Há cerca de um minuto, estava andando em um corredor úmido e escuro. Agora, porém, caía, deslizava e rolava por uma rampa.Ela não se tornaria uma lata amassada, já era uma lata amassada.
Hawlie forçou-se a parar de gritar para que o indivíduo às costas fosse o único ao gritos, ou seja, o único idiota da história — se fosse contada um dia.
Mas, mesmo que não estivesse gritando, beirava o completo desespero. Todas as adagas que tentara fincar naquela superfície tiveram suas lâminas partidas.
Um pedaço de pano enrolado nas pernas era a única coisa que tinha para oferecer no momento. Como ele tinha ido parar ali, não sabia. Lembrou-se, repentinamente, então, da bolsa que deixara em um escuro beco sem saída de Airleas, debaixo de um caixote que havia encontrado. Esperava que ainda estivesse lá quando voltasse — se voltasse.
O mundo clareou e os olhos doeram. Hawlie foi arremessada longe e, para que danos maiores fossem evitados, forçou o corpo a rolar até que a velocidade cessasse. Ela deu em cheio com uma parede e ficou parada por longos minutos, mais morta do que viva, ouvindo a própria respiração ofegante se acalmar.
Passos soaram. Mais alguém estava presente.
Uma estrela solitária não brilha mais forte do que uma constelação, foi o que Leala dissera.
Mais pessoas haviam sido escolhidas para estar ali, afinal.
Você nunca estará sozinha.
Após um longo período discutindo mentalmente consigo mesma, a rebelde desistiu de ficar apenas prostrada e apoiou as duas mãos no chão para tentar se erguer, mesmo com os membros trêmulos. O cotovelo latejava, tudo latejava. Se apoiar nos tornozelos foi tudo que conseguiu fazer. Já era algo.
Afastou dos olhos os cabelos, que com certeza estavam semelhantes à juba de um leão, e olhou ao redor.
Primeiro, reparou que o vestido bege estava sujo e em frangalhos, as botas pretas estavam manchadas de terra, as mãos estavam raladas e um pedaço de veludo branco, também destruído, se enrolava nas pernas. Se sentia deplorável e doída.
Repugnante.
Segundo, percebeu que estava em uma câmara feita de pedra, mas não escura e úmida, era clara e suficientemente seca. Uma espécie de estrela mágica se encontrava no centro do teto, era tão brilhante que não conseguia olha-lá por muito tempo. Fascinante.
Além de onde estava, numa pequena elevação no chão, com quatro degraus como subida, foi onde percebeu que dois jovens, prontos para atacar qualquer coisa que aparecesse, se encontravam. A primeira era, aparentemente, mais alta que Hawlie, e seus cabelos eram tão lisos que se assemelhavam a uma cortina prateada que cobria da cabeça até seus ombros. Ela mantinha uma expressão intimidadora no belo rosto fino de pele fria e levemente lilás-rosada, os olhos azul-arroxeados estavam semicerrados. Será que havia sido chamada para estar ali da mesma maneira que Hawlie?
O segundo jovem era esguio e fazia uma posição de defesa desleixada, talvez não tivesse o costume de lutar. O simpático rosto cor de canela expressava apreensão e curiosidade, os olhos estavam arregalados. Hawlie simpatizou imediatamente com ele, de alguma forma.
Todos estavam estáticos, nem mesmo piscavam.
Desviando o olhar para frente, a jovem o viu. A capa totalmente rasgada e destruída provava que ela poderia ter causado um estrago maior, mas ele não estava morto, pelo contrário: tentava se levantar. O homem era um rapaz jovem. Jovem como todos ali.
Ele demorou e se esforçou muito para conseguir se erguer. Ninguém o ajudou, não era necessário. Assim que se sentou, virou-se para frente, estudando tudo à volta.
Foi possível notar só pelo perfil dele, mas quando Hawlie o viu de frente, teve certeza: o rapaz era lindo.
Veementemente bonito, de uma maneira que não parecia real. O tipo de beleza injusta, que causava indignação quando a alma não era tão bonita quanto ou, quando era, não existia reciprocidade no sentimento. Tudo naquele rosto era proporcionalmente perfeito, e a forma como ele passou a mão pelos cabelos cor de ébano desgrenhados a deixou desorientada por uns segundos, mas jamais admitiria para si mesma. As roupas que usava, detalhadas e bem acabadas, com fios de ouro bordados no cinza-azulado escuro do tecido, revelavam o óbvio: era um nobre. O que um nobre estaria fazendo ali?
