safe and sound

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- Acho melhor eu tomar outro banho antes de ir deitar. - eu e Cath tínhamos os cabelos espalhados pela cama e nos encarávamos, com um lençol fino por cima de nossos corpos.

- Pode usar meu banheiro, tenho certeza que você vai gostar mais de usar meu shampoo que o do Peter. - ela sorri - Depois seco seu cabelo.

- Não precisa se incomodar. - me inclino sobre ela, sorrindo com timidez.

- Você não incomoda, não pense assim. - ela beija minha bochecha e volta a se deitar.

Vou para o banheiro, já que parecia melhor aceitar do que recusar. Pego uma toalha no armário, como ela havia me instruído, e entro embaixo do chuveiro. Deixo a agua escorrer pelas costas e respiro fundo. Só consigo me perguntar, onde estou me metendo? Vale a pena esperar pra ver?

Após uma lavagem com Kérastases cheirosíssimos, enrolo meus cabelos na toalha e saio do banheiro, já vestindo meu pijama de antes. Cath estava deitada, tinha os olhos fechados e uma expressão relaxada, calma. Estava extremamente bonita. Saio do quarto sem fazer barulho e espio Peter no sofá pra ter certeza de que ele já dormia. Fico um tempo na sacada pegando a brisa da noite, observando as ruas vazias. Estar naquele lugar era tão inusual para mim, mas tão confortável. Aos poucos eu me acostumava cada vez mais, me sentindo parte daquilo, daquela família, daquela cidade, daquele cotidiano.

Penso como seria se eu fosse filha de Cath, teria todos os livros, todos os cursos, todas as coisas que quisesse, uma faculdade particular ao meu dispor, uma família unida. Uma rotina tranquila. E ela. Meus sentimentos eram conflituosos, como se estivesse adentrando em um abismo. Tinha acabado de transar com alguém que, mesmo assim, não deixava de ser como uma figura maternal para mim, uma pessoa que eu deveria agradar e orgulhar. Eu não tinha com quem conversar sobre, com quem questionar o que estava acontecendo. Eram eu e meus próprios pensamentos.

Abro meu Whatsapp e, nas ultimas mensagens, não tenho nada além de meus pais e grupos em que eu nem interagia. Descendo mais as conversas, vejo a com uma garota que, após dias me mandando mensagens e me tratando bem, simplesmente parou de falar comigo assim que conseguiu o que queria. Será que eu era tão descartável assim? Tão desinteressante?

Cath começava a ocupar um lugar em mim que sempre fora tão vazio. Agora eu recebia certos afetos, abraços, carinhos, elogios, preocupações e até presentes. Coisas que eu não tinha costume em receber. Era como se, de repente, eu tivesse alguma importância. Como se eu fosse alguém pra ela. Logo volto para o quarto e durmo, desejando continuar ali para sempre.

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- Acho que é logo ali na frente. - Cath avisa, observando o gps do carro. Thomas abaixa um pouco a musica e se concentra na estrada.

Descemos, eu, Peter, Cath e Thomas. O lugar era enorme, cheio de vegetação e até um riacho. Andamos até a construção onde ficava o restaurante, com uma atmosfera rústica e sofisticada. Sentamos em bancos do lado de fora, em um local reservado, esperando até desocupar uma mesa. O casal pede Champagne para eles e suco para eu e Peter, ambos agindo como recém casados. Se abraçam, conversam baixinho, seguram as mãos. Apenas observo tudo de canto de olho, fingindo não estranhar, fingindo não me importar, já que sabia muito bem o que havia acontecido na noite anterior. Será que era porque ela se sentia culpada? Será que ela queria deixar claro que aquilo não tinha importado nada?

Acordei 11 horas e fiquei um tempo com Peter até os dois médicos chegarem e nos levarem para um suposto almoço diferente. Cath agia normalmente comigo, apesar de não trocarmos nenhuma conversa direta durante esse tempo. Fico o tempo todo tensa, com medo de transparecer algo errado ou de agir errado. Tinha colocado o único vestido que estava em minha mala e colocado uma maquiagem mais visível, achando que Cath gostaria. Ao sair do quarto agarrada em Thomas, ela apenas murmurou um "ficou bem" e sorriu brevemente.

