As Joias dos Reis

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O dia seguinte já começara um saco, tudo era um saco.

A cor das paredes, do chão, as roupas que usava ou que estavam guardadas; a estante com livros que já haviam sido lidos e relidos diversas vezes, mas que ainda a salvavam; o lugar onde seu antigo violão estivera, o espaço vazio ao lado de sua cama, onde um saco de dormir já fora colocado em alguns momentos; a escrivaninha em frente à janela que usara para escrever poemas melancólicos por diversão, mas que agora eram melancólicos porque ela sentia–se daquela maneira; a janela embaçada por falta de limpeza e a vista da floresta em tons de verde escuro que se destacava no lado de fora. Tudo estava sem graça, entediante e insuportável. Hawlie Darvellian considerava isso digno de pena, pois já amara seu lar mais do que tudo, dispensando qualquer pensamento de deixá-lo, mesmo sentindo que, um dia, o faria. Aquele casarão já fora cheio de sabores, cheiros, cores e sons revigorantes, agora, porém, era o lugar que ela só voltava por não ter outro para morar. Ainda podia sentir a antiga leveza se permitisse que seus pensamentos e sentidos o fizessem, mas não admitia que fizesse aquilo consigo mesma, não se permitia lembrar há meses. Hawlie colocara na cabeça a ideia de partir muito antes da crise, realmente sentia que precisava fazer aquilo, mas, ao mesmo tempo, não conseguia. Tinha receio de arriscar e deixar tudo para trás e, ao invés de ganhar, perder tudo. Tinha receio de deixar a certeza daquele casarão antigo pela dúvida constante das ruas de Airleas ou qualquer lugar que fosse no mundo. E agora não iria embora só porque o momento estava apertado. A Resistência a acolheu quando mais precisou, retribuiria aquilo até o dia em que já não estivesse mais no mundo.

Depois de minutos, finalmente levantou-se da cama cor de estopa e se voltou para seu próprio reflexo no espelho para olhar-se, após dias — meses — sem fazê-lo. Assustou-se ao perceber o estado deplorável no qual se encontrava. Vergonha de si mesma a preencheu: como havia permitido que chegasse naquele nível?

A altivez, outrora tão presente, se encontrava reduzida, o rosto estava lívido, os traços mais marcados, os olhos cor de bronze estavam fundos e com olheiras, os cabelos haviam se soltado da trança e agora se assemelhavam a um ninho de passarinhos, as botas se encontravam descascadas, o manto estava desbotado e em frangalhos, as roupas estavam amassadas e rasgadas em vários pontos. Como ela não percebera aquilo e ainda usava aqueles trajes? Seu quarto também estava uma bagunça, nunca havia estado daquela maneira antes.

Repugnante.

Pela primeira vez em um tempo, arrumou seus pertences e tomou um bom e demorado banho. Uma das únicas coisas que não conseguira resolver na própria aparência havia sido as manchas sob os olhos, mas, mesmo sentindo-se um pouco mal por não estar se vendo tão bela, concluiu que se preocupava mais com problemas milhões de vezes maiores. Caçou no armário uma roupa não muito muito usada e desgastada e jogou as intragáveis — como as chamara —, num cesto de palha, pois havia decidido que as faxineiras ganhariam panos de chão novos naquele dia.

Respirando fundo para encarar a visão destruída de uma casa que já fora bem cuidada e bonita, saiu de seu quarto localizado no lado leste do primeiro andar do casarão e andou em direção às escadas – aquela que subira cambaleando no anoitecer anterior.
Presumia e esperava que as faxineiras se encontrassem na lavanderia.

A rebelde alcançou o térreo e acabou se distraindo ao ver a vasta Floresta de Triam pela varanda destruída da cozinha. Não tinha visto ninguém até aquele momento, mas, de repente, som de passos atingiram seus ouvidos: alguém estava correndo em sua direção. Era Romy.

— Hawlie!

          Ela virou-se para ele e o viu apoiar as mãos nos joelhos e recuperar o fôlego. Ele vai perguntar como estou e em seguida ouvirei um sermão, Hawlie apostava.