• capítulo três: confiança.

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Por quanto tempo uma pessoa é capaz de correr? Existiria um lugar perfeito no mundo para se esconder do próprio? O silêncio poderia preencher as lacunas na vida de alguém? Na mente? No coração? Por baixo da pele? Dentro dos pulmões? Ele era o único que restava, a quietude entrelaçou em minhas entranhas e me guiava para uma atmosfera inexistente onde era possível viver correndo, me escondendo, sozinha. Mas era inexistente, tramado pela falsa expectativa e executado por aquela auto enganação, porque eu vivia para me enganar todos os dias.

Por quanto tempo eu poderia fugir do que sentia por ele? Existiria um lugar perfeito no mundo para se esconder desse sentimento? Por que doía tanto saber que somente ele poderia preencher aquelas malditas lacunas?

Olhar para aquela tela era como cravar uma árdua batalha eterna entre olhares vivos implorando um pelo outro, o que era tão, mas tão idiota que aos poucos se tornava uma piada tragicamente engraçada, por que o que mais seria além de pixels infinitos formando uma imagem que comandamos a ela?

Por muitas vezes eu tive que engolir meu orgulho e eu sabia que aquele momento seria um daqueles, um dos mais difíceis. Me encontrar com a realidade era difícil, conviver com ela era muito difícil e eu não podia fugir dela como fazia feito uma covarde durante as últimas horas.

Ali me encontrava e ali se encontrava ele, metaforicamente em minha frente, novamente escondido atrás da tela, como sempre foi e essa barreira entre nós sempre foi uma restrição falha, fibras de vidro lhe construíam e com a força de um sopro rachaduras abriam espaço para que eu sentisse um pouco dele todos os dias, como acontecia agora, onde eu sentia sua dor, seu desespero, seu medo e talvez.. sua raiva?

Definitivamente raiva, enraizada por aquele que ocupava minha visão fora do turbilhão de pensamentos que aquela tela me proporcionava.

— Fala sério, isso é um crime, sabe disso, não é? Fala pra esse maníaco sair das minhas coisas agora. – Phil reclamou, rodando o notebook com as mãos para que a tela se voltasse para ele.

Porque Phil também deveria saber que não tem mais para onde fugir, Jake já conhecia todos os lugares e principalmente já me conhecia. Ele me encontrava, de uma maneira ou outra nossos caminhos se cruzavam como um cálculo perfeito, já que éramos inocentes em pensar que os rastros deixados propositalmente passariam despercebidos. Nós forjamos o que fosse necessário para que tudo nos levassem um para o outro novamente.

— Phil, você pode me deixar sozinha? – cautelosa, me aproximei do homem furioso que segurava com força o seu aparelho.

— O que? Você e o computador? – escárnio escorria de seus lábios, traçava um caminho ardiloso e muito irritante.

— É.

— Não.

E cruzou os braços.

Por Deus, era fácil entender o porquê da relação entre Jessy e Phil ser tão complicada. Ele era complicado.

— Só me deixe conversar com ele. – com a maior maestria em desenvolver palavras pacientes, pedi outra vez mas o silêncio foi o que recebi em resposta – Por favor, Phil.

Ele revirou os olhos e com isso soube que tinha ganho, mesmo que me sentisse um pouco atacada.

— Você 'tá me devendo mil favores só nesse primeiro encontro. – e então gira o computador em minha direção novamente, saindo de cena logo após, entrando por um porta que dava ao que achava que seria o armazém do bar.

A coragem que juntei dentro de mim mesma para encarar aquele momento se foi em um passe de mágica comandado por um maestro que sabia muito bem o que fazia, porque voltar os olhos para aquela tela se igualava a sensação de estar anestesiada, onde eu podia enxergar mas não podia sentir, minha pele se torna inútil, meu coração escandaloso e os globos oculares estátuas. Céus, como cheguei a esse ponto?

afterlife • jake donfort/duskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora