WRONG PERSON ⋆. wenclair

⋆. UM

Havia algo no mês de outubro que o tornava especial para Jericho. A tradição teve início há alguns anos, quando a história de amor do amor que Goody sentiu por Anthony fora evidenciada outra vez pela inauguração de um museu na cidade. 

Cartas e mais cartas de amor assinaladas apenas pelas iniciais do casal, a grafia perfeita de ambos exprimindo em papéis amarelados uma tradução do que seria um verdadeiro conto de fadas vivenciado no século XIX. Uma pena que o final fosse trágico. 

Blue Lovers. 

Era esse o nome que havia sido dado ao casal que tinha até data comemorativa: o dia que Goody havia partido, deixando para trás um homem apaixonado e palavras que anos depois tornaram-se símbolo do amor na sua forma mais pura e genuína. 

Nevermore estava organizando um baile em comemoração ao grande dia. Obviamente, tudo azul para evidenciar os olhos de Anthony que foram descritos inúmeras vezes por Goody, geralmente comparados ao céu ou ao oceano. Também era um bom trocadilho para a melancolia sofrida pelo sentimento de perda que carregava o mês. 

E era por isso que outubro em Jericho era tão…

— Incrível! — Eugene gritou, empolgado, os olhos brilhando sob as lentes dos óculos. — Eles decoraram a escola toda de azul, Weds. Dá pra acreditar que tá tudo azul? 

Azul. Azul. Azul. 

Wednesday não gostava muito daquela cor, mesmo não entendendo bem o motivo. Talvez só fosse muito… azul. 

— Sim, eu estou vendo — disse em meio a um suspiro. — E eu não acho que incrível seja a melhor forma de definir isso. Na verdade, é patético. 

Desde que havia se mudado para Jericho, meses antes, a garota ouvia sobre os Blue Lovers, o sacrifício de Goody para que seu amado sobrevivesse. Não sabia como um casal havia se tornado um símbolo apenas por cartas bobas que comparavam olhos azuis com céu e mar. 

Tão clichê.

Ela definitivamente não gostava de nada sobre aquele casal. Definitivamente não gostava de estar naquela cidade justo naquele mês do ano. 

Fechou o armário com mais força do que havia planejado, apertou os livros em seus braços e deu as costas para Eugene. O garoto ajeitou os óculos no rosto, apressando o passo para acompanhá-la. 

— Não é patético — insistiu Eugene. — É uma história de amor incrível. Imagine. Imagine se um dia você tivesse amado tanto alguém que as pessoas lembrassem disso por séculos e até decorassem escolas de azul por isso. 

Wednesday levantou o olhar para analisar a decoração mais uma vez e tentou controlar a vontade de fazer uma careta apenas com a possibilidade de aquilo acontecer. Certamente, se estivesse morta, seu espírito invadiria o local e causaria medo a todos até que entendessem que aquela era uma péssima ideia. 

— Não sei se quero imaginar isso, Eugene. — Ela parou em frente à porta da sala. Se separaria do amigo ali. — Sendo sincera, não vejo muito de especial em Goody e Anthony. É só mais um casal hétero que trocava cartas no século XIX. O que tem de especial nisso?

— O amor deles era especial. Ela se sacrificou por el…— Eugene começou, mas foi interrompido por uma voz ali perto. 

— Saber que Goody poderia ter tido um amante deixa as coisas mais interessantes pra você? 

Wednesday se virou e encarou o garoto de gorro sentado no fundo da sala. 

Ajax, única pessoa ali. 

— Ela tinha? — teve curiosidade pela primeira vez em algo relacionado àquela história. 

— Não — Eugene afirmou com convicção, empurrando os óculos para cima com o indicador antes de cruzar os braços. 

No entanto, Wednesday não lhe deu atenção. Se Goody tivesse tido um amante, então todo aquele amor que a cidade idolatrava era composto por sentimentos falsos em palavras falsas? 

Agora ela queria saber mais sobre essa história. Precisava saber. 

Finalmente havia algo interessante a ser explorado em Jericho. 

Apesar de sempre preferir sentar na frente, naquele dia, quando o sinal tocou, Wednesday decidiu ir para o fundo da sala. Talvez ela precisasse arrancar mais informações de Ajax. 

༅

Enid estranhou ao ver a carteira em frente a sua vazia quando sentou-se para a aula. Em todos os meses desde que havia se mudado para Jericho, Wednesday nunca se atrasou e muito menos faltou. Talvez fosse a pessoa mais pontual daquela cidade. 

Nos primeiros dias, os colegas chegaram a pensar na possibilidade de que ela não falasse, e até teorizaram sobre a Addams ser uma vampira ou algum ser mitológico desconhecido, principalmente quando perceberam que ela quase não piscava os olhos. 

Ela mantinha uma barreira invisível para todos. Só Eugene ousou se aproximar. 

Ninguém soube como, mas o garoto conquistou o cargo de amigo de Wednesday, e provavelmente apenas depois disso ouviram a voz da garota pela primeira vez. 

Mas, ainda assim, ela nunca havia ficado doente, nunca havia perdido aula. 

Então, por que a carteira que ela normalmente ocupava estava vazia?

Enid teve a resposta ao virar-se para comentar com Yoko.

Wednesday já estava na sala. 

Não no lugar de sempre, mas estava ali; encarando Ajax enquanto o garoto escrevia algo em um pedaço rasgado de papel. Assim que terminou, dobrou e entregou para a Addams que, Enid tinha quase certeza, sorriu. 

Bem, talvez não exatamente um sorriso, mas o esboço de um. Apenas um curvar leve de lábios, e o máximo que Sinclair fora capaz de presenciar de um sorriso dela. 

Enid desviou o olhar dos dois e virou-se novamente para frente. 

Era mês de Blues Lovers. Mês de troca de declarações. Mês do amor em Jericho. 

Wednesday e Ajax estariam trocando cartinhas de amor? 

Não poderia ser, Enid se negava a acreditar. 

Ajax havia sido um dos primeiros a comentar que Wednesday era uma possível serial killer que buscava novas vítimas em uma cidade nova onde ninguém a conhecesse. Ele nunca deixaria seus sentimentos serem levados por ela. 

Mas ele também nunca trocaria bilhetinhos com ela durante a aula. E não era exatamente isso que estavam fazendo? 

Além disso, Wednesday Addams sorriu.

Sorriu para Ajax. 

Sorriu. 

Enid cruzou os braços na mesa e resmungou. 

Guardava sentimentos secretos por ele há anos. Conviviam juntos. Eram amigos. 

Mas ela nunca precisou se preocupar com possíveis concorrentes, nunca precisou apressar as coisas. Ajax nunca demonstrou ter sentimentos por ninguém. 

Ele também nunca escrevia pra ninguém durante a aula. 

Enid concluiu que talvez precisasse parar de fugir. Deveria fazer algo. O mais rápido possível. 

──⭒─⭑─⭒──

Outubro chegou cedo pra gente, né? Talvez a gente também devesse pintar tudo de azul. Eu acho uma cor tão bonita.