cap 2

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10/06/2024
NERISSA DELACROIX.

Os demonios fogem quando um homem bom vai para a guerra. - William Shakespeare.

Acordei com o despertador tocando, uma repetição incessante e irritante que já durava cinco minutos. Aquele som metálico era como unhas arranhando uma lousa, um lembrete cruel de que a vida continuava, mesmo quando tudo dentro de mim queria que ela parasse.

Graças aos remédios, finalmente consegui dormir essa noite. Meu corpo estava pesado, como se estivesse preso em areia movediça, mas pelo menos os demônios em minha mente estavam silenciados, mesmo que temporariamente. Essa sonolência artificial era um alívio bem-vindo, uma fuga da tempestade constante de pensamentos e emoções que me assolavam.

Eu estava completamente dopada, mas era a única forma de não sentir. Os remédios me ofereciam um consolo que a realidade jamais poderia proporcionar. A cada comprimido, a cada dose, eu sentia um alívio imediato, uma sensação de paz que eu não conseguia encontrar de outra maneira. Eles me davam a capacidade de enfrentar o dia, de levantar da cama, de colocar um pé na frente do outro. Sem eles, eu me afogaria na escuridão.

Enquanto me arrastava para fora da cama, minha mente vagava por um turbilhão de pensamentos confusos. Sentia um misto de culpa e alívio. Culpa por depender tanto dessas pílulas, por não conseguir ser forte o suficiente para lidar com meus próprios demônios. Alívio por, pelo menos por um momento, não sentir nada.

Tomar os remédios era como acender uma luz em um quarto escuro. Por um breve momento, eu podia ver claramente, podia respirar sem a sensação de estar sufocando. Era nesses momentos que eu me sentia viva, paradoxalmente viva na artificialidade da minha existência química. Eu sabia que essa não era a vida que eu queria para mim, mas era a vida que eu tinha agora, a única vida que eu conseguia suportar.

Cada comprimido era uma promessa de normalidade, um passo em direção a um dia sem dor. Era estranho como algo tão pequeno podia ter um poder tão grande sobre mim. Quando os efeitos começavam a se dissipar, eu sentia o medo rastejando de volta, os demônios se aproximando novamente. E então, eu sabia que logo precisaria de outra dose, outra fuga temporária.

Minha relação com os remédios era complexa. Eu os odiava por me fazerem sentir fraca, mas os amava por me darem um pouco de paz. Era um ciclo vicioso, uma dança entre a necessidade e o desespero. Às vezes, me perguntava se algum dia conseguiria viver sem eles, se algum dia os demônios em minha mente se calariam por completo.

Enquanto engolia mais um comprimido, sentia a amargura se dissolver em minha boca. Fechei os olhos e esperei que a familiar onda de entorpecimento me envolvesse. Mais uma vez, eu poderia enfrentar o dia, mascarar meus medos e continuar. Por mais um dia, eu poderia sentir algo próximo à normalidade, mesmo que fosse apenas uma ilusão química.

Era uma batalha constante, um equilíbrio delicado entre a lucidez e a loucura. Mas, por agora, os remédios eram meus aliados, minha âncora na tempestade. E eu me agarrava a eles com todas as minhas forças, esperando, desesperadamente, por um dia em que não precisasse mais deles para sentir-me viva.

pirei, levantando da cama rapidamente. O quarto começou a girar ao meu redor, um turbilhão de cores e sombras. Tonta, me apoiei na parede e ri sarcasticamente. — E tudo começou a girar... girar e eu disse: Berenice, nós vamos bater. — Era ridículo, mas o sarcasmo era uma das poucas armas que eu tinha contra a realidade cruel.

A tontura passou aos poucos, e eu respirei fundo, tentando levar a vida a sério novamente. Caminhei até a porta e a abri, apenas para dar de cara com minha mãe. Levei um espasmo de susto, meu coração disparando.

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