• capítulo seis: queimar.

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Eu nunca gostei da escuridão, odiava a sensação de vazio que ela trazia em conjunto, impregnando minha mente com aquele medo síncrono da angústia me corroendo por dentro, nas entranhas, mastigando em meus ouvidos tremendo o farfalhar na ponta da cabeça criando aquele fio elétrico de energia que paralisava meu corpo com os mesmos sentimentos ruins de sempre, os sentimentos que me assombravam desde o dia que Thomas me deu seu primeiro "Olá", que foi quando todas as luzes apagaram. 

A escuridão foi rabiscada por um feixe de luz estranho, tal rabisco aos poucos se tornado um grande rasgo, como uma cortina se abrindo diante dos meus olhos, dando visibilidade ás cores mais claras que o ser humano poderia enxergar, todas mescladas como se fossem apenas uma, se unindo no embaçado que se apresentavam em minhas retinas.

O branco ganhava vida e estrutura conforme minha visão se adaptava e então descobri-lo ser um telhado, velho e descascado.

— Senhorita Gargari, consegue me ouvir?

A voz ecoou tão alto que senti minha cabeça pesar, mas não demorou muito para perceber que esse peso na verdade era todo o meu corpo, como se um âncora gigantesca estivesse pressionando meu tórax por completo ou uma sensação semelhante a ter minha carne pesando mil quilos a mais que o normal. Também não demorou muito para reconhecer que aquele peso era dor, dor que me amassava.

— Sim.. – murmurei, engolindo seco. Quanto tempo se passou sem eu beber um copo de água se quer? – Eu.. eu estou num hospital, não é?

— Hospital Central de Duskwood. – não conseguia reconhecer a voz áspera que tagarelava sem emoção e ao olhar para o senhor trajado formalmente em um jaleco branco descobri a razão. Não o conhecia. – Por sorte seus ferimentos não foram graves, mas você respirou muita fumaça. Nada que não fosse possível controlar.. Consegue se levantar?

Minhas costas gritaram em um alto estalo quando as forcei ficar na posição ereta, conservando um grande auxilio dos meus braços que doíam muito, uma dor incômoda que me deixava mais desconfortável do que estar diante daquele doutor desconhecido.

— Onde está Richy? – outro murmúrio, desta vez sentada na maca qual meu corpo antes se repousava deitado.

— Richy Roger? Deve saber o que aconteceu com ele.. não foi fácil mas estamos fazendo o possível para controlar os danos. – ele não levantava os olhos enquanto falava, apenas se focava na prancheta em suas mãos.

— Como assim danos?

E então finalmente conheci os olhos daquele senhor grisalho e um tanto sério demais, que por sua vez quebrou sua seriedade costumeira apenas para moldar um rosto surpreso, ou até mesmo confuso, não conseguia distinguir.

— Você não percebeu enquanto tirava ele de lá? – ele me pergunta, voltando para sua seriedade finalmente.

— Percebi o que?

— Queimaduras de terceiro grau em toda região das costas e parte da nuca.

Uau.

Eu lutei pela vida daquele idiota e então as lembranças tomaram conta da minha mente com uma enxurrada que me derrubou da forma mais sentimental possível, por pouco eu não consegui segurar em meus braços na intenção de me manter em pose firme na frente daquele homem que eu nem ao menos conhecia mas que se não fosse embora logo seria alvo das minhas piores crises de choro, muitas e muitas lágrimas.

Richy me ajudou a sair da mina com ele mesmo que suas costas estivessem descascadas em carne viva, ignorou sua dor assim como ignorava a minha em todas as ameaças que um dia fez para mim e todos os seus amigos. Nossos amigos. Por que? Qual era o sentindo? O que ele queria de mim? Minha compaixão?

afterlife • jake donfort/duskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora