Capítulo 8 - A Marca da Lua

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Era manhã, a luz amarelada do nascer do sol transpassava pela estreita brecha da janela e a corrente de ar que adentrava pelas frestas, fazia com que a porta entreaberta rangesse ao movimento de abrir e fechar, provocando gastura em meus dentes pelo som arranhado. Estou deitada sobre uma cama grande, em cima de lençóis de cetim na cor marfim, com muitas almofadas e travesseiros ocupando o espaço do colchão; o quarto é escuro e gelado, o chão coberto por madeira e as paredes revestidas de pedra tornam o lugar sombrio, as cinzas das brasas já apagadas na lareira flutuam pelo cômodo, provocando um espirro sucinto e contido. Forço-me a levantar e colocar os pés ao chão, provocando um leve calafrio devido ao corpo quente entrar em contato repentino com o frio, ao lado da janela um lindo espelho cravejado de diamantes revela através do reflexo, a camisola fina e quase transparente na cor branco perolado.

Abro a porta com cautela tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas sei que até mesmo minha respiração é o mesmo que pisotear o chão com sapatos de metal. Minha boca está seca e minha garganta está queimando, meus olhos estão sensíveis e minha cabeça lateja a cada passo. Ao chegar no corredor, vejo rastros de sangue deixarem uma trilha até a escadaria principal, o cheiro forte de ferro empregna o local, sinto meu estômago embrulhar imediatamnte. Desço rapidamente, sentindo o líquido viçoso tocar meus calcanhares, mas escorrego, caindo bruscamente pelos vários lances de escada até chegar ao salão principal; minha cabeça é batida com força contra a quina do último degrau, me levanto com dificuldade, sentindo meu pulmão fechar pela pancada, agora estou mancando devido a torção ocasionada na queda, meus braços estão arranhados e vermelhos e em minha testa, o corte faz escorrer o sangue vívido, cor de escarlate; ouço passos distantes se aproximarem rapidamente. Corro com dificuldade, sentindo a todo momento que há alguém a minha espreita, pronto para atacar a qualquer momento. Vejo uma luz indicando que a porta de saída está aberta, me apresso para alcançá-la, mas é tarde demais, pois ela é fechada bruscamente por uma forte e misteriosa corrente de vento. Algo ou alguém passa initirruptas vezes por detrás, como um vulto escuro, assustador e impressionantemente veloz.

— Callia! — Uma voz forte como o trovão, grave e rouca pronuncia meu nome. Fecho meus olhos com força, pedindo mentalmente para que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo. Agarro meu corpo com os braços no intuito de me proteger, meu corpo está trêmulo e a essa altura é difícil distinguir se era pelo frio ou pelo medo. — Callia...— Agora a voz estava baixa e rouca, era possível sentir o hálito quente sobre meu pescoço, ele estava atrás de mim.

— Por favor... Me deixe ir... — Digo quase como em um sussurro.

— Querida, Callia. — Aquelas palavras me fazem estremecer. — Você pertence à mim. 

Acordo em um solavanco mais uma vez, este era o pesadelo que me assombrava desde o ocorrido na sala empoeirada. Após o incidente na torre leste, me afastei de Kirian e me isolei em meus aposentos por dias. A traição de meus próprios instintos ao confiar nele deixou marcas profundas, tanto físicas quanto emocionais. A dor daquela noite assombrava meus pensamentos, mas havia algo mais também uma estranha e persistente atração que eu não conseguia negar, talvez fosse fruto daligação de sangue, que nos unia em um só. Durante aqueles dias de solidão, o castelo parecia ter se tornado um labirinto de sombras e segredos, cada corredor ecoando com o eco dos sussurros de seus habitantes e o murmúrio do vento. Evitei encontros com outros além dos indispensáveis, mantendo-me ocupada com afazeres que serviam apenas como distração temporária.

Em uma noite particularmente sombria, quando a lua estava coberta por nuvens espessas, decidi dar um passeio pelos jardins do castelo. O ar fresco e a quietude dos jardins ofereciam um refúgio momentâneo da tensão que se instalara dentro de mim. No entanto, meus passos me levaram inadvertidamente a um canto do jardim onde uma figura solitária estava parada, observando as estrelas. Kirian estava ali, sua silhueta escura contrastando com o brilho fraco das estrelas acima. Seu perfil era marcado por uma solidão que parecia tão profunda quanto a noite que nos envolvia. Por um instante, hesitei, mas então ele virou-se lentamente na minha direção, seus olhos negros capturando os meus com uma intensidade que me fez lembrar de tudo o que havia sido dito e feito entre nós.

Sombras da Noite: Laços de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora