Um dia, Harry e muitos de seus cavaleiros foram caçar numa floresta. Aconteceu que o rei, acompanhado de Sir Uriens e de Sir Accolon da Gália, ao seguir um belo cervo, distanciou-se de todos os outros. Galoparam tanto que, afinal, os cavalos caíram de exaustão e os caçadores viram-se forçados a continuar de a pé, até que os cães finalmente dominaram o animal perseguido à margem de um lago. Harry fez então soar a trombeta que anunciava a morte de caça.
Ao fixar o olhar no lado, o rei reparou em um pequeno barco com velas de seda, que vinha para a margem em sua direção. Harry aproximou-se para observá-lo, mas não avistou nenhuma criatura deste mundo.
-Senhores - chamou o rei - vamos ver o que há neste navio.
Os três subiram a bordo. A essa altura, a noite já tinha caído e, de repente, acenderam-se tochas por todos os cantos, iluminando completamente a embarcação, que era toda decorada com tecidos de seda. Surgiram então doze donzelas que se ajoelharam perante o Rei Harry e o chamaram pelo nome, oferecendo-lhe hospitalidade. Os três foram levados a uma sala deslumbrante, onde fizeram a melhor refeição de suas vidas. Havia alí uma mesa ricamente posta, com todas as espécies de carnes e vinhos que eles pudessem imaginar. Mais tarde, cada um deles foi conduzido a um aposento suntuosamente mobiliado. E dormiram maravilhosamente durante toda a noite.
Na manhã seguinte, Sir Uriens acordou em Camelot, a dois dias de viagem dali, ao lado de Morgana, seu mulher. Accolon da Gália, quando abriu os olhos, viu-se deitado na beirada de um poço, numa posição muito perigosa. E o Rei Harry despertou numa prisão escura, ouvindo seus companheiros de cela se queixarem amargamente.
Harry perguntou-lhes o que estava acontecendo, e por que se lamentavam. Retrucaram-lhe, vinte cavaleiros, que estavam todos no castelo de Sir Damas, o cavaleiro mais covarde e traiçoeiro que existia. Havia traído até mesmo seu irmão mais moço, o bondoso Sir Ontzlake, de quem usurpara a herança, e, se não fosse pelas riquizas que este havia conquistado com suas proezas de cavaleiro valente, nem teria como viver.
-Os dois então permanentemente em guerra - explicaram os prisoneiros. - Sir Damas, no entanto, não tem coragem de enfrentar o irmão num combate corpo a corpo. Assim vive à procura de um cavaleiro que lute por ele, mais é tão odiado que ninguém quer defendê-lo. Então arma ciladas e prende cavaleiros como nós, à traição, e tenta nos forçar a lutar por ele - o que recusamos fazer. Por essa razão ele nos mantém prisioneiros aqui para morrermos de fome, o que já aconteceu a dezoito de nós.
Enquanto era informado do destino que o aguardava depois da aventura no navio encantado, Harry tentava distinguir, na escuridão, os vultos daqueles cavaleiros, tão enfraquecidos pela fome que mal conseguiam se manter em pé. Nesse momento surgiu uma donzela e lhe propôs:
-Sir, se estiverdes no pleno domínio de vossas forças e quiserdes combater por meu senhor, sereis libertado. Se não, jamais saireis desta prisão.
O rei hesitou. Não lhe agradava lutar por alguém tão covarde e pérfido como Sir Damas, mas preferia combater como um cavaleiro a morrer na prisão. E resolveu tirar o máximo proveito da situação:
-Aceito - disse ele - com a condição de que todos nós sejamos libertados imediatamente.
Sua exigência foi cumprida e todos os prisioneiros se prepararam para assistir ao combate do recém-chegado, de identidade ignorada, com Sir Ontzlake.
No dia seguinte, antes de partirem para o campo, Sir Damas fez que todos assistissem à missa. Terminado o ofício, Harry recebeu uma excelente armadura e um belo cavalo. Já montado e preparado para partir, Harry viu aproximar-se uma donzela que se declarou a serviço de Morgana, sua irmã, a quem Harry havia confiado a guarda da valiosa Excalibur, e lhe deu uma espada idêntica à sua, embainhada, com as seguintes palavras:
- A Fada Morgana vos envia vossa espada, como sinal de seu grande amor fraternal.
O Rei Harry agradeceu e partiu, sem desconfiar que a espada e a bainha eram falsas. Morgana o traíra, mandando-o para a morte, porque estava apaixonada por Sir Accolon, sendo correspondida em seus sentimentos. Seu plano era matar Harry e Sir Uriens, seu marido, casar-se com Sir Accolon e tornar-se rainha.
E Sir Accolon? Como já foi dito, havia acordado na borda de um poço de onde um fio de água caía numa pia de mármore, através de um cano de prata.
-Jesus proteja meu Rei Harry e Sir Uriens! - foram suas primeiras palavras. - Aquele navio era encantado. Fomos traídos por demônios em forma de mulheres.
Nesse momento, surgiu um anão de boca imensa e nariz chato que disse vir da parte de Morgana. O mensageiro saudou-o em nome da fada e preveniu-o de que no dia seguinte, pela manhã, ele teria que combater um cavaleiro muito valoroso.
-Por isso, senhor - continuou o anão - minha senhora vos envia Excalibur, a espada do Rei Harry, e sua bainha. Ela vos pede, em nome do vosso amor, que luteis com bravura e sem misericórdia, conforme prometestes quando estivestes a sós com ela. Tudo sairá bem, pois já foram feitos todos os encantamentos e sortilégios necessários.
Assim que o anão desapareceu, cavalgaram na direção de Accolon um cavaleiro, uma dama e seis escudeiros. O cavaleiro era justamente Sir Ontzlake, que lhe propôs que fosse descansar em seu castelo. O convite foi aceito de bom grado, e partiram todos juntos. Mais tarde, depois de Sir Accolon já ter se alimentado e descansado, chegou ao castelo um mensageiro de Sir Damas, dizendo a Sir Ontzlake que se preparesse para um grande combate ao amanhacer, pois seu amo afinal encontrara um cavaleiro que iria defendê-lo.
Sir Ontzlake considerou o momento impróprio, pois ainda doíam-lhe ps ferimentos que recebera, em ambas as pernas, numa batalha recente. Mesmo assim, respondeu ao mensageiro que estaria pronto para enfrentar o desensor de seu irmão.
Ao ouvir a resposta de seu anfitrião, Accolon dispôs-se a lutar por ele, retribuindo a hospitalidade com que fora recebido. Sentia-se seguro, pois a Fada Morgana enviara-lhe Excalibur, a espada de Harry, prevendo o combate no dia seguinte.
Com isso, Sir Ontzlake muito se alegrou e agradeceu de coração a Sir Accolon por lhe prestar tão valioso favor.
E assim, no dia seguintem ao raiar da manhã, os dois cavaleiros se lançaram ao combate, cada qual sem conhecer a identidade do adversário, mas confiantes em sua bravura de cavaleiro e em Excalibur...
VOCÊ ESTÁ LENDO
The King and The Knight // l.s
FantasiaHarry já nasce destinado a ser Rei. Filho de Desmond Styles, rei de toda Inglaterra, e de Anne, esposa do Duque de Tintagil da Cornualha, foi concebido graças aos estratagemas mágicos do mago Liam. Os cavaleiros de Harry estavam em busca do Santo G...