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   Começar a vida adulta é ter uma senha na mão. Nada de números rosas e bordados, pois quando lhe entregam uma senha para esperar, ela tende ter a cor da vida, que você jovem, está prestes a ter: preto e branco. Olho minha senha, 46, na parte de trás a metade de um 52; e ali eu tinha que decidi se eu seria um 46 por inteiro ou a metade de um 52.
Dois jovens adultos conversam do meu lado. Um diz:

"Quando eu entrar na universidade terei que cuidar de um ovo."

"Um ovo?" Assustou-se o outro jovem

"É! Os calouros geralmente dão ovos para cuidarem, como um filho. Eles testam sua responsabilidade."

"Minha responsabilidade? Não sei se ela seria definida a um ovo..."

"Claro que sim, toda responsabilidade é frágil como um!"

"Mas se você for maduro, talvez ela seja rígida como uma pedra."

"Talvez... mas Iai você cuidaria de um ovo?"

"Nem que a vaca tussa!!!"

   Então todas as vacas tussiram a partir daquele dia.

   Uma porta se abre, entra uma mulher alta, nariz empinado, de cabelos avoassantes e um leve sorriso em seu rosto. Ela entrou com esperanças, sentou na cadeira e quando viu que sua senha era a 30, logo desesperançou.
   Chega um rapaz com arrogância encarnada em sua cara acavalada, a dona das senhas entregou-lhe uma, era a senha 70, então procurou para se sentar, e sentou-se ao lado de um velho de grossas sombrancelhas, que ao ver a senha do garoto, suspendeu o senho e mostrou um olhar de ganância.

"Meu jovem, como você poder ter uma senha destas, eu tenho mais tempo de vida e não ganhei uma senha tão distante de ser atendida. Você daria sua senha a esse pobre velinho?"

"Não."

"E por que não?!"

"Por que sua senha é a 100!"

"Ah mas isso é um equívoco seu, é um 100 próximo!"

"Como assim um 100 próximo?"

"É que meu número já está preste a ser chamado na fila dos centenários, mas não sei se quero ser atendido, sabe um velho não tem muito o que fazer em casa do que jogar truco contra o tempo. Então o que me diz? Quer trocar as senhas?"

"Não!"

   Ele era um corredor profissional, competia contra a vida, queria alcançar o mais rápido possível na linha de chegada. Mal sabia ele que uma hora ele vai cansar.

   Uma carta caiu da moça que arrumava sua bolsa, então o homem ao seu lado foi pegar e sua mão acabou se cruzando juntamente com seu olhar ao da moça. "É amor verdadeiro!!!" pensou a empolgada menina que estava a cadeira a frente. Mas logo os dois voltaram as cadeiras, pigarrearam, e nem se falaram, afinal não era um conto de fadas, era a vida adulta.

"Aqui senhora" as donas das senhas entregou uma senha a uma velha centenária.

Ela se sentou ao lado da filha.

"Que absurdo!"

"Porque absurdo minha filha?"

"Como lhe entregaram uma senha tão longa, é a 80 da fila dos decimais"

A velha gargalhou de forma pueril.

"Minha filha, eu vivi a minha vida, o tempo de uma fila não define o tempo de minha existência. Sou tão jovem quanto aquela menina ali, mas meu corpo não mais."

   Então fui chamado, fui atendido e fui embora, começar a viver  o que os jovens desamparados chamam de  vida adulta. A minha existência além daqueles números e cadeiras.Um 46 por inteiro, não mais uma metade de 52.

[...]

A vaca de porcelanaOnde histórias criam vida. Descubra agora