sonhei que fosse um vídeo de sexo. Vi algumas cenas. Desculpa. Isso foi um erro.
Seguiu-se um longo e desconfortável silêncio. Ele parecia atordoado, e isso fez com que eu me sentisse muito pior.
Fala alguma coisa.
Ele finalmente aproximou o rosto do meu e sussurrou:
— Sua coisinha pervertidazinha.
Fiquei esperando que ele dissesse mais alguma coisa.
Respirando de maneira irregular, fiquei encostado na parede com o rosto dele quase colado no meu.
Depois de vários segundos de silêncio, ele simplesmente recuou, saiu e bateu a porta.

— Você não teve mais notícias dele?
— Não. A última coisa que ele fez foi me chamar de coisinha
“pervertidazinha” antes de voltar para o apartamento dele naquela noite. Já faz uma semana e nada.
— Ai.
— É. Por favor, me lembra de nunca mais beber daquele jeito de novo. É o tipo de coisa que nunca acaba bem.
— Muito estranho ele ter admitido todas essas coisas, que queria enfiar o pau na sua boca e outras coisinhas, e depois chamar você de pervertido por ter visto um vídeo acidentalmente.
— Eu não assisti acidentalmente a cinco minutos inteiros, Qing. Ele tem razão. Foi uma invasão de privacidade. Não tem desculpa.
— E agora?
— Vou tentar superar tudo isso. Tentar superar ele de uma vez por todas. Que escolha eu tenho?
— Ainda está saindo com aquele cara, o Brian?
— Não. Ele desistiu de mim. Tudo bem. Ele era um cara legal, mas eu não estava a fim dele.
— Você não está a fim de ninguém que não seja o Wangji .
— Bom, isso vai ter que mudar. Vou sair com alguém na sexta-feira, na verdade.
— Sério? Alguém do site?
— Sim. O nome dele é Mark.
Dudley e Drewfus estavam latindo como loucos no apartamento ao lado, e Qing riu.
— Uau, você não estava brincando sobre os cachorros. Dá para ouvir.
— É horrível ficar tanto tempo sem vê-los.
Ela suspirou.
— Isso é realmente uma prova, sabe?
— Como assim?
— Prova de que pessoas quebradas não podem ser amigos, não se um deles se sente atraído pelo outro.
— Eu me sinto culpado, como se tivesse falhado com ele como amigo por não conseguir controlar os meus sentimentos. Ele sempre foi bom e honesto comigo.
— Talvez você se dê bem com esse cara, o Mark, ou com outra pessoa, e aí vai poder voltar a ser amigo do Wangji  algum dia.
— Sempre que penso em superar o que sinto por Wangji , fico triste. Não parece natural para mim. Não consigo explicar. Parece que, mesmo que uma parte dele se obrigue a ficar longe de mim, ainda tem essa atração que está sempre presente. Eu não consigo imaginar meus sentimentos desaparecendo enquanto essa contradição existir.
— Bem, você não pode correr em círculos para sempre. Ele disse de todas as formas que não tem nenhuma chance de futuro entre vocês. Em algum momento, independentemente das razões dele, você só vai ter que ouvi-lo.
— Foi o que ele disse, sim. Mas o coração... você precisava ter ouvido como ele batia quando nos beijamos. Acho que esse é o principal motivo que me impede de aceitar o que ele está dizendo.
— Não quero ver você perdendo esse tempo precioso na vida querendo alguém que não vai estar com você no final. Ele foi honesto. Não entendo por que você não ouve o que ele diz.
Era difícil ouvir isso e eu realmente não tinha uma resposta. As questões do coração nem sempre são lógicas ou fáceis de explicar.
Naquela tarde, depois que Qing e eu desligamos o telefone, fiz um café e me sentei na janela. Wangji  estava pintando no pátio. Eu sabia que aquela era a hora do dia em que o sol era perfeito e ele trabalhava em sua arte. Normalmente eu não estava em casa a essa hora, mas tinha tirado o dia para resolver assuntos pessoais.
Fiquei sentado observando por quase duas horas enquanto ele pintava uma montanha com um pôr do sol atrás dela. Era incrível como algo que começava como uma série de linhas pulverizadas podia se transformar em uma imagem tão realista com a mistura certa de cores.
Eu me perguntava em que ele estava pensando e o que o fez decidir desenhar uma montanha e um pôr do sol. Os cães estavam sentados olhando para ele com a língua para fora e isso me fez sorrir. Tive que fazer um esforço enorme para não ir lá me juntar a eles, mas não queria atrapalhar ou, pior, chateá-lo.
