And I love you, it's ruining my life
I touched you for only a fortnightFortnight - Taylor Swift
O caos instaurado na sala comum pelas manhãs era tão natural quanto puxar o ar até os pulmões. A hora do café da manhã era quase uma zona de guerra, onde não importava a fartura, nunca era o suficiente para os 11 irmãos Somerset. O pai a cabeceira apenas bebericava sua bebida quente, que Chloe sabia estar misturada a algo bem mais forte. Porém ela não comentava nada, afinal, seu chocolate quente noturno nunca era só chocolate. O olhar cansado do homem encarava a cadeira vazia oposta, com a dor que refletia o sentimentos de todos ali, mas ele certamente a sentia dobrado.
A mãe não estava bem a anos, desde que deu a luz a caçula da família. Algo em sua cabeça havia mudado, ela não era mais a mulher alegre, apaixonada pela vida que sempre foi. Mal saia da cama, balbuciando coisas sem sentido, com pequenas lágrimas sempre escorrendo pelas bochechas, antes cheias, porém a falta de alimentação haviam deixado-as fundas. O pai se recusava a levar a mulher que amava para um sanatório, provavelmente morreria antes de permitir que os médicos fizessem seus procedimentos a ela. Ele sabia dos horrores que ela passaria presa em um lugar como aquele. Chloe também.
Como a filha mais velha da família, ela sempre teve a responsabilidade de cuidar dos irmãos, de ser um exemplo, e sempre havia abraçado isso com muito esmero, porém, desde o nascimento de Mary, aquilo tinha virado sua vida. De certa forma, agradecia a ruína de sua reputação a três anos atrás, assim poderia sempre estar com sua família, cuidando, zelando, sendo o que eles precisassem que fosse.
De certa forma, Chloe era a mais introspectiva dos onze, havia encontrado refugio em campos secretos em sua mente e nos livros, o único lugar que ela se permitia sonhar. Um escape, mas era apenas isso. Ela sabia que a vida real não teria a mesma cortesia com ela do que com as heroínas feitas apenas de palavras no papel.
Não a entenda mal, ela amava os irmãos. Era capaz de matar e morrer por eles, mas sentia que era oca. Se doava tanto que não sobrava nada para si, nem mesmo tempo para saber sua identidade. Havia apenas o dever, e ela havia se apegado a ele com um senso de propósito. A única vez que ousou ter algo para si, bem... nunca mais seria tão ambiciosa. Estava conformada que havia nascido para servir, para amparar. E nunca ao contrário.
- ... e eu já disse a você, irritante criatura, que não faço ideia de onde está!- o grito de Mary a desperta do diálogo interno, as vozes antes abafadas, agora estridentes. Com uma careta, Chloe olha com censura para a irmã caçula, tentando entender qual o motivo da discussão. Para uma menina de dez anos, sua personalidade era forte, principalmente quando confrontada pelas mais velhas.
- Pois me lembro perfeitamente de tê-lo deixado em cima de minha cama logo antes de você entrar e mexer em tudo!- acusa Juliet, a segunda mais nova, em toda sua fúria. Apesar da diferença de três anos, as duas sempre andavam juntas. Bom, mais ou menos. Mary adorava a natureza, queria entrar em todas as cachoeiras, pisotear poças de lama, pulava de alegria debaixo de chuva. Já Juliet gostava demais de seus vestidos para se submeter a isso.
- Do que estão falando?- Chloe pergunta, lembrando de colocar algo no estômago. Ela pega algumas uvas e come no automático, sua atenção focada nas meninas.
- Mary pegou meu diário e está mentindo dizendo que não!- a menina olha com raiva para a irmã, os cachos dourados acompanhando o movimento.
- Eu já disse onde esconde-lo, você praticamente pede para isso acontecer. - Emma diz, seus olhos esverdeados concentrados na comida a sua frente.
- Como se o seu já não tivesse sido roubado pela mesma ladra!
- E eu aprendi a minha lição.- ela rebate, dando um sorriso convencido.
- Meninas, por favor... estão me dando dor de cabeça.- Harry afunda na cadeira, os dedos massageando as têmporas.
- Talvez se você não voltasse para casa as cinco da manhã, poderia ter uma boa noite de sono e não reclamaria disso. - Este diz, abaixando o livro que estava concentrada para olhar para o homem que se encontrava em estado deplorável. Ele apenas faz um gesto ofensivo com a mão. Que ela devolve.
