Capítulo 1

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— "Meu querido jovem neto, se está lendo esta carta, certamente eu já terei partido. Quero lhe assegurar que fui sem arrependimentos, afinal tive uma ótima vida. Não se sinta culpado por isso, sei oque está pensando, mas ter você como neto foi o maior presente que eu poderia ter ganho. Os anos em que passamos juntos foram como um pequeno tesouro que guardei com muito carinho em meu coração. Posso dizer com certeza que fui sendo um homem feliz. Talvez seja muito egoísmo de minha parte, mas tenho algo a lhe pedir. Por favor, construa sua própria família e seja feliz. Eu sei que você consegue. Como um presente, estarei deixando aquela velha fazenda em seu nome, sei que fará bom uso dela. A cidade pode ser cruel, então mudar os ares pode lhe fazer bem."

— Com amor, seu avô.

Ah, sim. Agora me lembro o motivo de não querer abrir essa carta. Após comparecer ao enterro do meu avô, eu já não sabia mais que rumo tomar.

Achei que se ignorasse essa carta, os problemas iriam sumir. Como fui idiota. Como pode dizer para que eu não me culpe? Ele sempre foi bonzinho demais.

Tenho uma vaga lembrança desta fazenda, mas sempre que tento forçar alguma memória, tudo está turvo.

Sento em um dos bancos no metrô. A carta em minha maleta parece queimar e algo em minha mente diz que poderia ser uma boa ideia seguir esse caminho.

Fico imaginando um assalariado como eu se tornando fazendeiro, chega a ser cômico. Mas pensando bem, o que me impede de fazer isso?

Assim que chego em casa, vou direto tomar um banho. A água quente se mostra bastante eficaz em tirar a tensão que puxa meu corpo em direção ao chão.

Tento comer algo, mas não consigo mais sentir o mesmo gosto de antes, parece que tudo acabou perdendo a essência, então resolvo ir dormir.

No dia seguinte acordo meio grogue. Olho o horário no celular, é quase meio dia. Perdi a hora. A vontade de ir trabalhar também.

Após me arrumar, decido sair. Talvez andar por aí e almoçar fora possa melhorar um pouco meu humor.

Assim que abro a porta da lanchonete, sou recebido por uma atendente.

—  Seja bem vindo ao café Pérola, por favor acomode-se. – Diz com um sorriso.

Escolho um lugar perto da janela e me sento. Após alguns minutos de espera, meu prato chega. Ele se mostra deliciosamente agradável. Eu havia esquecido que há coisas boas na vida.

Não sei ao certo o que fazer por hoje, então só saio por aí sem rumo. Sem perceber, paro em uma praça. Ela está lotada de crianças brincando. Hoje é sábado? Acabei perdendo a noção do tempo.

Volto para casa e organizo algumas coisas. A tempos que eu não tinha um momento livre assim, então vou aproveitar.

Faço uma pipoca, coloco um filme de terror e aproveito o restante da noite. Acabo dormindo ali mesmo no sofá, o que não foi um problema.

Acordo pela manhã mais disposto e dessa vez no horário certo.

Tomo um bom banho, um café bem forte e saio para ir trabalhar.

No metrô, uma senhora senta ao meu lado.

—  Bom dia meu jovem. – Diz com seu sorriso banguela.

— Bom dia. – Retribuo o sorriso.

— O dia está tão lindo que resolvi ir visitar minha filha. Vai ser uma boa surpresa, não acha?

Balanço a cabeça.

— Por que ela não visita a senhora? Deve ser muito cansativo.

— Ah, sim, sim, você tem razão. Acontece que ela anda muito ocupada com seu trabalho.

— Entendo...

Ela apenas sorri em resposta.

Me pergunto quantas pessoas perdem oportunidades quando acabam se dedicando demais a algo.

Assim que passo pela porta do escritório, Olivia se levanta.

— Senhor Jones, está tudo bem? – Pergunta preocupada.

— Tudo ótimo, Olivia. Hoje o dia está maravilhoso. – Digo com um sorriso.

Talvez eu tenha a assustado, mas acho que ela entendeu.

Não se passam nem 10 minutos quando Olivia aparece na porta da minha sala.

— Senhor Jones, o senhor Yan disse para chamá-lo.

— Certo, estou indo. – Digo me levantando.

Já imaginava que isso iria acontecer, talvez eu ganhe somente uma advertência e tudo estará resolvido.

— Bom dia, senhor. – Digo entrando em sua sala.

Ele apenas estende a mão, sinalizando para que eu me sente.

— Acredito que saiba o motivo de eu ter te chamado. – Um tom sério.

— Sim, imagino que sim.

— Pois bem, pegue suas coisas, está demitido.

Por alguns segundos fico em choque com a notícia.

— Senhor, eu...

Antes que eu continue, ele estende a mão para que eu pare de falar.

— Sua ausência ontem fez com que perdêssemos um importante colaborador, e por consequência um grande investimento. Eu te avisei o que aconteceria se você errasse de novo, não é? – Pergunta me encarando.

Sim, avisou. Lembro-me bem daquele dia. Um pequeno erro em um relatório fez com que a empresa perdesse uma quantia significativa de dinheiro. Não quero apagar o erro que cometi, mas na época eu não tinha ideia do que estava fazendo e ainda assim me designaram aquela tarefa. Só que com o erro de ontem, tudo está acabado.

— Seja rapido, a pessoa que vai substituí-lo chegará em breve. – Diz sério.

Eu apenas balanço a cabeça e vou para minha sala.

Alguns minutos se passam e a porta se abre bruscamente.

— Quem aquele velho pensa que é? – Diz Marco irritado.

O chefe talvez? Penso em ironia.

— Não se preocupe. – Digo com um sorriso fraco.

— Eu vou lá na sala dele e...

Coloco uma mão em seu ombro.

— Não tome nenhuma decisão idiota.

— Mas David, você...

Balanço a cabeça.

— Há males que vem para o bem, acredite em mim. Além disso, o que a Nora iria achar se soubesse que você foi demitido?

— É, você tem razão. – Diz de cabeça baixa.

Me sinto meio mal por incentivá-lo a continuar neste emprego, mas ele não pode se dar ao luxo de ficar desempregado tendo que sustentar duas filhas e uma esposa. Por hora é melhor assim.

— E o que vai fazer agora? – Pergunta me olhando.

— Tenho algo em mente. – Digo olhando para minha maleta.

— Imagino que não vou vê-lo durante um tempo.

— É, mais ou menos isso.

— Então espero que dê tudo certo para você, amigo. – Diz com um sorriso.

— Igualmente.

Dou um abraço em Marco, sei que não o perdi, nos veremos em breve, ainda assim é um pouco triste ter que me despedir nessas circunstâncias.

Alguns minutos depois dele sair, termino de arrumar minhas coisas e paro em frente a mesa de Olivia.

— Aqui, a chave da sala. Obrigado pelo ótimo trabalho.

Ela apenas balança a cabeça desanimada.

Eu nunca me imaginei sendo um fazendeiro, mas acho que preciso de uma mudança brusca e forçada na minha vida. Estou ansioso para descobrir o que o futuro tem pra mim.

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