Olhos carmesins

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Ivanna atravessou o pátio do castelo, onde uma fonte rodeada por moitas e cerejeiras despejava água para que passarinhos de variadas cores pudessem se banhar. Ela os observou, se recordando da época em que as únicas aves no céu do reino de Zarkavia eram os corvos que infestavam os campos de batalha.

A rainha já havia sido uma guerreira ao lado de seu falecido marido. Diferente de muitas mulheres, ao invés de usar vestido e joias, ela usou por muito tempo armaduras e espadas, das quais fez bastante proveito. Não era a toa que à chamavam de Rainha de Sangue.

Os pensamentos mórbidos dela se voltaram para a cabeça moribunda do duque Boningan. Como diabos aquele mercenário o havia encontrado? O duque era um dos maiores e mais poderosos inimigos da Coroa e não deveria ser uma tarefa fácil encontrá-lo, quem diria matá-lo. Aric não deveria ser confiável. Era óbvio que tramava alguma coisa, porque não era possível que ele tivesse executado tão árdua tarefa sem querer nada em proveito próprio que não fosse uma cama e comida. Deveria ter algo mais, ou não teria aceitado a missão de assassinar o príncipe Dothan de tão bom grado.

Aric partiria em dois dias e a rainha ordenou que sir Havil o seguisse à distância para que pudesse vigiá-lo. Não podia confiar plenamente em um mercenário. Foram a cautela e as suspeitas de Ivanna que a mantiveram no trono junto com Horian por dez anos.

Ela se aproximou da fonte, tendo ciência dos guardas logo atrás a uma distância respeitável, preparados para qualquer eventualidade, e olhou para dentro da água, para o reflexo borrado de seus olhos carmesins. Diziam as lendas que aqueles que possuíam tal coloração na íris eram descendentes do encontro entre humanos e demônios, milênios atrás. Isso certamente ajudou ainda mais na imagem de rainha temível que Ivanna tinha.

Atrás dela, Ivanna ouviu os guardas ficarem em posição de sentido e não precisou se virar para saber quem era pelos passos firmes e decididos que se aproximavam. Como herdeiro do trono, Benedict foi instruído a ser o mais elegante e imponente dos homens.

- Minha rainha - chamou Benedict. Ele só chamava a mãe assim quando queria lhe pedir alguma coisa de assunto sério.

- Diga, meu filho.

- A senhora muito bem sabe sobre a nossa dificuldade em mantermos a estabilidade nas terras anárquicas, com ou sem a intersecção de Dothan. Por isso, gostaria de pedir para que eu possa acompanhar sir Havil até o noroeste.

- De jeito nenhum, Benedict - Ivanna o cortou rápido como uma navalha.

- Mãe, as terras anárquicas são um ponto estratégico entre o nosso reino e o reino de Niqthar. Se a área for dominada pelo reino estrangeiro, então sofreremos pressão sobre os nossos territórios. E, conforme a Lei, teríamos que declarar guerra contra o rei Derik.

- Eu conheço a problemática, meu filho. Por isso mandei Aric em sua missão e sir Havil para supervisioná-lo.

- Eu sei, mas precisaríamos de um alicerce diplomático para resolver a situação. Matar Dothan não será o fim dos problemas. A região precisará de um conde forte para que possa manter a paz.

- Estou trabalhando nisso.

Ivanna estava ainda cogitando quem seria a melhor pessoa para tomar as rédeas da região anárquica de Makott, contudo, como tudo em seu reinado, as opções não eram totalmente confiáveis ou estáveis o suficiente.

- A senhora me falou sobre o contato que vem espionando para nós os movimentos dos rebeldes. Se eu tiver acesso a ele, poderia convocar uma reunião com o líder anarquista.

- E deixe-me adivinhar: tentará convencê-lo a se unir a Zarkavia em troca de títulos, ouros e honrarias - Ivanna se virou, fitando o filho com aquele malevolentes olhos carmesins - Você ainda é jovem demais para entender todas as nuances de um jogo político. Tudo o que você já pensou, já foi realizado. Agora é questão apenas de "equilíbrio".

Benedict abaixou a cabeça, fazendo uma reverência com o objetivo de se despedir. Derrotado, ele deu as costas para sua mãe, mas ela o chamou de volta.

- Pensando bem, houve uma estratégia que ainda não usei em todo esse conflito no noroeste. Talvez, se você o fizer para mim, deixarei você partir, porém precisará de muito cuidado. Confio em você, meu primogênito, para que seja uma peça fundamental desse jogo, contudo precisará de muita, muita cautela.

- E que estratégia seria essa, Vossa Graça?

Ivanna ergueu a cabeça, as narinas dilataram e um brilho astuto refletiu na vermelhidão de seus olhos.

- Você usará um dragão.


Rainha de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora