O Princípe Maquiavélico

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Alistair não gostou nada do comportamento do estrangeiro.

Do mezanino acima da sala do trono, ele e os outros três irmãos observavam como falcões o mercenário conversar displicente e orgulhosamente com a mãe deles. Thomas já estava com um arco e uma flecha em mãos, mantida escondidas abaixo do nível do parapeito.

Benedict olhava de esguelha para Thomas, intimidando-o com a ponta de seu olhar carmesim para que ele não fizesse nenhuma besteira. Era de praxe o segundo filho mais velho de Ivanna cometer atos impulsivos.

Embora Benedict fosse o primogênito, herdeiro do trono e todos os títulos que o obrigavam a ser racional e calculista, ninguém se comparava a Summer, o caçula de três anos e definitivamente o mais comportado dos Filhos de Sangue.

Fisicamente os quatro eram parecidos: cabelos negros e olhos vermelhos, sendo um a versão mais velha do outro. Benedict possuía vinte e três anos e Thomas dezoito; haviam passado pela pobreza, pela miséria e pelos tempos de guerra junto com os pais. Alistair, com doze, aparecera num período mais estável, onde o poder da recente Casa Allheim estava mais consolidado durante a guerra civil de Zarkavia, porém tinha vagas memórias de dias de preocupação e morte. Muita morte. Summer nasceu em berço de ouro, alguns dias depois do pai deles falecer.

Até hoje Alistair tentava entender como um guerreiro e líder nato como Horian Allheim se deixou perecer diante de uma simples doença. Nada raro ou diferente do usual, mas que mesmo assim o pegou desprevenido e deixou para que sua esposa comandasse um reino volátil inteiro sozinha.

Felizmente, a mãe dos rapazes tinha excelente conselheiros ao lado dela, como o sir Jean Havil e o conde Farkkes, que ascenderam juntos com ela da pobreza do reino até a glória da Coroa. O cavaleiro juramentado lutou pela honra de seu marido durante a guerra civil e o conde, antes um mero artesão, tornou-se o maior investidor de armaduras da rainha. Embora não fossem considerados amigos, Alistair não acreditava que depois de tudo o que passaram eles pudessem trair a sua mãe.

Mas havia algo de traiçoeiro e ardil no estranho. Alistair não era supersticioso, porém jurava sentir uma energia sombria pairar sobre o mercenário, como se ele carregasse a Morte dentro de seu coração. Thomas ao seu lado quando rosnava para ele do andar de baixo; Benedict, apesar do semblante serene, contraía o maxilar. Até Summer parecia inquieto nos braços do irmão.

- Quero que mate um homem por mim - pronunciou a rainha, fazendo a barriga de Alistair esfriar.

A temida Rainha de Sangue tinha muitos inimigos. Conspiradores da época da guerra civil que ainda almejavam o trono, reinos vizinhos que não aceitavam uma mulher plebeia liderar todo um povo e homens gananciosos que olhavam como abutres para as terras ricas de Zarkavia. No entanto, ainda era chocante para os seus filhos assistir à mãe ordenar diretamente o assassinato de uma pessoa, mesmo depois de tudo o que ela passou.

Alistair olhou os arredores. Tirando a guarde de honra, havia apenas os conselheiros mais leais da rainha para ouvir a próxima proclamação.

- Quero que mate o príncipe de Niqthar.

Alistair não conseguiu evitar tremer. O príncipe Dothan, de Niqthar, era conhecido por ser um indivíduo caótico que costuma se envolver em assuntos alheios. Graças à sua reputação, ele tinha acesso a um exército de mercenários leais à sua liderança agressiva, que almejava expandir os domínios de seu pai, o rei Derik, e conquistar mais riquezas. O rei Derik não aprovava diretamente as atitudes do filho, mas também deixava de repreender, o que significava que ele não interferiria nas decisão do príncipe em atacar as tropas da Legião Escarlate e saquear as terras a nordeste de Zarkavia.

Contudo, era capaz de o rei Derik não anunciar uma retaliação caso o filho eventualmente morresse durante suas ações imprudentes, cruéis e maldosas.

Alistair imaginou ver a hesitação nos olhos do forasteiro, mas ele simplesmente curvou a cabeça e disse:

- Há alguma informação que eu precise saber sobre ele?

Ivanna bufou e acenou para Lou Farkkes.

- O príncipe está localizado no vilarejo de Liverend, a noroeste, na fronteira de Niqthar - anunciou o conde - Ele está combatendo os camponeses anárquicos que se recusaram a se integrar a qualquer reino.

- Posso perguntar se receberei algum apoio da Coroa?

Antes que o conde pudesse falar, Ivanna riu.

- Se você é tão bom quanto diz - desdenhou ela - Então conseguirá se infiltrar nos homens de Dothan e matá-lo "furtivamente". Faça parecer que foi um atentado dos anarquistas. A Coroa não tem agentes ativos na disputa de terras do noroeste para evitar conflito com as tropas de Niqthar. Você deve entender, Aric. Você parece ser um homem esperto.

- Obrigado pelo elogio, Vossa Majestade.

Então, a rainha virou o rosto na direção do cavaleiro.

- Sir Havil, leve esse homem para um aposento vago e lhe ofereça comida e banho. Quando ele se sentir disposto a viajar, traga-lhe um cavalo e armas para que possa executar sua tarefa.

O cavaleiro fez uma reverência e conduziu Aric para fora da sala do trono. 


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