Culpa

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Francesca e Michaela eram sincronizadas.

Não apenas em questões de personalidade, mas também em questões totalmente biológicas.

Quando Michaela havia sangrado uma semana anterior e Francesca não, é claro que estranhou um pouco, mas atrasos aconteciam. Não eram tão comuns, mas aconteciam. Era natural. E então, John faleceu e seu mundo como conhecia não fazia mais sentido e de repente o atraso não ocupava qualquer espaço dentro de sua mente.

Claro que aquela conversa desagradável com a Coroa deveria ter despertado alguma dúvida e atenção quanto ao assunto, mas para Francesca a possibilidade era tão remota que o pensamento não passou de um mero absurdo. Ninguém na família poderia esperar por algo assim logo depois de uma tragédia.

Foi Michaela quem sugeriu pela primeira vez.

Francesca e ela andavam pelo jardim, como faziam em casa, na Escócia. Era a única coisa capaz de acalmar ambas, por alguns minutos elas podiam fingir que estavam de volta, que mais tarde o passeio acabaria e John estaria ali, esperando por elas.

Elas caminhavam sempre com seus braços entrelaçados, mas naquela manhã em particular Francesca sentia seus seios doloridos. Michaela percebe que há algo de errado quando o braço de Francesca se desvincula do seu e Francesca alonga seu corpo, respirando fundo.

Os minutos a sós no jardim eram os únicos em que Francesca e Michaela pareciam sentir em paz, quase que felicidade, ainda que não fosse, portanto, para Francesca se sentir tão incomodada, havia algo de errado.

— Não é nada. — Francesca responde quando Michaela insiste que elas deveriam voltar. Ela não deixa de notar, mentalmente, a ironia fúnebre que foram suas palavras tão semelhantes às que John usara para descrever sua dor de cabeça antes de nunca mais acordar.

— Claro que há algo de errado, consigo ver em seu rosto. — Michaela era uma das pessoas mais teimosas que Francesca conhecia, não tinha utilidade em tentar mentir para ela, apenas estaria desperdiçando seu tempo.

— Realmente não é nada de grave, só estou me sentindo um pouco dolorida.

— Onde? — Michaela se aproximou imediatamente, seus olhos escuros atentos e alarmados. Aparentemente não era só Francesca que havia se traumatizado com a forma repentina que John se foi.

— No... no peito. — Francesca sente suas bochechas corarem, não sabe se é apropriado ou não falar sobre seus seios com outra mulher, mas, bem, era Michaela não uma completa desconhecida.

— No coração? Está sentindo o coração doer?

Espiritualmente? Sim. Mas não era essa a resposta que Michaela procurava.

— Não. São... São meus seios. — Francesca se sente a ponto de se enterrar no chão, no jardim da casa de sua mãe e nunca mais ser encontrada novamente de tanta vergonha que sente, o que pode parecer ridículo que depois de tantas coisas ao mesmo tempo era isso que a preocupava. Mas, ao contrário dela, Michaela parecia inabalável.

Ela fica em silêncio, por alguns segundos, examinando Francesca de cima a baixo.

— Você está atrasada?

Francesca franze as sobrancelhas, confusa.

— Para o quê? Não temos nenhum compromisso, pelo menos não que eu saiba.

— Frannie...

E então a compreensão a atinge em cheio. Sim, ela estava atrasada. Quase um mês inteiro, isso não acostumava acontecer. Francesca não sabe o que pensar, apenas pede um tempo para que ela pense no assunto e no dia seguinte falaria com sua mamãe e com Anthony, para que providenciassem um médico. Ela ainda queria ter mais um dia sem precisar lidar com essa verdade.

nem que o mundo nos separeOnde histórias criam vida. Descubra agora