Meu telefone tocou, interrompendo a sessão de paranoia.
Era Ariel, do Centro da Juventude.
— Oi, Ariel. Tudo bem?
— Eu estava procurando por você, mas me disseram que não veio hoje. Você disse que eu podia ligar a qualquer hora, se precisasse...
— Sim. É claro. O que aconteceu?
— Promete que não vai ficar bravo comigo?
— Prometo.
— Eu fiz sexo com o Kai.
Merda.
— Uau. Certo. Você está bem?
— Acho que sim. Quero dizer, não foi tão bom assim.
Eu ri por dentro.
— É, as primeiras vezes geralmente não são.
— Agora eu sei.
— Por que tomou essa decisão?
— Eu estava curiosa. Queria ver se isso nos aproximava. E eu amo o Kai.
— Bem, desde que esteja bem com isso e não tenha se sentido forçada a fazer alguma coisa para a qual não estava preparada...
— Agora é tarde, certo?
— Nunca é tarde demais para parar de fazer sexo e seguir em frente.
— Eu só pensei que me sentiria diferente... melhor... e não foi assim.
— O sexo às vezes só complica as coisas ainda mais.
Deus, olha quem estava falando. Eu precisava ouvir os meus conselhos.
. — Eu quase sinto mais medo do que antes — ela disse.
— Como você está sendo sincera comigo, vou contar uma coisa muito pessoal.
— Ok.
— Você me perguntou há algum tempo se eu conheci alguém depois do Chao. Na época não havia ninguém, mas depois eu conheci alguém. Ele se tornou um bom amigo, mas o problema é que acabei desenvolvendo fortes sentimentos por ele.
— Você transou com ele?
— Bem, aí é que está. Apesar de sermos adultos, o que torna tudo menos arriscado do que na sua idade, ele não quer dar esse passo comigo. Não porque não se sente atraído por mim. A atração existe. Mas, por alguma razão, ele acha que não pode se comprometer comigo a longo prazo. Então, ele tomou a decisão de não deixar as coisas irem mais longe porque entende que o sexo complica as coisas e está tentando proteger meus sentimentos. Ele está certo, porque um relacionamento sexual não é um passo que alguém deve dar sem ter certeza de que é isso que quer. Mesmo querendo que as coisas fossem diferentes, no fundo, eu respeito a decisão dele. Eu o respeito muito por não me usar ou tirar proveito da minha vulnerabilidade e por não querer me machucar.
De uma maneira estranha, isso me fazia amá-lo ainda mais, o que era uma droga.
— Você está chorando? — Ariel perguntou.
Enxugando os olhos, eu ri em meio às lágrimas.
— Desculpa.
— Tudo bem.
— É que... às vezes, os adultos precisam conversar também.
Todos os dias eu dizia a mim mesma que hoje iria procurar o Wangji  e pedir desculpas, e todos os dias eu deixava a oportunidade passar. Nunca parecia ser o momento certo.
Às vezes, a vida não espera o momento certo. Às vezes, uma situação repentina aproxima as pessoas, estejam elas prontas ou não.
Uma quarta-feira, quando cheguei em casa do trabalho, o zelador do prédio estava do lado de fora com um dos cachorros – só um –, o que parecia estranho. Quando me aproximei, percebi que ele estava com Dudley.
— Oi, Murray. O que está acontecendo? Cadê o Wangji ?
A cara dele me preocupou.
— Drewfus foi atropelado.
Foi como levar um soco no estômago.
— O quê? Ele está bem?
— Não sei. O chefe o levou para o hospital veterinário. Ele estava muito abalado.
Dudley normalmente estaria pulando à minha volta, mas estava quieto, nem parecia ser ele mesmo.
— O Dudley viu o atropelamento?
— Acho que sim. Eu não estava aqui. Acho que Drewfus correu de repente e tudo aconteceu muito rápido.
Meu coração doía por Wangji . Os cachorros eram a vida dele. Apavorada, peguei o celular e mandei uma mensagem para ele.
Wuxian : E o Drewfus?
Ele demorou vários minutos para responder.
Wangji : Está em cirurgia. Patas quebradas e lesões internas. Só vou ter mais notícias quando ele sair.
Suspirei aliviado por saber que o cachorro estava vivo e digitei.
Wuxian : Estou aqui com o Murray. Posso levar Dudley para o seu apartamento? Como eu posso ajudar?
Wangji : Isso seria ótimo.
