O canto da sereia

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• Casal fictício original (Madalena + Ísis)
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• Inspirado na arte de Jenifer Prince (@jeniferrprince no Instagram)

1520, Portugal

O amanhecer daquela sexta feira foi calmo, com o sol brando rasgando o céu recém clareado, algumas poucas nuvens brancas tingindo a imensidão azulada e um vento ameno soprando de leste a oeste. Os camponeses de toda Portugal se levantavam para mais um árduo dia de trabalho interminável, que lhes esgotavam as energias e lhes marcavam a face com o cansaço iminente; cada um se fixava em suas tarefas diárias, ora plantando e cuidando da colheita, ora servindo aos nobres, ora produzindo artigos para serem comercializados. Era uma época de muita fartura econômica para Portugal, as Grandes Navegações estavam em seu auge e o país mais rico do que nunca – o que, consequentemente, aumentava o número de tripulantes e aventureiros que se atiravam aos mares em busca de novas terras e riquezas. Nossa protagonista é uma dessas aventureiras. Criada por um pai pescador, Madalena era fissurada pelo mar e seus segredos; desde muito pequenina acompanhou seu pai em suas jornadas de pesca, onde navegavam pelo litoral de Lisboa com um pequeno barquinho de madeira construído pelo próprio camponês. Era assim que eles ganhavam a vida, comercializando peixes para os burgueses e para os nobres. Apesar daquilo ser um negócio estável que os mantinha longe da pobreza e da miséria, Madalena pensava grande: seu sonho era, na verdade, ser uma tripulante oficial do Rei, mas ela sabia que esse desejo estava longe de acontecer, afinal, mulheres não eram bem vindas nas equipes náuticas.
Um dia, porém, caminhando pela areia quente das praias que contornavam sua cidade, Madalena se deparou com uma enorme embarcação ancorada próxima de um dos principais Portos locais; curiosa, correu para perto a fim de observar melhor aquela movimentação e logo avistou o capitão, um senhor barbado, com cabelos grisalhos, um charuto na boca e a voz grossa e alta que ditava ordem atrás de ordem aos tripulantes. De tão atarefado com os comandos, o capitão não percebeu a presença da garota loira, que só lhe chamou a atenção quando trombou com um dos trabalhadores e o fez derrubar a caixa que segurava.

- Perdão! - a garota suplicou ao rapaz ranzinza, que lhe fez uma careta, pegou a caixa do chão e continuou a transportá-la para dentro do navio

- Quem é você e o que você faz atrapalhando meus tripulantes? - o capitão gritou, esvaziando seu pulmão

- Me desculpe, eu só estava observando - Madalena gaguejou, com a voz trêmula e falhada

- Pois observe de longe! - antes que o senhor pudesse dar as costas para a mulher curiosa, ela lhe questionou

- Para onde estão indo?

- Não te interessa, isso é de saber somente dos meus tripulantes

- Então me deixe entrar para sua tripulação! - Madalena disse confiante, com o peito estufado, porém recebeu como resposta apenas uma risada sincera do mais velho

- Você está de brincadeira comigo, garota!?

- De jeito nenhum, seria uma honra servir ao senhor e a sua caravela

- Pois saiba que minha tripulação não tem espaço para mulheres - o senhor dispensou um pouco de fumaça que lhe preenchia a boca e tornou a repousar o charuto em seus lábios, com a expressão facial de quem não quer mais conversa

- Por favor, me dê uma chance!

- Mesmo se eu quisesse, minha tripulação está completa

Como se o destino tivesse planejado tudo a favor de Madalena, naquele exato momento um dos trabalhadores se desequilibrou de cima do navio e caiu ao chão, despencando cinco metros até atingir o chão de areia maciça que logo foi tingido por um rastro de sangue vivo e vermelho, que reluzia os raios solares. Depois de alguns gemidos e momentos de angústia, seu corpo contorcido finalmente parou de funcionar e os espasmos cessaram, confirmando sua morte.

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