Hawlie se obrigou a tirar os olhos dele e passou a observar o ambiente mais uma vez. Nenhum outro sinal de alguém na rampa conectada ao chão da câmara, ou em qualquer outro lugar, apareceu. Só se ouvia o som de respirações. Aquele silêncio durou por longos minutos, talvez horas, até o jovem simpático respirar fundo e tomar coragem.
— Então... vocês sonharam com um lugar estrelado e uma rainha, cujo nome é Leala, Mãe dos Sonhos? — O sotaque dele era carregado demais para ser de Airleas.
— Sim. — Todos responderam em uníssono.
— Ela disse que eram escolhidos para reequilibrarem o mundo e deu uma joia prateada a vocês?
— Sim. — Todos responderam em uníssono, novamente. Aquilo era fascinante e amedrontador.
— Não acredito. — A outra jovem falou.
Mais um longo silêncio. Hawlie decidiu quebrá-lo.
— Bom, como acredito que não vão me atacar ou usar meu nome para promover minha ruína — ela pôs-se a levantar —, me apresentarei. Meu nome é Hawlie Darvellian, sou natural de Airleas e — uma pausa dramática — uma rebelde da Resistência Rebelde de Valaree.
Com uma velocidade como a da luz, olhos do nobre de capa rasgada pousaram nela, estudando-a por uns segundos. A expressão no rosto dele era indecifrável, mas acabou não proferindo nenhuma palavra.
A jovem de cabelos meio prateados, meio liláses, tomou aquela como sua vez.
— E eu me chamo Nitunah Astraios. Eu sei, um nome bonito e diferente. Fui trazida — ela fez um gesto com as duas mãos abertas — magicamente de Aspaxia até aqui. — Uma aspaxiana. O sotaque carregado, as roupas em tons de azul e lilás, os cabelos prateados, os olhos e o tom da pele denunciavam. Aspaxia era um reino que ficava ao sul de Valaree, talvez fosse o mais lindo do mundo. Construções feitas de cristal ao longo do país inteiro, escolas de magia imensas, bibliotecas, casas, lojas e ruas, tudo era fascinante. Hawlie havia visitado a capital de Aspaxia, Trillbea, apenas uma vez, anos atrás, e, desde então, desejava retornar. — Sou ourives. — A jovem aspaxiana concluiu. Interessante. Aquilo não explicava o fato de ela ter uma defensiva firme, mas era interessante.
O jovem que falara primeiro se pronunciou.
— Meu nome é Jim Joedey. Mas me chamem só de Jim, por favor. Jim Joedey é formal demais. Sou de Verina, a Mãe dos Sonhos me trouxe até aqui, de algum jeito. — Verina era uma cidade portuária a sudeste de Valaree. Hawlie nunca visitara, mas conhecia alguém que havia realizado uma missão por aqueles cantos. — No momento, trabalho num restaurante de comidas típicas. — Vidas completamente distintas haviam sido unidas naquele local.
Todos assentiram para Jim Joedey e viraram-se para o belo rapaz misterioso, que se colocara de pé. Talvez fosse, dos que estavam ali presentes, o mais alto. Era forte e se portava com elegância e um certo charme. Ele colocou as mãos nos bolsos e respirou fundo.
Sinceramente, precisava?
— Sou Athos. Athos Haphyrion. Nascido em Valaree, cidadão de Airleas e herdeiro do trono do país mais poderoso do mundo. — As últimas palavras saíram com um tédio absurdo.
Aquilo não era possível.
Athos. Athos Haphyrion. Haphyrion.
Completamente irônico e inacreditável. Leala só poderia estar de brincadeira.
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As Joias dos Reis
FantasíaPerante uma ameaça que assola o mundo, uma rebelde que nasceu para ser livre como o vento e seus companheiros estão dispostos a fazer de tudo para salvar o próprio lar. Há dez mil anos, uma perigosa ameaça amedrontou o mundo de Elmeria, e a magia f...