Rouparia

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Mais tarde, quando boa parte do pessoal começou a se recolher, o papai pediu pra acender uma fogueira, era hora do vinho do ano, aquele que ele mais dedicava tempo pra fazer antes da temporada de férias, já era uma tradição e pelo visto os Sainz ouviram bem sobre isso. Nos sentamos pelos sofás espalhados, poltronas, lenços no chão, onde parecia mais confortável e nos servimos de um bom vinho. Era a primeira vez que eu ia beber, durante dezoito anos vi essa tradição e agora que finalmente podia tomar bebidas alcoólicas tinha decidido que provaria o vinho feito pelo meu pai.

Gosta de ficar observando as pessoas?—Ele fala mais baixo enquanto meu pai conta para os Sainz sobre a vez que todos os cavalos fugiram do estábulo. Eu me sentei no canto do sofá e ele estava relativamente perto sentado em uma poltrona.

—Oi?

—Notei de tarde seus olhares. —Ele ainda está encarando a taça. —Vi você me olhando. —Me encara e eu engulo o seco.

—Gosto de observar tudo... —Minto.

—Pensei que estivesse me olhando.

—Impressão sua.

—talvez eu tenha mesmo me enganado. —Ele sorri rapidamente e eu sinto um calor estranho. —Porque te chamam de Tete?

—É meu apelido, não queria ser chamada de outra forma até os dez anos...

—Ainda gosta que te chamem assim ou já aprendeu a ser chamada de Catherine?

—Gosto do meu apelido, mas sei que tem gente que prefere falar meu nome. —Explico.

—A minha mãe contou que você vai estudar na cidade.

—Sim, eu vou pra capital.

—Lá é bem legal. O que vai estudar?

—Gastronomia. Vocês moram lá?

—Meus pais ainda passam boa parte do tempo lá. —Ele concorda.

—E você?

—Tem certeza de que não estava me olhando?—Um sorriso aparece novamente e ele fala mais baixo.

—Estou com sono, vou dormir agora, foi legal falar com você. —Peço licença e me retiro.

Eu não tinha certeza se ele vinha ou não atrás de mim, mas queria muito que fizesse isso. Fiquei caminhando devagar pelos corredores e pensei em um milhão de coisas, será que teria sido mais fácil simplesmente falar que estava mesmo o observando? Ou ele ia me achar muito atirada? Será que ele ficou incomodado em pensar que eu pudesse estar espionando ele? Ou será que ele não pensa nada e eu estou criando um milhão de possibilidades feito uma boba?

Entro no quarto de rouparia quando ouço alguém se aproximando e meu coração acelera.

—Ué?! Já vai subir?—Era a voz do primo do Carlos.

—Estou cansado, foi um dia longo... —Carlos avisa.

—Preciso tomar mais um pouco daquele vinho. Tem certeza de que não vai beber mais?

—Tenho, deixa eu te perguntar, viu a garota? Filha deles?

—Não, ela tava lá fora.

—Tinha quase certeza de que ela veio pra esse lado.

—Tá de olho nela? Cuidado, pelo que fiquei sabendo a garota acabou de fazer dezoito anos.

Os dois ficam em silêncio e eu me aproximo da porta pra tentar ouvir qualquer sussurro.

—Mas ela é muito bonita... Imagina o estrago que vai fazer quando chegar em Madrid. —O primo acha graça e então segue o caminho depois de dar um tampinha nas costas de Carlos.

Ele veio atrás de mim.

Agora não era a hora de sair da rouparia e anunciar minha presença, se ele veio atrás de mim é porque tinha algum interesse, então eu não preciso ser tão vulnerável assim.

Esperei tempo suficiente e então saí de lá, caminhando o mais de pressa possível pro meu quarto.

Eu li muitos livros durante toda a minha vida, quando comecei os de romance sem duvida alguma foi onde mais me encontrei. Idealizava homens que me tratassem como uma princesa e sabia que toda moça tinha seus encantos, eu queria ser uma protagonista de romances assim, doces, quentes e confortáveis. Quando tomei a decisão de estudar em Madrid, também sabia que ia conhecer muitas pessoas, que isso ia mudar drasticamente a minha visão sobre o mundo que ainda era tão limitada, e sabia também que encontraria muitas pessoas e quem sabe até viveria um amor.

Eu suspirava pelos campos sonhando com absolutamente tudo que podia acontecer, mesmo sabendo que eu nunca moraria num castelo, eu sonhava em viver como uma princesa, e principalmente, ser amada como tal.

Quando Carlos chegou, com toda aquela áurea de príncipe, foi como um presente dos Deuses, e rapidinho eu senti que tinha me apaixonado logo assim de cara. Uma parte de mim sabia que aquilo era burrice, mas outra parte, a maior parte, só conseguia pensar na sua beleza, sua voz, a pele bronzeada e principalmente o fato de que ele chegou aqui sozinho. Era o destino.

(...)

Na manhã seguinte eu fui andar de cabalo com meu pai, os Sainz ainda não tinham saído dos quartos. Eu andei por quase quarenta minutos e paramos próximo ao riacho para que os cavalos pudessem beber água.

—Carlos Sainz me disse que você provavelmente se adaptaria muito bem na cidade.

—Estou ansiosa... A esposa dele também me contou muitas coisas.

—Estive pensando, acho que você precisa comprar um apartamento, é melhor do que alugar. Não conhecemos essas pessoas, alugar é arriscado e não podemos ter esse tipo de preocupação, porque você não pede ajuda pra eles? Provavelmente sabem indicação de lugares seguros que você pode comprar um imóvel.

—E eu vou morar sozinha, pai? Eu já não vou conhecer ninguém, morar sozinha dificulta um pouco a minha socialização.

—Não vai ser um problema, você convida pessoas confiáveis pra te visitar, depois de um tempo vai estar cheia de amigos e ainda estará segura. É importante pra mim e importante pra sua mãe.

—Vou pensar nisso. —Concordo.

—Carlos parece ser muito esperto para os negócios, deveria perguntar a ele.

—Qual dos?

—O sobrinho, que usa óculos. Ele gerencia a carreira do Carlos filho.

—Certo, depois falo com ele.

Decidimos voltar e eu fui direto pra piscina, estava um sol daqueles e aproveitei um pouco enquanto os hospedes ainda estavam acordando.

Eu sai da piscina quando o Carlos Sainz pai apareceu na área externa, imaginei que o filho não fosse demorar muito e não queria estar lá pra vê-lo chegar vestida assim.

Subindo os degraus rapidamente dou de cara com ele assim que viro o corredor e por instinto seguro seus braços para não nos esbarrarmos.

—Pra onde foi ontem?—Ele pergunta e eu tenho absoluta certeza de que dizer isso não foi nada calculado.

Palácio Blanco - Carlos SainzOnde histórias criam vida. Descubra agora