Capítulo 4

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Acordo bem cedo. Assim que abro as cortinas, sou recebido pelo confortável canto dos pássaros.

Contemplo a paisagem através da janela enquanto tomo o doce café que sempre preparo.

Meu olhar percorre o longo quintal e para na caixa de correio que fica logo na entrada da propriedade. Ela sempre esteve lá?

Senti que deveria verificá-la.

Deixo a xícara de café em uma mesinha de canto que há perto da janela enfeitada com um vaso vazio.

Caminho lentamente até a caixa de correio e a abro após um bocejo.

Para minha surpresa, há algo ali dentro.

Não faz nem dois dias inteiros que cheguei e já estou recebendo cartas.

Bom dia, David! Espero que esteja tudo bem e que tenha tido uma ótima noite de sono. Queria agradecer pela visita de ontem e espero que possamos nos tornar bons amigos. Saiba que se precisar de algo, pode contar comigo e minha família.

                   Atenciosamente, Willian.

     P.s.: Deixei um pequeno presente de boas vindas, espero que goste e faça bom uso dele.

Encaro aquela caixa feita de ferro mais uma vez e a abro novamente. Bem no fundo está um pacote de sementes.

Dou um sorriso ao imaginar como seria um canteiro repleto de tomates. Olhei em direção ao quintal, aquela bagunça me fez ficar desanimado, definitivamente precisava cuidar dele primeiro.

- Não deve ser tão difícil. - Murmuro pensando em como seria plantar tomates.

Talvez eu deva pedir algumas dicas para Willian? Quem sabe o prefeito. Ou a Sophie?

No fim acho que seria muito vergonhoso fazer isso, então é melhor resolver esse problema sozinho.

Olho para o céu e respiro fundo. Eu não preciso disso. Existe internet ou mesmo livros que possam me ajudar nisso. Sophie disse que aqui tem uma biblioteca.

A manhã toda se resumiu em limpar o quintal, juntando entulhos e arrancando ervas daninhas. Se não fosse o almoço reforçado, tenho certeza que não conseguiria finalizar antes do anoitecer.

No dia seguinte preparo o que é necessário para o plantio das sementes de tomate. Com a confiança que Willian me passou, acredito que tudo ficará bem.

Olho enfim para o canteiro já pronto. Ajeito meus óculos com um sorriso triunfante. De empresário a fazendeiro. Quem disse que seria algo difícil de se fazer?

Pela tarde, decido visitar a cidade mais uma vez, é importante me familiarizar com as rotas para evitar que eu me perca em algum momento.

Não demorou muito para que eu enxergasse um rosto familiar. Willian mostra seu sorriso simpático de sempre e acena para mim.

- Ei David, boa tarde! Gostou do presente que deixei na sua caixa de correio? - Ele se aproxima.

- Ah, sim. A princípio não sabia o que fazer com elas, mas acabei as plantando em um cantinho que preparei no quintal. -  Respondo um tanto pensativo.

- Olha só! Já posso dizer que é um fazendeiro nato, pensei que fosse ter algum tipo de dificuldade, estava esperando que fosse me pedir algumas dicas. - Ri alto.
           
Não pude evitar de sorrir com seu comentário, seus olhos brilhantes me deixam mais confortável naquele lugar estranho e familiar ao mesmo tempo. Por alguma razão, ele me lembra o Marco.

- E então, está aqui a passeio? - Pergunta curioso.

- Na verdade estou procurando aquele mercado que mencionou outro dia.

- Ah, sim. - Ele nem esconde o desânimo.

Willian aponta para frente.

- É aquela grande construção azul. Meio extravagante para um mercado, não acha? - Ele ri como se estivesse contendo uma irritação.

- Eu achei normal. - Dou de ombros.

Willian me encara e eu faço o mesmo. Certamente não é nada impressionante para alguém que veio de uma cidade grande. Espero não estar ofendendo ele com minha reação, não pude evitar.

- Eu vou fazer compras, então...

- Certo, certo. Já entendi. Olha, vê se toma cuidado, David, o dono pode ser um pouco... excêntrico. - Me alerta antes de se despedir com um sorriso gentil e se afastar.

Me pergunto o que Willian costuma fazer em suas horas vagas. Olho em direção ao estabelecimento que ele acabara de sair.

- Flores para sua esposa, huh? - Murmuro.

Deixando isso de lado, vou em direção ao mercado e entro. O sino acima da porta anuncia minha chegada. Detrás do balcão um homem de terno azul marinho e gravata de bolinhas se levanta.

Caminho entre os corredores e vou adicionando tudo que preciso para o jantar e quem sabe o restante da semana.

O homem passa as compras pelo detector e me diz o preço. Willian não mentiu quando citou o exagero nos valores. Isso me faz crer que nossos negócios poderão dar certo.

- David Jones, não é? - interrompe o silêncio entre nós conforme eu busco o dinheiro na carteira.

- Sim, sou eu? - Respondo surpreso.

Seu sorriso pretencioso me prende a atenção ao ponto de eu ter que ajeitar meus óculos, para evitar que eles caiam de meu rosto.

- Como sabe meu nome? - Pergunto confuso.

- Garoto, eu sei sobre tudo o que acontece nessa cidade, além das necessidades de meus clientes. Que tipo de vendedor eu seria se não soubesse dessas coisas? Saber um nome é o menor dos problemas. - Afirma enquanto alisa o bigode.

- Sei...

— Eu me chamo Dinkley, dono deste estabelecimento, o melhor da cidade se me permite dizer — Ele sorri. 

O único também né.

Não sei o que pensar, talvez Willian esteja certo, esse cara é um pouco excêntrico.

Seu sorriso me parece muito forçado. Quando se trabalha tanto tempo no mundo corporativo você aprende a diferenciar simpatias forçadas e naturais.

- Aliás, soube também que tomou posse daquela velha e espaçosa fazenda ao leste... Sinto muito pelo seu avô, ele parecia ser alguém adorável - diz de olhos fechados, consigo sentir um pingo de sinceridade em sua fala.

- Obrigado - Respondo e saio após pegar minhas compras.

Tudo que eu quero agora é ir para casa.

Ao anoitecer, de frente ao fogão a lenha encaro a água fria que havia acabado de por para ferver. Absorvo os acontecimentos do dia, cuido dos ingredientes e faço uma pausa enquanto espero ficarem cozidos.

A lembrança de minha mãe me ajudando a lavar os legumes quando era criança, afim de preparar essa mesma receita me levaram a um devaneio longo. Essa foi a única lembrança que restou dela.

Foi um dia produtivo, um dia que eu nunca esperaria ter se continuasse trabalhando naquela empresa.

- Acho que estou ficando muito ansioso pelos tomates... quando será que começarão a crescer? Me sinto estranho por ficar empolgado com algo tão simples assim. - Dou um sorriso ao ouvir oque estou dizendo para mim mesmo.

Depois de algum tempo o cozido ficou pronto. Me sento solitário a mesa, me servindo daquele sabor nostágico e aconchegante. Inevitalmente sinto a saudade percorrer por todo meu corpo, e pela primeira vez em tanto tempo aproveito de verdade o sabor de algo que eu adorava.

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