— Ah, nem te falei, sua tia Bete comprou um cabrito. — a voz da minha mãe ecoa pela chamada de vídeo.
— Outro?! Por que ela e o tio Oswaldo não adotam um cachorro igual pessoas normais? — olho para ela enquanto termino de lavar o prato colorido de Dona Célia, que realmente me mandou uma marmitinha. Não que eu tivesse dúvida de que ela faria isso mesmo.
— Ah filha, você sabe como eles ficaram tristes depois que a Dorinha teve que ser sacrificada. E aquele sítio deles é enorme. Aí foram lá e arrumaram outro cabrito. — minha família realmente é um acontecimento e mesmo eu achando todo mundo lá maluco, eu sinto muita saudade de todos eles.
Meu celular vibra e uma notificação de mensagem aparece em cima da nossa ligação. Reviro os olhos e solto o ar com força quando vejo que não é uma mensagem do meu amigo falando "Transei!" e sim uma do meu pai tentando, mais uma vez, conversar comigo.
Bom, é o número dele da vez. Eu imagino ele andando por aquela cidade, pegando aparelhos emprestados para tentar entrar em contato comigo, já que eu bloqueei os números que eram dele de fato. Quando eu vejo o DDD de São Manuel, simplesmente deixo a ligação tocar até cair ou só ignoro as mensagens. Quem me importa daquela cidade eu tenho o número salvo.
— O que foi? Você tá com cara de quem comeu coisa estragada. — minha mãe pergunta.
— Nada importante. Só o seu ex que ainda me manda mensagem falando que quer me ver como se eu não ignorasse ele.
— Bem que falam por aí que se ex fosse bom, Deus não estava tentando ensinar a gente a amar o próximo, né? — dou risada.
Minha mãe é maravilhosa, é definitivamente a pessoa que eu mais sinto saudade desde que me mudei. É horrível não ter ela aqui pertinho de mim porque, de alguma forma, ela sabe tudo e sempre fala o que eu preciso ouvir.
— Ele ao menos sabe que não estou mais morando em São Manuel? — questiono, secando as mãos no pano de prato assim que acabo.
— Florinha, eu não falei nada, mas você sabe como cidade do interior é, minha filha. As pessoas notam que você não aparece mais em lugar algum, alguma conversa já deve ter chegado no ouvido dele.
Realmente não faz nenhum sentido ele querer me ver se sabe que eu não estou lá, mas eu cansei de tentar entender as atitudes dele há muito tempo.
— Ele tem me ligado bastante, também. O número dele mesmo. — continua. — Eu acabei atendendo essa semana.
— Mãe! Eu já falei para você não ficar dando palco para maluco. — pego meu celular e vou até o sofá, onde me jogo e seguro o aparelho de um jeito que dê para ver meu rosto.
— Eu sei disso! Mas ele parece realmente só querer conversar. Combinei de me encontrar com ele na sexta, lá na praça da igrejinha. — respiro fundo. Eu não sei porque ela ainda dá bola para ele. O cara nunca tentou ser um bom pai, e apesar da minha mãe não falar, eu tenho certeza que ele também não tentou ser o bom marido que ela merecia.
Eu entendo ele encher o saco dela. Quer dizer, ela tem um coração bom demais para simplesmente fingir que ele morreu e ele se agarra a essa pouca atenção que recebe. Mas eu? Eu ignoro ele há anos. Imaginei que a essas alturas ele já estaria cansado e teria desistido. Afinal de contas, desistir de mim sempre foi uma coisa muito fácil para ele fazer.
Nossa... pesei o clima, né? Foi mal. Eu juro que tô tratando disso hoje em dia. Não tipo, na terapia, se é o que você está pensando. Na verdade eu só corro de vez em quando pelo bairro e isso é tudo o que temos.
— Tá bom, mãe. Não tem muito o que eu possa fazer daqui de São Paulo, mas será que você pode, por favor, falar com o Thiago ou com o Bernardo para ver se algum deles pode te acompanhar? — peço.
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Posso Ser Ela?
RomanceTrabalhando em algo que não quer, morando em uma capital e se esforçando para continuar sendo uma filha presente, Flora Dias sonhava com coisas boas em sua vida e nenhuma delas envolvia conhecer uma das cantoras mais famosas do país. Theo Rodrigues...