Os efeitos do fim daquela noite ainda pairavam sobre mim. Meu corpo relutava em se acalmar, minha mente insistia em repassar com deleite cada cena do espetáculo particular que Adélia havia me proporcionado. Os ecos de sua voz arrepiavam minha pele, sentia-me sensível como nunca. Temendo ceder aqueles impulsos, aproveitei que ela ainda dormia para me afastar de tamanha tentação. O banho gelado e o vento fresco da madrugada foram incapazes de amenizar o calor que persistia em queimar meu corpo. A fumaça da cigarrilha de canela entre meus dedos desenhava bonitas espirais no ar – uma inútil tentativa de aplacar meu anseio. Adélia dominava cada canto da minha mente sem piedade. Eu ansiava pelo encontro de nossas peles desnudas, de sentir o aperto de seus dedos marcando-me inteira, de me fartar no sabor de sua boca outra vez. Desejava poder tocá-la, demoradamente.
Em meio a delírios, vejo o sol despontar tímido no horizonte como o prelúdio de um novo dia. Uma última longa tragada e decidi colocar meu corpo inquieto em movimento, focando minha mente em algo além da bela mulher adormecida em minha cama. Imersa em pensamentos, preparo com verdadeira dedicação o desjejum sobre a longa bancada de mármore negro no centro da grande cozinha. O cheiro agradável do café colombiano impregnava o ar, convidativo e familiar.
— Bom dia, Eva! – sobressaltei de susto ao ouvir a voz rouca de sono. Escorada no batente do arco de entrada da cozinha, o motivo da minha distração sorria divertida vagando os olhos negros por meu corpo envolto apenas num fino robe preto de seda. Sua inspeção descarada me fez olhá-la com a mesma lentidão e deleite. Adélia vestia apenas um blusão branco simples que mal cobria-lhe as coxas grossas. Seus cachos volumosos lutavam para escapar do coque desleixado, deixando à vista seu lindo rosto e pescoço. Ver tanto de sua pele sedosa incitava meus pensamentos a voltarem a percorrer caminhos perigosos. Por isso, foquei em algo mais simples: sua ousadia em vasculhar meu closet, em busca de algo para se vestir, mesmo que eu tenha colocado um robe ao seu lado na cama. Essa constatação me arrancou um sorriso afetado. Mulher atrevida!
— Bom dia, diosa¹! – respondi em meio a um suspiro admirado. O sorriso em seu rosto aumentou, irradiando promessas terríveis. Ela simplesmente não parava. Maldita provocadora! — Não sabia que ser furtiva estava no rol de suas habilidades, Adélia. – digo tentando camuflar minha inquietação.
Apesar da dissimulação implícita na minha frase, o arquear intenso da sobrancelha desenhada dela confirmou que ambas sabíamos que a implicância não era sobre sua aparição repentina na cozinha. Havia um tom dosado de desafio nas minhas palavras, um que eu sabia bem que ela não se negaria a rebater com criatividade.
— Em minha defesa, só estou usufruindo da hospitalidade que me foi oferecida. – respondeu dando de ombros, sentando-se no banco atrás da bancada a minha frente. — Seria muita desfeita, não?! – completou, em falsa inocência.
Depois dos eventos da noite anterior, agora enxergava Adélia sob outra perspectiva e não era, exclusivamente, pela performance sensual. Observar a mudança de mulher afável para, inesperadamente, selvagem foi algo impressionante. Não era como se meus alertas de cuidado não fossem acionados em sua presença, principalmente quando seus olhos eram como uma maré revolta prestes a me engolir viva. O perigo que pairava sobre ela tinha algo a mais. Ao contrário de Cassandra, que exalava perversidade crua – daquelas de gelar a alma, Adélia se mostrou uma verdadeira força da natureza, transitando facilmente entre calmaria e tormenta. A nuance de temperamentos, tal como acontecia com eventos naturais, foi imprevisível e devastadora. Presenciar cada uma das camadas que a compunham, ajudava a acabar com qualquer esperança mínima que eu tinha de sair ilesa de seus efeitos. Não bastasse atormentar minha sanidade, ela parecia querer aniquilar qualquer resquício de prudência que eu lutava bravamente para manter. Soava injusto como ela conseguia mexer comigo de maneira tão intensa com atos simples. Ninguém nunca havia chegado perto de me fazer sentir o que ela fez com tão pouco, sem sequer um toque.

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Artem
RomantiekEva é uma curadora de arte de um importante museu. Dona de um passado sombrio, foi inevitável que criasse uma armadura capaz de afastar todos ao seu redor. No entanto, o destino parecia ter pretensões próprias, ao cruzar seu caminho com Adélia Zwane...