Alguns petiscos, conversas breves e olhares cúmplices depois, eu e Peter resolvemos andar um pouco envolta da propriedade para passar o tempo, já que ele visivelmente também preferia não testemunhar a atmosfera melosa que rondava os pais. Tiro algumas fotos do rio e de lugares que acho bonitos enquanto andamos, Peter falando do quanto queria chegar em casa e voltar pro seu videogame e eu devaneando, como de costume. Quando nos aproximamos para onde estávamos anteriormente, pegamos Cath e Thomas no meio de um beijo, o qual eu gostaria muito de pode desver. Me sinto nervosa, desconfortável. Aviso que vou ao banheiro e meu irmão se aproxima, interrompendo o casal.

- Cadê a Chloe? - escuto ela perguntar, enquanto me esquivo atrás de uma pilastra perto da entrada do restaurante.

- Foi ao banheiro assim que voltamos. - Peter resmunga, despreocupado. O amaldiçoo mentalmente por isso.

Escuto Cath murmurar um "já volto" e me apresso para ir até o banheiro antes de ser flagrada ali, ouvindo a conversa. Me pecho com um garçom e duas crianças, mas consigo entrar antes de Cath me ver correndo até o dito cujo toalete.

Me fecho em uma cabine e sento, massageando as têmporas com os braços apoiados nos joelhos. Escuto os saltos de Cath batendo contra o assoalho, indicando sua aproximação. Ela não fala nada e observo que não conseguiria enxergar pelo vão da cabine sem esfregar o rosto no chão, então respiro fundo e aperto a descarga, me preparando psicologicamente para sair e encarar a ruiva. Minha real vontade era voltar correndo para Boston e deixar esse assunto mal resolvido, mas sabia que precisava encarar as coisas de frente e não fugir como tinha o péssimo hábito.

- Tudo bem com você? - ela me encara, me vendo dirigir a mão até a boca. - não roa as unhas. - ela faz uma expressão compadecida e segura meus dedos, com um sorrisinho no rosto o qual, aos poucos, eu me via cada vez mais refém.

Nos encaramos por longos segundos, sua mão morna ainda pairando sob a minha. Me afasto e me recosto contra o balcão da pia, encarando-a por cima dos óculos finos que eu usava. Eu desejava que ela simplesmente entendesse o que eu sentia, sem precisar verbalizar. Sei que parece muito para se esperar de alguém, mas ela tinha essa energia de quem consegue te desnudar apenas com um olhar. E, de certa forma, ela realmente conseguia.

- Eu tô confusa. - respiro fundo - Aconteceu aquilo ontem e hoje você já está... - ela me interrompe, pousando a mão em meu rosto.

Seus dedos me acariciam com delicadeza, ela encarando meus traços atentamente. Baixo o olhar, tímida, e sinto que arranco um sorrisinho seu.

- Preciso agir como se tudo estivesse igual... Mas não significa que esteja, ok? - ela beija minha bochecha - Você precisa de cuidados... E eu vou resolver isso.

O olhar em seu rosto era pacífico, amoroso. Me imaginava tirando peça por peça de minhas roupas e mergulhando, com uma passagem só de ida: Apenas eu e aquele verde intenso e denso, que me deixava sem senso. Ela cuidaria de mim? Eu poderia me imaginar cuidando dela.  Fazendo tudo que ela quisesse. Sendo dela. Sendo para ela.

Cath encosta seus lábios nos meus por um breve momento, me fazendo aspirar seu cheiro límpido de shampoo. Ela não usava perfume pois tinha alergia, mas seus cabelos emanavam todo o aroma necessário. Suas mãos prenderam uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e ela me olhou como algo precioso, algo que amasse. Me deixando, mais uma vez, sem guarda. Saímos do banheiro de mãos dadas, sabendo que não tinha nada de errado. Era como se fôssemos mãe e filha, por mais errado que pareça. Cath se senta do lado de Thomas e me chama, segurando minha mão enquanto eles batem papo. Engatei em uma conversa paralela com Peter e me senti segura. Me senti como se ela me entendesse. E ela entendia, certo? Eu tinha certeza absoluta que sim.





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Deixo assim o capítulo, em breve solto o próximo! Comentem o que estão achando e suas teorias/afins, é importante pra mim a opinião de vcs🤞🏻

Family Affair - sáficoOnde histórias criam vida. Descubra agora