- Nós não podemos comer em paz um só dia? - Aurora reclama e Cornelia apenas ri, dando de ombros.
- Um dia sentiremos falta dessas reuniões, querida irmã. Um dia não estaremos mais todos juntos, e rezaremos para que tempos assim aconteçam.
- Cornelia, você fala como se fossemos todos morrer. - Clyde levanta a sobrancelha, achando graça. O cabelo negro longo toca seus ombros e ele o tira do rosto com a mão.
- Não, não morrer... mas casar, formar nossa própria família. - a menina diz, colocando a longa e adornada trança para trás. Seus olhos azuis delicados sempre lembraram a água mais cristalina da praia. E o cabelo loiro pálido dava aparência angelical. O que combinava completamente com a personalidade.
- Alguém esta ansiosa para o debute. - Clyde comenta e tira um sorriso delicado da irmã, mas ele a conhecia bem. Apesar de serem opostos, eram como unha e carne.
- Não só ela, não sei porque só podemos debutar aos 19... minhas amigas só tiveram que esperar até os 17!- Juliet reclama, o assunto do diário esquecido por hora. Chloe se remexe na cadeira, desconfortável pelo assunto.
- Não é bom expor vocês a sociedade tão novas. - a mais velha diz, pressionando os lábios.
- Mas porquê não? Eu quero ir em bailes! Para que tantos vestidos se só vocês estão vendo?- a loira levanta uma sobrancelha, a rebeldia explícita.
- Se é assim, podemos cortar sua mesada então. - Skyler se pronuncia pela primeira vez em horas, encarando a garota. Chloe abre um sorriso, sabendo muito bem que aquilo calaria a boca da irmã por um bom tempo. Como o segundo mais velho e primeiro filho homem do duque, Skyler sempre tinha a palavra final, ultimamente, mais que o próprio duque. O pai havia virado quase uma casca oca. Ele ainda tentava, mas nunca estava verdadeiramente presente.
- Não foi isso que eu quis dizer... - Juliet começa, verdadeiro terror em seus olhos.
- Ótimo, então assunto encerrado. E Mary, devolva o diário. Todos sabemos que você pegou, não me faça colocá-la de castigo. - o mais velho fala, com mais doçura na voz. A menina exita por alguns instantes, mas bufa por fim, afirmando com a cabeça e se retirando da mesa. Juliet a segue com gritos de "EU SABIA! SUA DESLEAL, MENTIROSA, TRAMBIQUEIRA...".
- Queria que Ed estivesse aqui... - Emma suspira, fazendo um beiço.
- Ela nos encontrará em Londres para a temporada, não se preocupe. - a mais velha garante, vendo a irmã apenas concordar com a cabeça desanimadamente.
- Eu vou... - o pai começa a falar e todos se calam. O silêncio começa a reinar e todos se viram para o duque, surpresos por sequer ouvir sua voz. - Eu vou resolver alguns assuntos na cidade hoje. Obedeçam a sua irmã. - Ele olha rapidamente para os filhos e assente, deixando a mesa como um fantasma. O prato intocado. A xícara vazia. Chloe pressiona os lábios, olhando o pai desaparecer no corredor e sabendo que ele não vai sair para resolver nada. Ele parece não se dar conta que a mentira não é mais tão convincente dez anos depois. Todos sabem que ele passará o dia deitado ao lado de sua esposa, mesmo que em silêncio.
As vezes a mulher imaginava um amor assim. Onde um parecia depender do outro pra viver. Onde apenas existia sobrevivência em um mundo que sua metade não existisse. Ou que não conseguisse existir. Que mesmo o silêncio durante horas ao lado do amado era o suficiente. Ela achava que tinha encontrado no antigo noivo, e havia se enganado. Tentava se convencer que não queria mais aquilo, que aquela vontade havia morrido junto com aquele relacionamento, mas a voz sempre voltava. E se?
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A Ruína do Amor
RomanceLivro 1 da série "Os Irmãos Somerset" Ao auge de seus 29 anos, Chloe era solteira com um noivado desfeito. Isso não seria problema nenhum, se não fosse 1831. O escândalo só não tinha acabado por completo com o bom nome Somerset porque seu pai era o...