𝄪 Capítulo X 𝄪

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Mikami parecia mais uma sombra de si, vivia babando nos documentos, devido ao cansaço. As noites em claro estavam sendo uma tortura. Já passei por muitas e nenhuma delas era agradável.

Por minha vez, perdi a conta de quantas vezes me encontrei absorto em pensamentos, talvez sonhando com um escape temporário. O cansaço pairava no ar, palpável como uma névoa densa. A luz fluorescente de meu escritório, antes tão impessoal, agora me causava profundo desconforto. Parecia que a vida era só aquilo.

Só conseguia ver o amarelado robusto do sol através das janelas de meu gabinete.

Peguei novamente um dos documentos que se sobressaia entre toda a papelada, lembrando-me bem das palavras de meu irmão em uma de nossas últimas conversas:

"Cara, você tem que viver. Você é um ser humano também, tire um tempo."

Suspirei, enquanto meus dedos traçavam os contornos polidos da mesa de mogno. Minha vida tinha que ser mais que isso. Mais que só isso.

― S-Senhor, Kazekage? Mil perdões, mas que horas são? — Mikami finalmente parecia emergir de um sono profundo, seus olhos se abrindo lentamente entre bocejos.

Meus olhos, habituados ao ambiente, desviaram-se da papelada e fixaram-se no relógio na parede oposta. A base de bronze do relógio era esculpida com detalhes intricados. As agulhas, dançavam em um compasso lento, marcando as horas como se o próprio tempo respeitasse a calma do deserto.

― Meio-dia. ― Respondi, enquanto o vento sussurrava suavemente do lado de fora.

― Peço perdão, eu realmente apaguei. ― Balbuciou finalmente desperto.

― Não tem problema, ambos estamos exaustos. Penso que seria bom encerrarmos por hoje. ― Digo recolhendo os papeis antes que protestasse, mas ele apenas concordou.

Mikami era um bom homem, um exemplo raro de alguém que combinava um senso de responsabilidade incomum com uma humanidade cativante.

Temari foi quem o designou para me auxiliar no trabalho e pessoas recomendadas por ela eram sempre notáveis. Eu sempre podia confiar em sua visão aguçada.

Mikami, gradualmente, se revelou mais do que um colega de trabalho. Tornou-se um amigo, alguém em quem eu podia confiar em meio à complexidade deste ambiente frenético.

― Espero dar conta disso tudo. ― Murmurou, seus olhos fixos na horda de documentos empilhados.

― Certamente daremos. — Afirmei.

Afinal, não havia outro jeito e o trabalho devia ser feito.

― Oh, céus! Minhas costas ainda me matam! Tenho apenas 34 anos e já aparento andar como um senhor de 84. — Exclamou, colocando as mãos na lombar de forma dramática.

— Se você já está assim, imagine eu que tenho apenas 19. Tem horas que nem sinto as pernas.

Ele gargalhou.

— Ah, mas o senhor não tem do que reclamar, ainda é jovem. Quando tiver mais ou menos a minha idade, aí conversamos.

— Tem hora que penso que tenho até mais do que aparento ter. — Disse, tentando não divagar em meus pensamentos.

— Se me permite, senhor. — Mikami se aproximou meio sem jeito. — Sabe que fui um grande amigo de sua irmã e que ela mesmo me mandou ficar de olho em você. Por isso, tem alguns assuntos que terei de me meter e venho percebendo que diferentemente do seu irmão, você não tem uma vida social muito ativa. Tudo para o senhor é só trabalho e mais trabalho. Não que isso seja ruim, mas...

Mikami parou observando minha expressão. Não era a primeira vez que ouvia tal "sermão". Tanto Kankuro quanto Temari falavam as mesmas coisas. E minha resposta era sempre a mesma:

— Sei onde quer chegar, Mikami. Mas não tenho necessidade de ter uma vida social tão ativa. Acredite, gosto de ter poucos amigos contanto que sejam verdadeiros.

— Entendo, mas não era bem de amigos que eu estava falando.

Franzi o cenho. Se não era disso do que era?

— Do que então? — Indaguei, não entendendo muito bem o porquê de Mikami estar quase da cor de uma berinjela.

— Serei direto. — Ele suspirou, como se estivesse buscando coragem. — Acho que o senhor precisa de uma namorada.

Mikami soltou as palavras de uma vez só. Após isso, o silêncio tomou conta do lugar. Fiquei olhando para sua cara de tacho, ainda processando o que acabei de ouvir.

Uma namorada não estava nos meus planos.

— Desculpe por me intrometer demais. — Ele cortou o silêncio confuso.

Encarei-o mudo, minha mente ainda estava tentando processar sua frase anterior.

— Tudo bem. — Balbuciei, tentando reorganizar a mente. — Não há problema algum. Só... não acho que preciso de uma.

— C-Claro que não, senhor! — Mikami apressou-se em responder. — Digo isso apenas por querer que o senhor viva a vida como um jovem de sua idade, sabe?

Eu estava certo de que Temari havia dito algo a Mikami antes de se mudar para Konoha. Algo que girava em torno de um inexistente interesse romântico. Ela passou boa parte de nossa adolescência tentando amolecer meu coração para este fim. Sinto-me traído por ela ter deixado esta árdua missão nas mãos de seu sucessor. Sem mais saber como continuar nossa conversa, balbuciei a única palavra que me veio à mente:

— Sei...

Mikami pareceu sorrir aliviado ao constatar de que não havia raiva em meu olhar, apenas um grito genuíno de confusão.

— B-Bem, considerando que o senhor nos liberou. Voltarei para casa. Até mais, senhor. — Ele fez uma breve reverência e depois sumiu como se fosse feito de fumaça.

Doce DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora