family line

97 11 0
                                    



- bom dia, meninos! - Cath (como todos a chamam) entrou na sala, já arrumada. Usava uma calça de alfaiataria justa e uma camisa com uma estampa escura, com seus mesmos acessórios dourados e o cabelo preso em um rabo de cavalo impecável.

Eu e Peter respondemos em uníssono, enquanto ele pausava seu videogame. Ela se sentou ao meu lado, me olhando de soslaio e em seguida fitando a tv.

- Por que você não faz alguma coisa com a sua irmã? Jogam algo, sei lá? - ela nos observou, tentando ver a capa do livro que estava em minhas mãos.

- Não tem problema, gosto de ler pelo menos umas 50 páginas por dia mesmo. - disse em seguida, fechando o livro.

- Claro, não tem problema querida, só acho que seu irmão deveria fazer um esforcinho pra interagir com você. Gosto desse autor. - sorriu para mim, com meu Veronika decide morrer em mãos. Logo se levantou, indo para a cozinha resolver o almoço.

Na noite anterior havíamos pedido jantar após voltar para o apartamento. Precisei pedir uma toalha emprestada para tomar banho, já que havia esquecido de trazer uma. O banheiro tinha uma boa variedade de produtos caros, analisei, apesar de ser o banheiro social, que só Peter usava. Nós dois passamos um tempo depois jogando videogame juntos na sala de estar, até Cath aparecer e nos dar boa noite. Ela usava uma camisola de cetim preta e relativamente curta, com alças finas. Logo tratei de desviar o olhar, me concentrando no jogo. Ela se aproximou, dando um beijo na testa do meu irmão e outro na minha, passando levemente a mão pela minha face. Fiquei estática, mas tentei aparentar indiferença. Não era algo que eu estava acostumada, não gostando de toque físico, apesar de não ter me sentido retraída como normalmente sentiria.

Havia conversado um pouco com ela nesse dia, em um ou outro momento em que havíamos ficados sozinhas. Ela me tratou bem. Foi doce, carinhosa. Bem diferente do que eu imaginava. Talvez eu tivesse a julgado mal, apesar de não ter o costume de definir alguém por fofocas. Ouvi coisas controvérsias sobre ela em Boston, de onde ela se mudou pouco após romper com meu pai e dar à luz ao meu irmão. Minha mãe sempre quis que eu mantesse distância dela, achando que ela poderia me fazer algum mal. Sei que Cath não foi uma pessoa muito legal no período em que ela estava grávida de mim mas, apesar das alertas, não pude deixar de sentir certo afeto por ela, que me tratou tão bem.

- Vou dar uma passadinha no mercado, querem vir junto? - ela voltou para a sala, já colocando a bolsa em seu ombro.

- Prefiro ficar aqui, tô com preguiça. - Peter resmungou, enquanto dei um tapinha em seu ombro, tirando sarro dele.

Cath me olhou com expectativa, então...concordei. Troquei meu shorts esportivo por uma calça jeans e saímos. Sentei na frente, observando os diversos botões do carro. Sei que não foi uma das minhas melhores escolhas, mas tenho dificuldade de dizer não. Ela novamente coloca musica no carro, dessa vez em um volume mais baixo, e dá partida.

- Por que você foi morar com seu pai? Já faz um tempo, né? - ela me observou com cautela.

- Faz 3 anos. Acho que não falei com o Peter sobre, mesmo que estejamos conversando mais recentemente. - fiz uma pausa - meu relacionamento com a minha mãe não estava me fazendo muito bem. Expliquei a situação e ele logo deu um jeito.

- E tá tudo bem entre vocês? Ele te cuida bem? - ela fala, receosa.

- Tivemos nossos desentendimentos. Ainda temos, mas é melhor assim. Em questão de cuidar, ele não sabe muito bem como ser pai. - me limito a dizer - mas me mudei com 15 anos,  já sei me virar faz um tempo.

Ela estaciona o carro e me olha com carinho. Seus lábios curvados, com esse brilho no olhar, a deixam extremamente doce. Como se me dissesse que está tudo bem agora. É algo que ainda estranho, essas demonstrações de afeto. Me parece tão inusual que sinto uma pontada de inveja ao lembrar que meu irmão sempre teve isso.

- Imagino que ele não tenha amadurecido muito, mesmo quase 19 anos depois. - faço um sorrisinho forçado e concordo com a cabeça, tentando não dar espaço para continuarmos a conversa.

Ela parece entender minha hesitação e faz menção de sair do carro. Não demoramos muito tempo, já que ela só precisava comprar algumas coisas que faltavam para o almoço. Ela me pergunta o que gosto, o que como, mas digo que não precisa se preocupar com isso. Falo o mínimo possível durante esse tempo e, em poucos minutos, estamos de volta ao carro. Ajudo a colocar as compras no porta-malas e volto a sentar no carro. Ela dá partida e respira fundo, voltando sua atenção para mim.

- Me surpreendi com você ter realmente vindo e estar conversando comigo assim - tentou procurar alguma palavra para descrever - enfim. Você pode ter ouvido falarem mal de mim mas, mesmo assim, se prontificou em vir e ficar aqui, sem julgamentos. - sorriu.

- Ouvi algumas coisas sim, mas sei que as pessoas não são sempre o que dizem por aí.  E eu sinto falta do meu irmão. Não perderia a oportunidade de conviver um pouco mais com ele.

- Acho bonito isso. Você pode me perguntar qualquer coisa, tá bem? - assenti - Pra mim, o passado é passado, não tenho motivo pra esconder nada. Já não sou mais nem de longe aquela menina de quando conheci seu pai.

- Você era bem nova, né? - falei baixo, olhando para baixo e cutucando minhas cutículas.

- Eu devia ter um pouco menos que a sua idade quando o conheci. Eu passava por ele na rua as vezes. A cidade era grande, mas quem frequentava os mesmos lugares sempre acabava se pechando na noite. Eram outros tempos. Não lembro bem como começou. Eu sabia que ele era noivo, mas não importou pra ele, nem pra mim.

E foi com essa conversa que ela iniciou que descobri que Catherine não era nada como a pessoa que haviam me descrito. Ela tinha uns 17 anos, meu pai o quê, 35? Eu mesma não saberia ter maturidade em uma relação assim, ponderei. Me coloquei no lugar dela nessa situação, era pesado. Ter um filho aos 18, cursar medicina ao mesmo tempo. Ter um namorado que não ajuda em nada. Sinto pena da minha mãe, claro, mas por que Cath precisava ser a vilã da história? Não era ele que era noivo?

Minha mente teve um clarão, tanta coisa parecia ter sentido. Ali, ouvindo seu lado, percebi que não era possível desgostar dela. Ela se abriu para mim, contou uma parte sofrida de sua vida, me mostrou não ser o que eu temia ser. Como não gostar dela?




—————————————————————————

Family Affair - sáficoOnde histórias criam vida. Descubra agora