Certezas

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No silêncio da noite, o retorno do sítio no Ônibus com o pessoal da igreja transcorreu serenamente. As estrelas pontuavam o céu, testemunhando a paz que envolvia o grupo.
A noite avançava, e as luzes da cidade distante surgiam no horizonte, indicando o retorno à rotina cotidiana. Aconchegadas em cobertores, as crianças dormiam profundamente, alheias ao mundo lá fora. Ana e Mariana, ocasionalmente trocando olhares significativos, sentiam uma tranquilidade gostosa em seus corpos.
Ao chegarem ao destino, desceram do ônibus e foram rapidamente no banheiro. Ana e Mariana levaram suas bebês pra trocarem a fralda e fazerem suas necessidades.
-Gostou de hoje, Mari?
-Sim, foi bem agradável... eu gosto de passar meu tempo com você- vo-voces!
-Também gosto de passar meu tempo com... você. -Ana nesse momento olhou profundamente pra morena, que corou com o olhar azul diamante.
-Vem amanhã?
-Sim.
-Que bom, então te espero. Vamos?
As duas sorriram de canto e saíram pra entrada da igreja.
Mariana foi pra casa com um brilho nos olhos, e a cabeça a mil conspirando pra tudo o que estava passando.
Será mesmo que Ana dava sinais? Será que ela estava louca? Só sabia que a cada momento poderia se enrolar mais e mais.
-Mãe..?
-Oi, filha. Chegou tarde... Oi neném da vovó! - A mais velha falou sorridente.
-Pois é, o sítio é longe. Mãe...
-Fala, filha.
-Sobre a ligação de hoje... -Teresa fez uma cara nada boa. -Por favor, não me julga! Você não tem local de fala.
-Não vou. Só fico com medo de se magoar.
-Faz um favor pra mim, vai comigo amanhã no culto e vê pra mim os traços e jeitos da Ana... me diz que estou louca, por favor! Eu estou a beira de ir no CAPS pedir 5 caixas de Rivotril pra poder sair dessa loucura. Eu sinto que ela corresponde mas isso é insano.
-Ai meu Deus, tadinha de você... tinha que ter saído de mim mesmo. Só confusão! Eu vou com você.
-Amanhã, às 10horas vamos.

No dia seguinte as duas se ajeitaram, deixaram Regina com Pablo e foram pra Igreja.
-Mamãe, por favor disfarça.
-Pedindo isso pra mim? Sou a maior atriz da America Latina, meu amor! - As duas riram e entraram no local.
De cara Mari encontrou Ana fazendo uma anotações na mesinha de canto da igreja.
Tere que já estava atenta, pregou seu olhar na loira.
Mariana guiou Teresa até Ana. A mesinha da igreja transformou-se em um lugar para a revelação esperada. A troca de olhares entre as três mulheres era intensa, carregada de expectativa e um toque de apreensão.

