Sir Jean Havil cavalgava a alguns poucos quilômetros de distância da montaria de Aric de Lernan através das estradas esculpidas nas pedras da montanha, o ar ficando mais rarefeito conforme a altura.
Desde que fora deserdado pela família ao prestar juramento para uma plebeia, Jean não andava por aquelas terras há muitos anos. A província de Kaleel era conhecida pelos seus planaltos, suas terras férteis e pela fortaleza imponente no alto de uma das montanhas cinzentas.
Conforme virara em uma estrada serpentino, acompanhando de longe o ritmo descompassado do mercenário, Jean viu no horizonte a construção de obsidiana cujas torres escuras arranhavam o céu como lanças pontiagudas. No meio entre as quatro torres cardiais, estava a estátua de pedra de um gigantesco e furioso dragão com a bocarra cheia de dentes aberta. Diziam que Thamor, o Pai dos Dragões, tinha um rugido tão alto que era capaz de rasgar o véu entre mundos. Os dragões menores, mais semelhantes a crocodilos com asas, eram descendentes da criatura lendária que foi morta pelo guerreiro também lendário Brandon Kenway.
À medida que iam se aproximando do Forte Kenway, guaritas puderam se vistas em pontos estratégicos no alto do vale que percorriam. Tanto Aric quanto Jean portavam documentações que lhes permitiriam passagem livre para a caótica terra de Makott sem serem incomodados pelas patrulhas cautelosas espalhadas pela cadeia de montanhas.
Entretanto, para a infelicidade de Jean, Aric decidiu seguir rumo para a fortaleza, desviando-se do caminho principal. Era claro que faria isso. Cavalgava há dias em terreno aberto e precisava de um descanso, ainda mais se quisesse cumprir a sua tarefa infame. E isso significava que o cavaleiro também teria que adentrar o forte.
Sir Havil esperou anoitecer para entrar no castelo. Ele esperava que o capuz encardido e os mantos esfarrapados os disfarçassem dos olheiros do pai para que pudesse se passar apenas como um viajante em busca de um refúgio para os perigos noturno. O lugar continuava o mesmo desde que saíra para combater os inimigos em nome do rei Horian e da rainha Ivanna: o cheiro forte oriundo das forjas e o barulho constante do tilintar de aço tomavam conta da ambientação gótica, que se tornava mais obscura com o pôr-do-Sol. Jean tinha esquecido como detestava aquele lugar e a forma como lhe dava calafrios.
Ele se direcionou a maior taverna do forte, uma construção de madeira de três andares onde o cavalo dado a Aric ocupava mais um dos espaços nos estábulos fétidos. Jean entregou a sua montaria para um adolescente espinhento e adentrou o estabelecimento.
Assim que empurrou as portinholas duplas, foi recebido pelo calor do espaço pouco ventilado, da multidão embriagada e empolgada e da fumaça proveniente da cozinha. Homens e mulheres cantarolavam músicas obscenas e jogavam cartas. A maioria era camponeses, mas Jean reconheceu figuras aristocráticas que, assim como ele, disfarçavam-se para poderem se enturmar nas animosidades e prazeres noturnos.
Jean não avistou Aric em lugar nenhum, deveria ter alugado um dos quartos para fins de descanso, mas para ter certeza, o cavaleiro se sentou em uma mesa no canto do salão, próximo a uma parede mofada e analisou o ambiente.
De repente, uma garçonete com um decote propositalmente chamado lhe perguntou com uma voz convidativa:
- O senhor desejaria algo para beber?
Jean agradeceu pelo capuz esconder suas feições já conhecidas por Patty, uma figura tão adorada pelos homens de Forte de Thamor e uma peça fundamental da juventude libertina do cavaleiro, um passado que ficou para trás agora que fazia parte da Corte da Rainha de Sangue.
Jean negou com um aceno de mão, porém antes que Patty pudesse lhe dar as costas, uma voz galanteadora ronronou no pescoço dela:
- Na verdade, uma bebida para eu e este "nobre" viajante cairia bem. Por minha conta, querida.
Então, uma cadeira foi puxada à frente do cavaleiro e nela se sentou um jovem louro de cabelos curtos penteados para trás, carregando consigo um sorriso lupino, tamborilando os dedos na madeira antes de falar:
- Não acredito que você entra no meu bar e não me fala comigo? Onde estão os seu modos, irmão?
- Papai sabe que você está nesse lugar, Nathan? - questionou Jean, seco.
- Eu poderia lhe perguntar o mesmo.
Sir Havil suspirou e cruzou os braços.
- Só estou de passagem. Não quero incomodar o nosso pai.
- Não seja por isso, irmão! Venha, vamos para casa.
- Não, eu não vou. Estou em missão.
- Pela sua rainha? - debochou Nathan - Vamos lá! Mamãe vai ficar feliz em te ver.
- Desculpe, Nate, mas não posso.
- Você não quer que eu fale para o papai que você está aqui no Forte, não é?
Jean retesou o maxilar. Desde crianças Nathan tinha a mania de atrapalhar os planos do primogênito de Joe Havil.
- Não se preocupe com o seu "alvo" - continuou Nathan - Eu mando o meu segurança ficar de olho nele para você.
- Como você...?
- Venha! Vamos dar um oi para o "papis".
Jean Havil trincou os dentes e, com muita força de vontade, decidiu não socar a boca do irmão caçula e o seguir até a cidadela.
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Rainha de Sangue
FantasyNa distante terra de Zarkavia, onde as montanhas se erguiam majestosas e os rios serpenteavam como veias de prata, reinava uma soberana cujo nome era sussurrado com temor: Rainha Ivanna, conhecida por todos como Rainha de Sangue. Sua ascensão ao tro...