Wuxian : Ok. Eu ainda tenho a chave.
Wangji : Obrigado.
Wuxian : Imagina.
No apartamento de Wangji , partiu meu coração ver Dudley atordoado, procurando o melhor amigo em todos os cômodos de um jeito frenético. Os Dois Ds eram como braços direitos um do outro. Se ele tinha visto o acidente acontecer, devia ter sido traumático.
Ele também se recusava a comer, o que era muito incomum. Eu não sabia mais o que fazer. Quando me sentei no sofá, ele pulou do meu lado e descansou o queixo na minha barriga. Comecei a afagar seu pelo macio lentamente para acalmá-lo. Eu não conseguia pensar em nenhum propósito melhor para mim hoje do que consolar esse animal. Meus dedos continuaram acariciando sua testa até que as pálpebras preguiçosas se fecharam. Ele adormeceu.
Como não tinha feito xixi desde que chegara em casa do trabalho, escorreguei cuidadosamente para fora do sofá para ir ao banheiro de Wangji .
Quando voltei, notei um bloco de notas sobre a bancada da cozinha com coisas diferentes rabiscadas nele, de números de telefone a listas de compras e desenhos. Mas foi a palavra escrita aleatoriamente no canto da folha, com uma fonte elaborada semelhante a grafite, que realmente se destacou: Wuxian .
No meio de um dia tão triste, aquilo me fez sorrir e me encheu de esperança. Eu prometi não ler ali mais do que realmente havia: a constatação de que ele pensava em mim, fosse como amigo ou não.

Mesmo que eu estivesse maluco por notícias de Drewfus, decidi não incomodar Wangji . Ele entraria em contato comigo quando quisesse. Voltei para o meu lugar no sofá ao lado de Dudley. Ele agora estava acordado, mas taciturno e letárgico.
A porta se abriu logo depois das onze da noite. Dudley começou a arfar e correu ao encontro do melhor amigo. Mas Wangji  estava sozinho e se ajoelhou para afagar a cabeça de Dudley.
Falando baixinho, ele disse:
— Tudo bem, amigão. Está bem. Não está aqui, mas vai ficar bem. Ele vai ficar bem.
Com a mão sobre meu coração disparado, voltei a respirar.
Ainda de joelhos, Wangji  sorriu para mim e, de repente, tudo parecia estar certo no mundo. Eu queria ver aquele sorriso de novo.
Ele ficou abaixado por mais um tempo, se esforçando para
Tranquilizar seu cachorro.
Wangji  finalmente se levantou e se aproximou de mim, enquanto Dudley permanecia na porta esperando Drewfus chegar a qualquer momento.
Sem saber o que dizer ou fazer, senti meu corpo enrijecer.
Wangji  me chocou quando me puxou e me abraçou com força, soltando um longo suspiro no meu pescoço. Meu corpo relaxou contra o dele quando continuamos abraçados.
— Ele vai ficar bem de verdade?
Wangji  recuou para olhar para mim.
— Vai. O veterinário acha que sim. Eles têm que mantê-lo no hospital por alguns dias. Ele vai precisar de um tempo para se recuperar, mas vai ficar bem.
— Meu Deus, você não tem ideia de como senti medo por você.
— Eu também.
— Rezei muito.
— Obrigado. Funcionou.
— Yubin está bem?
— Ele ainda está no hospital, na verdade. Mas a gente acabou discutindo. Ele foi um pé no saco. Estou exausto.
— Discutiram por causa do acidente?
— É, ele me acusou de não cuidar dele direito.
— Isso é bobagem. Você daria a vida por esses cachorros.
— Quase fiz isso quando corri atrás dele, Wuxian .
Pensar em alguma coisa acontecendo com Wangji  me deixou doente.
— Como foi o acidente?
— Ele viu um cachorrinho do outro lado da rua. Drewfus fica maluco com cachorro pequeno. Eu tentei segurá-lo, mas ele correu de repente, não consegui impedir. O Corolla não teve como parar. Foi sorte a mulher não estar numa velocidade mais alta.
— Você parece exausto.
— Está dizendo que eu estou horroroso, Wuxian?
Ele se sentou no sofá e esfregou os olhos.
— É melhor eu ir embora e deixar você descansar um pouco.
— Não.
— Não?
— Você pode ficar? — Quando não respondi, ele continuou: — Por favor.
Eu assenti.
— Eu posso ficar.
Ele deu um tapinha na almofada ao lado dele.
— Senta aqui do meu lado.
— Certo.