-Olá, Ana.
-Oi! Tudo bem?
-Tudo sim...
-Veja só... trouxe uma amiga! Que bacana. Sempre bom termos comunhão com Senhor Jesus, né? -Mariana sorriu amarelo, era engraçado lembrar que às vezes a loira na sua frente era uma pastora casada. O olhar da loira era curioso.
-Não é uma amiga...
-Não? E quem é? - Ana encarou a morena com um olhar sutil porém intenso.
-É minha mãe...
As apresentações ocorreram e Ana, apesar de surpresa, acolheu Teresa com uma genuína expressão de calor humano.
-Sim, sim. Vim acompanhar minha filha, quero saber os lugares que ela frequenta. - Disse teresa brincando.
-Pode ficar tranquila que aqui ela está sendo bem cuidada. -Ana sorriu e olhou pra Mariana. Tere sorriu e mirou pro jeito que a loira se referia a filha...
A mãe, com olhos atentos, absorvia cada detalhe do culto, observando os movimentos de Ana e a troca de olhares furtivos com Mariana. Entre cânticos e sermões, a mente de Teresa buscava entender os sinais que indicavam um desejo oculto. Cada palavra do pregador parecia sussurrar segredos, alimentando a suspeita que a levou à igreja naquela manhã.
A palavra acabou mas Mariana foi falar com Ana. A morena sentia falta do toque da loira e de um jeito sagaz pediu uma oração, já que assim poderia ficar mais tempo sentindo o suave toque daquela mulher. Se achava muito pecadora por estar fazendo aquilo, mas precisava que sua mãe percebesse se era imaginação sua ou não...
-Podemos fazer aqui mesmo ou na salinha, onde prefere?
-Lá, né? É mais reservado...
Logo as três foram pra salinha mas Tere ficou do lado de fora pra pegar água.
Nesse momento, a morena colocou disfarçadamente sua cabeça no vidro da Sala e começou a analisar a cena.
Enquanto isso na perspectiva da mais nova, ela sentia o toque de mãos de Ana e derretia por dentro. Como apenas um toque poderia lhe causar tanto conforto? Tanta química? De olhos fechados, Mariana tentava memorizar cada parte daqueles dedos tão delicados, daquela mão macia e por um momento desejou que a loira não parasse de orar.
Foi despertada por Ana separando as mãos.
-O que achou da oração? Se sente melhor?
-Ah, com certeza sim... foram palavras bonitas.- Mentiu, não ouviu quase nada que a loira disse, estava viajando no seu toque.
-Fico feliz. - Nesse momento Ana, que agia sempre nas entrelinhas, ajeitou o colar no pescoço de Mariana.
-Bom, eu tenho que ir agora. Gostou da minha mãe?
-Uma querida. Traga mais vezes. Vamos.
As duas saíram e deram de cara com Teresa. Mariana viu de longe que sua mãe estava tentando disfarçar, porque antes de sair a viu com a cara no vidro e gargalhou por dentro.
-Ola! Gostou do culto?
-Gostei sim, com certeza virei mais vezes. Obrigada por esse carinho com minha filha. - Nesse momento Teresa abraçou Ana e olhou com uma cara engraçada e travessa pra Mariana.
-Oba, espero vocês então. Não faço nenhum esforço pra gostar dela... é uma ótima amiga.
As três se despediram e mãe e filha foram pra casa.
Ao entrarem no apartamento começaram a falar abertamente sobre o que Teresa havia achado.
Ao longo do culto, as peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar. Gestos delicados, olhares prolongados e sorrisos compartilhados sugeriam uma conexão especial entre Ana e Mariana. Teresa, cada vez mais convencida, sentiu a energia sutil que pairava no ar, confirmando as suspeitas de sua filha.
-Sério que achou isso, mãe? Não estou louca?
-Filha, se você é louca então sou o coringa! Inacreditável como ela não tirou os olhos de você por um segundo. Até eu achei que estava atrapalhando algo.
-Meu Deus... o que faço?
-Bom, se fosse comigo eu me afastaria. Com certeza você vai sair magoada dessa... é uma situação complicada.
É nítido a atração dela por você. E aquela puxada no seu colar? Mulheres falam muito com gestos!
-Eu reparei nessa hora mas não quis alimentar nada na minha cabeça... sinceramente.
-Acredito. Pensa no que te disse... Sai dessa.
Terê foi cozinhar pras duas enquanto Mariana entrava pensativa no quarto.
Ao mesmo tempo que sentia felicidade por aquilo não ser sua imaginação, sentia preocupação pela furada que estava entrando... mas seu desejo falava tão mais alto que pensar em se afastar de Ana a causava dor física. Ela teria que achar uma saída, deve ter uma saída, certo?
Em uma típica terça-feira, a casa de Ana se tornava o cenário de uma reunião regular da célula. No entanto, dessa vez, Mariana optou por não comparecer. Um desconforto latente pairava em sua mente, consciente dos sentimentos que cresciam entre ela e Ana. Sentia a necessidade de um espaço para refletir sobre a complexidade da situação.
Ao perceber a ausência de Mariana, Ana, que não sabia da verdadeira razão, enviou uma mensagem expressando saudades e preocupação.
"Mari? Tudo bem? senti sua falta..."
"Oi, Ana... Regina está doentinha. To cuidando dela."
"Hm... que pena. Melhoras pra essa fofura."
"Obrigada..."
"Está tudo bem? Se precisar de algo to aqui."
"Ta sim! Ok. Obrigada. Beijos!"
"Nada... beijos"
Mariana, por sua vez, respondeu com uma desculpa superficial, ocultando os verdadeiros motivos que a afastavam. Um dilema silencioso começava a se instalar entre elas.

Maryana - Amor ou pecado? Onde histórias criam vida. Descubra agora