Muito tempo antes de qualquer tragédia roubar a vida do Príncipe Abelíris, uma mãe certa vez disse:
— Agora ouça, meu filho, ouça — a mãe falou, em tom manso. — Existe uma profecia, uma lenda que se repete até hoje. Sobre três almas de luz que reencarnam vida após vida, almas encarregadas de manter a paz. A ordem. A vida. Três almas que acumularam quantidades lendárias de feitos.
"Mas existe uma quarta alma, um quarto membro dessa profecia constante. Uma alma escura que é dita ser portadora de chamas que poderiam queimar o mundo todo em sua gula. Uma alma de caos. E que não importa a vida, ele sempre sucumbirá a escuridão que jaz em seu coração. Ao desejo de mudança. E que almejaria levar o mundo ao caos e a chamas.
Você entende, meu querido?" — a mãe perguntou, com a criança em seu colo. — O destino desta quarta entidade é inevitavelmente ser caçado, confrontado e derrotado por esses três heróis, que irão defender o mundo da escuridão. Vez após vez. Seu destino é sempre ser o vilão desta história.
A criança encarou a mãe, com olhos grandes e com íris alaranjadas. Um sinal do caos habitando aquela criança. Sol é o nome daquele pequeno serzinho, com poucos anos de vida ainda, mas já destinada a causar ruína.
— Você deve nunca deixar que te encontrem, Sol — proferiu a mãe daquela criança, a olhando diretamente nos olhos.
Nunca. Aquelas palavras, toda aquela história, ressoou na mente do pequeno garoto no colo de sua mãe.
— Eu sou essa pessoa má? — Sol perguntou, confuso em sua imaturidade.
A mãe tristemente sorriu, acariciando o rosto de seu filho.
— Não, Sol, você não é. Você é um jovem gentil, doce e apenas uma criança. Apenas uma criança.
— Mas eu vou ter que crescer e ficar mau? — ele questionou uma vez mais.
— Talvez, e ainda assim isso não importa. — Ela trouxe seu filho para mais perto de seu peito, abraçando. — Você é meu filho, e para mim, é isso que importa.
E dentro do abraço quente de sua mãe, de fato, nada daquilo importava. Se talvez criasse ruína, caos ou se tornasse a maldade encarnada. No momento ele era apenas uma criança aninhando no colo e entre os braços da mulher que chama de mãe e não há nada mais importante que aquilo.
E Sol nunca deixou ninguém encontrá-lo. Os anos se passaram e, tal qual seu título como Agente da Mudança implica, ele precisou mudar, se manter em constante movimento. O Fogo que arde dentro de seu peito o levou para fora de sua vila. Jamais esqueceria de sua mãe e de tudo que ela ensinou para ele, em todos aqueles anos. Poderia, sim, mudar, mas o amor que sente por sua mãe jamais se apagaria. E assim Sol atravessou os bosques, florestas e campos verdejantes em cima de um grande javali, animais comumente usados para montaria de onde veio. Atravessou rios, estradas, montanhas e todo e qualquer relevo. Sol se tornou engenhoso, sabendo sobreviver pelo mundo de forma nômade. Caçando, armazenando, colhendo e estando sempre atento a tudo que o cerca. Atento com qualquer chance de alguém reconhecê-lo, de alguém segui-lo.
A javali salta por um rio e eles aproveitam para beber da água que corre por ele. Banhado pelo calor daquele dia, Sol se espreguiça e solta um riso, sentindo alegria apenas por ser. Seu corpo se moldou em um alto jovem rapaz, cheio de força e vida.
— Será que devemos caçar, Brasa? — ele pergunta, enquanto faz carinho em sua javali, uma verdadeira (e talvez única) amiga em sua longa jornada a lugar nenhum.
O animal bufa, reagindo com alegria ao afago. Se seguirem este rio, Sol sabe que encontrarão uma cidade. Talvez consiga fazer algumas trocas lá. Tem um pouco de carne-seca e verduras que poderiam tentar trocar, algumas folhas e sementes que algum boticário ou alquimista poderia querer. Talvez conseguisse algum trabalho simples, que lhe renda algumas moedas e umas boas tigelas de comida. Contudo, sua mente o alerta dos avisos de sua mãe. Sol precisa tomar cuidado. Cidades sempre serão perigosas, o risco de ser reconhecido. Se alguém o perceber como a reencarnação do Caos, será perseguido, e seu rosto será espalhado por aí. Irão saber que ele está solto, caminhando por estas bandas. Vão vir atrás dele. E ele sabe como essa história acaba: ele perde. Ele sempre irá perder.
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Aspecto do Caos - Alma de Fogo
Fantasy~ Não recomendada para menores de 16 (dezesseis) anos ~ Essa história será uma tragédia que não precisava terminar deste modo ou uma ela será uma tragédia porque só poderia acabar deste modo? Em um ciclo que se repete, três almas heroicas reencarnam...