Ele deitou a cabeça no encosto em silêncio até finalmente olhar para mim.
— Boa tentativa.
— Do que está falando?
— De como tentou fugir de conversar comigo sobre o que aconteceu entre nós.
— Não é a melhor hora para isso.
— Você nunca tocaria no assunto. Se não fosse pelo que aconteceu com Drewfus, ainda estaria me evitando.
— Desculpa, mas você está certo. Prefiro esquecer aquela noite. É tudo... vergonhoso.
— Por que é vergonhoso? Você estava bêbado. Nós tivemos um problema. Essas coisas acontecem.
— Você me chamou de pervertidozinho.
— Você é uma coisinha pervertidazinha.
— Obrigado por confirmar.
— Não é uma coisa ruim. Eu adoro que você seja uma pessoa sexualmente curiosa.
— Você adora que eu tenha visto seu vídeo de sexo?
— Não. Isso não. Mas não julgo a sua curiosidade. Você é humano. — Ficamos nos olhando até que ele disse: — Você quer me perguntar alguma coisa. Vá em frente, pergunte.
— Quem é ele?
— Um ex-namorado chamado Luke. Nós fizemos uma viagem à Jamaica. Esse vídeo tem mais de cinco anos. Ele é casado agora e tem um bebê. É notícia velha, Wuxian .
— É por causa dele que é tão fodido?
— Opa... não percebi que era fodido. E você diz que eu falo palavrão? — Ele riu. — Não. Ele não tem nada a ver com nada. Foi só um pequeno capítulo da minha vida. Luke achou que seria divertido gravar a gente naquele dia. Eu joguei o DVD em uma caixa onde sempre mantive porcarias aleatórias.
Nunca nem vi, nenhuma vez. Esqueci que tinha o DVD, até que você me lembrou. Fim da história.
— Eu pensei que tivesse ido embora daquele jeito por causa da minha confissão sobre o vídeo, porque estava com raiva.
— Meu Deus, não. Nunca foi sobre o vídeo. Eu não dou a mínima para isso. Fiquei chateado por causa da mensagem que você mandou para mim.
— Era brincadeira. Fiquei chateado quando vi que você mantinha um perfil ativo. Fiquei com ciúmes. — Balancei a cabeça.
— Por que estou admitindo isso mesmo?
— Porque você é honesto. Eu respeito isso. Já que estamos sendo honestos... falando no site... Não quero que você saia com o tal do Mark até eu poder dar uma olhada nele.
— Você não pode determinar com quem eu saio. — Fiz uma pausa para refletir sobre o que ele havia dito. — Como sabe sobre o Mark?
— Você não é a única que sabe bisbilhotar, Sherlock.
— Não entendi. Você é hacker ou alguma coisa assim?
— Eu criei essa conta. Lembra, gênio? Pelo amor de Deus, você nunca mudou o nome de usuário e a senha. Só preciso digitar seu nome e fire3 e vejo tudo que você está fazendo.
— Você não tem o direito de me espionar desse jeito.
— Eu não estava te espionando. Estava tentando te manter seguro.
— E por que isso é da sua conta?
— Porque você é meu melhor amigo. Portanto, é da minha conta.
A resposta me deixou sem palavras por um momento.
Melhor amigo?
— Eu sou?
— Bem, era... até a noite em que me convidou para tretar, depois parou de falar comigo.
— Eu não sabia que você dava tanta importância para a nossa amizade.
— Bem, agora sabe.
— É. Acho que sim.
— De qualquer maneira… sobre esse cara, o Mark. Eu tenho um mau pressentimento. Pega o sobrenome dele e me deixa fazer uma checagem antes de sair com ele, ok?
— Ok.
— Você já comeu?
— Não.
— Não vou conseguir dormir. Preciso me distrair, parar de pensar no Drewfus. Vou fazer pizza para nós. — Ele se levantou do sofá antes que eu pudesse responder.
— Tudo bem, mas eu quero ajudar.
— Não tem muito o que fazer. Você pode me entreter enquanto eu cozinho. O que acha?
Com os braços apoiados no banco, eu o vi tirar a massa da geladeira.
— Quando você começou a fazer sua própria pizza?
— Na verdade, eu trabalhava em uma pizzaria e lanchonete com meu irmão quando éramos mais jovens.
— Isso explica.
— Shizui e eu disputávamos a atenção de uma garota que trabalhava lá. Um dia, ela nos desafiou. Pediu duas pizzas e disse para cada um de nós fazer uma. Ela queria ver de qual gostava mais. Quem fizesse a pizza vencedora, sairia com ela.
