Depois de uma boa noite de sono, algo que não tive por tanto tempo e que reparei somente agora, o quão confortáveis são as noites. Dediquei todo o meu dia para a limpeza da casa, e a manutenção da mesma.
Precisava me certificar se as chaminés estavam funcionando corretamente, ou se as luzes não iriam queimar de repente, e se eu precisava de ajuda externa para qualquer outro problema, como encanamento ou troca de algum móvel.
Paro em frente a porta que até então só havia chamado minha atenção quando cheguei aqui.
Forço minha memória, tento buscar o que poderia ter ali atrás.
Olhando no molho de chaves, noto que há uma diferente das demais. Ela é grande e prateada, apesar de estar meio gasta.
Não fico surpreso quando coloco na fechadura e a porta se abre.
A princípio penso ser um porão, o que não me surpreenderia, mas assim que acendo uma lamparina, vejo inúmeros barris enfileirados.
— Eu não acredito vovô. – Dou um sorriso de satisfação.
Quando a noite cai, por mais cansado que eu esteja, ainda não tinha intenção de dormir.
A lembrança do breve passeio com Sophie me veio a mente sem nenhum compromisso, e acho que é isso mesmo que eu preciso nesse momento para finalizar o dia completo: Um passeio.
Eu disse que preciso de algum divertimento, mas a verdade é que não faço a menor ideia de onde ir.
A cidade está menos movimentada, consigo ouvir o som das minhas botas ecoando pela rua e isso é estranhamente assustador.
Algo chama minha atenção e eu paro repentinamente de caminhar, olho em direção a porta de madeira escura que abafa o som de música e vozes. Quando dou por mim, já estou abrindo a porta e sentado em um banquinho de frente para o balcão.
O som vindo das duas mesas de bilhar me faz encará-las por um tempo antes de verificar os fliperamas e das pessoas que estão se divertindo ao usá-los.
Olha só, um rosto novo. Como se chama forasteiro? - Pergunta uma voz feminina.
Sigo a voz e vejo uma mulher parada atrás do balcão.
— Me chamo David... David Jones. – Respondo.
— David, é... – Ela apoia o queixo nas mãos e me olha pensativa.
Ela parece me analisar, então faço o mesmo. Seus cabelos ruivos estão amarrados em um rabo de cavalo, jogado sobre seu ombro. Sua pele bronzeada destaca bastante seus olhos cor de esmeralda.
— Certo, você está no Lady Cithria, eu me chamo Penélope Charmosa, a barista daqui como pode ver. Muito prazer. – Ela dá ênfase nessa última parte com um sorriso provocativo.
Sei oque ela está querendo fazer, conheço esse jogo.
— Você costuma se apresentar assim para todos? – Provoco.
Sem pudor nenhum, Penélope estica o corpo e se aproxima do meu ouvido.
— Só para quem eu acho interessante. – Sussurra.
Ok, ponto pra ela.
— Já sabe o que vai pedir? – Pergunta mostrando com um gesto singelo o paredão de bebidas atrás de si.
Parando pra pensar, não tenho nenhum motivo para me manter na monotonia.
Geralmente pediria uma cerveja ou algo com teor alcoólico baixo, mas dessa vez quero algo diferente.
— Me surpreenda. – Desafio.
— Vou te mostrar porque me chamam de a vidente do álcool. – Diz com um pegador de gelo na mão.
Não consigo deixar de rir.
– Preste atenção. Aqui eu coloco 60ml de gin, 25ml de suco de limão e 15ml de xarope de açúcar. Agora eu misturo e viro neste copo alto. Por fim basta completar com gelo e club soda. Aqui está! – Ela coloca o copo na minha frente.
— E essa nem mesmo é a melhor bebida que posso preparar, porém, você não está preparado para a melhor, não ainda! – Apoia o rosto na mão, esperando que eu beba.
— Está me pedindo para voltar mais vezes? – Questiono puxando o copo para perto.
— Talvez! – Diz em resposta a minha provocação.
Tomo um pouco daquela bebida e a explosão de sabores me deixa um pouco surpreso, nunca imaginei que a mistura daqueles ingredientes causaria uma sensação tão boa em meu corpo, me sinto revigorado.
— E então? – Pergunta com expectativa.
— Perfeito. Gosto de bebidas doces. – Respondo completamente perplexo.
— Sabia que ia gostar! Eu te disse que era boa com adivinhação. – Ela sorri.
— Talvez eu só seja um pouco previsível. – Respondo me recusando a confessar que ela acertou em cheio.
Esse clima de flerte natural me deixou anestesiado. Acabei nem percebendo que fiquei em silêncio. Silêncio esse que Penélope quebrou com um comentário.
— Sabe, é realmente difícil alguém se mudar para essa cidade. Todos os anos, são pessoas que saem daqui em busca de uma aventura mais intensa por aí, não sabem o valor que tem a monotonia em um lugar pacato como esse.
— Por que acha isso? – Pergunto curioso.
— Bom, basta olhar para você. Diferente das pessoas que vêm aqui todos os dias em busca de sair da rotina, você parece aproveitar cada segundo, como se fosse férias. Como se em algum momento teria que voltar para algo chato e cansativo.
Aquilo me surpreendeu, era como se através daquela alegria toda ela conseguisse enxergar a minha alma.
Nunca pensei que um medo meu pudesse ser tão aparente, o que me deixou um pouco preocupado com o fato de eu ter dito que sou previsível. Será que sou sempre assim, ou apenas para ela?
— E você acha que nenhum outro lugar é melhor que aqui?
— Talvez eu só saiba como o mundo pode ser cruel as vezes.
— Agora sim eu acredito que você é humana.
— Ei, o que quer dizer com isso?
Ambos rimos até alguém nos interromper, chamando-a para atender outra mesa. Não precisava ouví-lá dizer "até logo" para realmente querer voltar aqui.
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Fios do Destino
RomanceComo sair de uma rotina cansativa e monótona? Essa é a pergunta que David vem se fazendo há um tempo. Como um robô em sua empresa, ele segue ordens e excede seus limites sem se importar com as consequências. Porém, ao encontrar repentinamente uma ca...