Capítulo V

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O dia seguinte amanheceu bonito e radiante, totalmente avesso ao meu estado de espírito nublado e tempestuoso. A cena da noite anterior se repetia como uma penitência infinita. Não sabia o que machucava mais, minha covardia ou a memória terrível de Adélia. Tinha ciência que eu não conseguiria passar por aquilo sozinha. Não daquela vez. Me sentia doente, destroçada. Então recorri a única pessoa capaz de me ajudar, naquele momento.

Thomas entrou no meu apartamento a passos calmos, como se temesse se deparar com um temporal violento. Meus olhos, cheios de lágrimas, serviram-lhe de incentivo para me tocar. O cheiro de sal e água fresca vinha fácil de sua pele. O cuidado de se limpar antes de me envolver no conforto de seus braços fortes, rompeu de vez a resistência da represa de emoções mal contida dentro de mim. Eu chorei. Desolada. Abatida. Ele me ouviu, pacientemente, permanecendo em silêncio até o fim, mantendo-me sob o aperto necessário de seu abraço acolhedor. Ele era o único que eu permitia estar tão perto, o único cuja dor das próprias lembranças não o atormentavam.

— Porque não contou a verdade, nena¹? – sussurrou cauteloso. Thomas tinha o dom de me tirar da zona de conforto sem causar mais danos, de trazer a realidade à tona sem julgamento. Eu o amava por isso!

— Eu não consegui. Meu egoísmo não me deu escolha. – suspirei derrotada, escondendo meu rosto em seu peito.

— É medo e não egoísmo, meu bem. Já conversamos sobre isso. – enfatizou, docemente. Não ousei contradizê-lo, era a pura verdade. Eu não sabia lidar muito bem com o medo, e fugir parecia muito mais simples. — Você pode controlar, Helena! – sua afirmação tinha tanta certeza que quase me fazia acreditar que eu tinha essa capacidade, que era poderosa o suficiente. Só que eu não era.

— A quanto tempo não ouço ninguém me chamando assim. – digo afetada, me aconchegando ainda mais em seu abraço, como um gato manhoso querendo carinho. Ouvir aquele nome abandonado a tanto tempo, causava um calor agradável no peito.

— Você pode se esquecer de quem é, mas eu não. – lembrou, com afeto transbordando na voz. Era quase impossível esquecer, aquela maldição cumpria muito bem o papel de me lembrar constantemente de quem eu era.

— Ela merece mais que uma pessoa amaldiçoada, Thom. – segredei.

— Não é você quem decide isso!

Thomas ficou comigo por toda a manhã, me ajudando a ocupar a cabeça com os preparativos finais para a noite que teríamos. Sua preocupação o tornava mais cuidadoso que o normal, fazendo-o ceder aos meus caprichos bobos. Fosse assistir meu filme favorito até um almoço totalmente não saudável. Apreciava seu carinho, e não me restringi em aproveitá-lo ao máximo. Não era sempre que me permitia receber algo parecido. Que me permitia ser tocada de propósito.

Depois de ser tão bem cuidada, enfim o momento do tão esperado baile havia chegado. Thom havia ido embora com a promessa de voltar para irmos juntos até o museu. A certeza de sua presença ao meu lado me deu a força necessária para enfrentar o que ainda estava por vir.

Após um longo banho relaxante, o vestido tomara que caia de cetim preto que eu usaria, aguardava estendido sobre a cama. O tecido fino e macio deslizou facilmente por minhas curvas, abraçando-as com perfeição. Tinha escolhido uma sandália de salto no mesmo tom negro, com duas tiras simples que passavam pelo meu tornozelo e dedos. Apesar de ser longo e pouco decotado, o vestido tinha uma fenda generosa na perna esquerda, expondo minha pele bronzeada adornada pelo fino leg chain prata preso no alto da minha coxa. O coque bagunçado, mas sofisticado prendia meus cabelos castanhos expondo meu colo desnudo. O espelho do quarto refletia bem a proposta do visual que havia escolhido, elegância e sedução. Eu podia estar quebrada por dentro, mas não mostraria isso a ninguém.

ArtemOnde histórias criam vida. Descubra agora