— Quem ganhou?
— Ninguém. Meu irmão e eu brigamos antes de começarmos. Voou farinha e calabresa para todo lado. O proprietário nos demitiu pela confusão.
— Uau.
— Anos depois, concluímos que a menina era uma vadia por nos jogar um contra o outro. Foi uma boa lição.
— Você e seu irmão eram competitivos?
— Um pouco. Depois que meu pai faleceu, nos tornamos os homens da casa e tínhamos mais responsabilidade do que muitos jovens que conhecíamos. A depressão da minha mãe foi grave, e ainda é até hoje, embora os piores anos tenham sido os primeiros depois da morte de meu pai. O estresse despertou o pior de nós. Eu amo o cara, mas definitivamente temos a mesma natureza competitiva.
— O que ele faz?
— Ele é gerente de um restaurante, mas está pensando em se mudar para Los Angeles para se dedicar à atuação em tempo integral. Ele participou de alguns espetáculos aqui na Bay Area. Shizui não é prático como eu em relação às suas economias. Eu faço o que quero com a minha pintura e tudo, mas só porque tenho esse prédio como fonte de renda.
— Não acredito que você me disse que seu irmão é ator.
Minha irmã, Qing, é atriz na Broadway.
— Sim… você mencionou. E a outra irmã?
— Yanli é professora. Nós três não poderíamos ser mais diferentes.
— De que maneira?
— Bem, Yanli é a mais velha. Ela é sensata. Nunca se meteu em nenhum problema de verdade. Casou com o namorado dos tempos de colégio. Qing é a mais nova. Linda, jeito de modelo, empreendedora, extrovertida... completa. Ela é muito divertida e sou mais próxima dela. E eu. Eu sou o gay maluco do meio, nem sensato nem extrovertido. Só... — hesitei.
Wangji  concluiu:
— Peculiar e doce... adorável.
— Eu não ia dizer isso.
— Bem, essa é a minha opinião.
— Suponho que também diria que sou um pouco pervertido.
— Não. — Ele piscou. — Eu diria muito pervertido.
Comemos a pizza no chão da sala com Dudley entre nós.
Ele estava finalmente recuperando o apetite e comeu algumas das nossas sobras. A televisão estava ligada, mas nós não estávamos
Realmente prestando atenção enquanto conversávamos, falando sobre nossas famílias e os últimos acontecimentos com os inquilinos do prédio.
Tudo foi tranquilo até nossa atenção ser atraída por uma cena de sexo explícito que fazia parte do filme que supostamente não estávamos vendo. As coisas começaram a ficar muito estranhas rapidamente. Wangji  pegou o controle remoto e mudou de canal o mais rápido que pôde.
Eu me levantei do chão.
— Acho que é hora de ir para casa.
— Tem certeza?
— Tenho.
Dudley tinha outros planos. Quando me dirigi à porta, ele começou a choramingar.
Eu me abaixei.
— Desculpa. Tenho que ir, amigão.
Ele começou a lamber meu rosto enquanto eu afagava sua cabeça.
— Eu sei que você não quer que eu vá embora.
Saí apressado, mas, assim que voltei para o meu apartamento, o uivo começou. Dudley não estava facilitando para mim.
Meu telefone tocou. Era Wangji .
— Ele surtou depois que você saiu. Será que pode voltar?
Só hoje. Ele está péssimo.
— É muito tarde.
— Você pode dormir na minha cama com ele.
— Onde você vai dormir?
— No sofá.
— Acho que nenhum de nós vai dormir se eu não for, não é?
— Parece que sim.
— Tudo bem, só vou vestir o pijama.
Wangji  suspirou ao telefone.
— Obrigado.
A ideia de dormir lá não me agradava. Estava tentando superar meus sentimentos por ele, mas me preparava para passar a noite em seu apartamento com ele lá dentro pela primeira vez. Era pelo bem de Dudley, mas ainda assim...
Depois de escovar os dentes e vestir meu pijama de short e blusa de mangas compridas, voltei para o apartamento de Wangji .
— Você parece confortável. — Ele sorriu. — Obrigado por voltar.
— Eu vou direto para a cama — falei, passando por ele em direção ao quarto.
Dudley me seguiu, como se entendesse exatamente por que eu havia voltado. Wangji  tinha preparado a cama para nós e acendido o abajur. Muita coisa acontecera entre nós desde a última vez que dormi nesta cama. Tivemos aquele beijo incrível, mas ele também havia conseguido destruir a maior parte das minhas esperanças.
