"A consideração de tempo defere à cada pessoa, pois para mim, nasci hoje, e amanhã, nascerei de novo..."
-R.M.Narloky...
Ah o tédio. Mal dos acabados, que faz
um sábio ouvir conselhos de coitado, e um jovem apaixonado vê o amor de sua amada em um chato sapato.
AH! QUE TÉDIO!
Uma manga cai bruscamente do pé, espatifa abafada na grama, assusta um gato laranja, que pávido fala:
"Que susto senhor!!! Espera um segundo, eu falo? Mas sou um gato! Não! Eu não falo... só estou entediado..." e daí voltou a miar.
É domingo, dia 4, o primeiro de fevereiro, e o último que nem passou em mente para janeiro. O sol está mais quente, mais
radiante, brilha em sua aurora total, mas mesmo assim prefiro ver o mundo em preto e branco.
"Tudo é belo!" exclamou uma flor no jardim ao lado.
"O sol que é belo, pois ele me alimenta, tudo, é somente exagero." contestou o girassol.
"O exagero é belo!" disse o dente-de-leão baforando suas sementes ao longe em puro êxtase comemorativo.
"Que nada! Eu que sou belo!" orgulhou-se o narciso no final. As flores se entre olharam, suspiraram, e em coral disseram:
"Que tédio!"Tudo parecia tedioso naquele dia. Então, peguei um livro e me permiti a ingenuidade infantil, a ignorância romantizada da vida de me sentar debaixo da sombra daquela árvore ancestral, sem ao menos cogitar em ativar o alerta de perigo que causam ânsias em pensamentos, e ali relaxei, em ataraxia, sem me preocupar com a cobra que poderia me picar. Aliás, eu estava entediado. Olhei ao céu, entre aquelas folhas que pareciam orelhas de verdes elefantes, estava azul mais que tudo contrastando com as imensas nuvens de algodão; procurei ali em minha mais pura contemplação o fim de meu emburrecimento. Porém, fiquei mais entediado.
ZUUUUM!
De repente, cortando os ventos e assobiando em meu ouvido, passaram duas libélulas ansiosas.
"Estavam apostando corrida", pensei, pois só assim explicava o motivo de voarem desenfreadamente. Mas lembrei-me das aulas de minha velha professorinha, onde dizia que libélulas somente viviam vinte quatro horas por dia. Elas estavam sim apostando uma corrida, mas não entre elas, mas sim, contra o tédio, pois não haviam tempo para ficarem entediadas.
Olhei para o chão, ver se dali um pensamento me viesse à mente e me ocupasse dessa tal entediação. No entanto, ao invés disso, encontrei formigas, a qual andavam em fila, círculo e até mesmo zig-zag, pareciam atordoadas com tanta labuta.
"Devem ser tontas por somente trabalhar, por isso nem sabe mais como andar" disse em supetão.
Como eu esperava, meu comentário não fizeram elas andarem de forma sã e cooperativa, porém percebi que todas haviam mais noção de seus caminhos do que eu, que tentava esquecer do passado e não se preocupar com o futuro. Buscando sentido em coisas que não possuíam um. Desta forma, sorri e logo veio-me uma gargalhada generosa. Abri o livro, neguei com a cabeça, e me permiti ficar entediado.
Afinal, aquele era somente mais um domingo. Um domingo dia quatro.
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A vaca de porcelana
Short StoryUma cabeça decepada cai aos pés de uma garota e diz: Atrabílis. Uma vaca contrai câncer de tanto ruminar seus sentimentos. Uma boneca que aprendeu a brincar... E muito outros. A vaca de porcelana é uma coletânea de textos surreais, prosas e contos s...