Eu realmente queria voltar para o meu apartamento, mas não podia fazer isso com o Dudley.
Dormi de bruços com o cachorro ao meu lado. O cheiro de Wangji  estava na fronha como eu lembrava, mas não me dava mais prazer inspirá-lo. Não me fazia sentir nada além de tristeza e um desejo doloroso.
Eu me odiava por não conseguir me livrar disso, por minha incapacidade de apreciar apenas nossa amizade. Talvez eu estivesse muito vulnerável para ser amigo de um homem porque as feridas do rompimento com Chao ainda eram recentes. Se isso tivesse acontecido em outra época da minha vida, talvez eu pudesse lidar melhor com a situação.
Wangji  tinha se levantado para usar o banheiro, que ficava do lado de fora do seu quarto. Ao ouvi-lo fazer xixi, me revirei na cama.
Ele deve ter me ouvido, porque parou na porta. Eu mal conseguia distinguir o contorno do peito nu e esculpido na escuridão.
Ele falou baixo:
— Você precisa de alguma coisa?
— Não, eu estou bem.
— Dudley dormiu?
— Sim. — Minhas respostas eram curtas para coincidir com o meu humor estranho desta noite.
— Está tudo bem?
Eu não respondi.
Em vez de voltar para o sofá, Wangji  se aproximou da cama e sentou-se na beirada. Ele colocou a mão na minha cabeça e deslizou os dedos lentamente pelo meu cabelo. Esse gesto acabou comigo.
— Por favor, não me toque.
Chocado com a minha reação brusca, ele ficou paralisado.
— Desculpa. Eu não ia fazer nada, Wuxian . Só est...
— Ah, eu sei que não ia. Pode acreditar, eu sei disso. — Ele ficou quieto, e eu continuei: — Você continua me mandando mensagens contraditórias, Wangji . Só para constar, adoro quando você me toca, mas é melhor para mim se não me tocar. Você tem sido muito direto comigo. Deixou claro que não vai acontecer. Eu aprecio muito a sua honestidade. Mas não aguento quando você me toca. Simplesmente não entendo por que não consigo ignorar esses sentimentos apesar de tudo que você disse. Às vezes, sinceramente, acho que seria melhor se...
— O quê? Melhor se o quê?
Fechei os olhos com força e me obriguei a falar:
— Se eu me mudasse.
— Não fala isso, Wuxian .
— Não de imediato. Talvez eu comece a procurar sem pressa. Eu realmente não vejo outra solução. Não quero ver você com outras pessoas. As paredes aqui são finas.
— E se eu prometer não trazer ninguém para casa?
— Isso não é realista, e você não deveria ter que fazer isso para proteger os meus sentimentos.
— Faço qualquer coisa para você não se mudar.
— Não.
— É isso mesmo? É o que você quer de verdade? A gente não se veria nunca. Isso te faria feliz?
— Não. Na verdade, não. Mas podemos ser amigos. Eu quero você na minha vida. Eu só não quero saber cada coisa que você faz, ou com quem faz, nas atuais circunstâncias.
— Eu preciso de você aqui ao lado. Não vai embora. Vamos achar uma solução para isso.
— Você não pode ter as duas coisas, Wangji . Não pode me olhar do jeito como olha. Não pode me ligar no meio da noite para dormir na sua cama com seu cachorro. Não pode me manter por perto e me tratar como se eu fosse uma grande parte da sua vida e esperar que eu não me apegue. Não é natural e não é saudável e, com ou sem intenção, você está me machucando. — Merda. Meus olhos estavam começando a se encher de lágrimas. Como já tinha feito papel de bobo, continuei:
— Eu nunca vou esquecer aquele beijo. Eu nunca vou esquecer aquela sensação. Às vezes, eu queria poder.
Ele suspirou.
— Eu também não vou esquecer. Nunca.
— Eu sei que você tem a melhor das intenções. Sei que não quer me machucar. Mas para usar suas próprias palavras...
Não tem nada a ver com você e tudo a ver comigo. É por isso que tenho que ir. Tenho pensado nisso há algum tempo.
Ainda sentado na beirada da cama, Wangji  apoiou a cabeça nas mãos.
— Desculpa — ele sussurrou.
— Porra, desculpa.
Meu coração nunca esteve mais pesado do que neste momento. Ainda muito confusa, eu só tinha certeza de duas coisas.
Uma: eu tinha que me mudar.
Duas: eu estava desesperadamente apaixonado por ele.

(....)

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